Em meio a uma série de ataques aos povos originários em todo o país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou uma nota nesta quarta-feira (31) em que denuncia o Ministério da Defesa, encabeçado pelo ministro José Múcio, de faltar com o apoio e dificultar operações de desintrusão da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
A afirmação é feita pelo departamento jurídico da entidade, que é uma das principais organizações indígenas do Brasil. E uma petição foi enviada ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), com as denúncias.
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De acordo com a Apib, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas se recusaram a “corrigir aproximadamente 50 pistas de pouso essenciais para a operação Yanomami”. Também foram registrados atrasos em operações de distribuição de cestas básicas e falhas no controle do espaço aéreo do território. A Apib ainda critica a demora para retirar um posto de combustível instalado ilegalmente dentro das terras.
A organização aponta que Múcio e o Ministério da Defesa atuam na contramão das diretrizes estabelecidas pelo Governo Lula, que através do Ministério da Saúde declarou Estado de Emergência de Saúde no território Yanomami. Às Forças Armadas foi atribuída a responsabilidade de fornecer apoio logístico às diversas ações e entidades envolvidas nas operações de socorro e desintrusão do território.
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“Em ofícios trocados entre Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Forças Armadas, restou claro que o último órgão apresentou, desde o início da operação, enorme resistência em cooperar com as ações de ajuda humanitária, principalmente no fornecimento de estrutura para que as cestas de alimentos fossem entregues em áreas remotas e de difícil acesso e no fechamento do espaço aéreo da Terra Indígena Yanomami”, diz trecho da petição.
Agora a Apib pede ao STF quatro coisas. A primeira, que a União inclua um eixo específico nas operações para o combate de organizações criminosas que invadem o território, sobretudo no novo plano de desintrusão que está sendo elaborado. Também pede que o Ministério da Justiça forneça informações sobre ações em andamento contra essas organizações criminosas, a substituição dos militares pela Funai e pela PF no patrulhamento do espaço aéreo e agilidade no estabelecimento de outras políticas recentemente prometidas.
Situação do povo Yanomami
Há um ano, quando o Governo Lula tomava posse, foram reveladas imagens chocantes do genocídio Yanomami, em Roraima, facilitado pela ampla desregulamentação ambiental e sabotagem de órgãos de fiscalização durante o Governo Bolsonaro. As imagens dos indígenas desnutridos, padecendo de fome e doenças, rodaram e chocaram o mundo. A causa: falta de equipamentos públicos de saúde e segurança que permitiu o aumento exponencial da intrusão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami.
Esses garimpeiros, por sua vez, ao desempenharem sua atividade extrativa, além de contaminar os indígenas com vírus e bactérias forasteiros, também causam desmatamento, poluição das águas da região e a própria violência decorrente da disputa pelo território.
Rapidamente o novo Governo Lula propôs um plano emergencial para acudir os indígenas e mobilizou as Forças Armadas e a Polícia Federal para operações de entrega de medicamentos e comida e de desintrusão dos garimpeiros. Também destinou recursos para fortalecer os programas de saúde indígena e os postos de fiscalização da Funai no território.
No início, e até levando em consideração a gravidade da situação herdada, as coisas melhoraram. Mas com o passar dos meses o ímpeto foi diminuindo, especialmente por parte dos militares.
A desintrusão de terras indígenas, com destaque para a Terra Indígena Apyterewa e a Terra Indígena Yanomami, é um tema muito cobrado do Governo Lula por ambientalistas, defensores de direitos humanos e pelo próprio movimento indígena. Mesmo passado um ano da revelação da fome e da falta de saúde pública que acometeu os Yanomami ao longo do governo Bolsonaro, e as ações tomadas logo no início do Governo Lula nesse sentido, aquela população continua em estado de sofrimento.
Em reportagem publicada em 9 de janeiro na Agência Pública, o jornalista Rubens Valente mostra fotos recentes de um servidor da Saúde carregando no colo uma criança indígena completamente desnutrida na comunidade de Ônkiola, no norte da Terra Indígena Yanomami.
O próprio Polo de Saúde da região chegou a fechar por três ocasiões em 2023 por falta de alimentos. Nesse contexto, as Forças Armadas também desmontaram um posto de suprimento de combustíveis em Palimiú, a região do território mais cobiçada por garimpeiros. O posto também atendia a aeronaves do Ibama e da PF que chegavam à região.
O Ministério dos Povos Indígenas chegou a pedir, em 16 de novembro, em ofício enviado a Renato Rodrigues de Aguiar Freire, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, que os militares providenciassem o envio de mais de 40 mil cestas básicas que estavam prontas para serem entregues.
Em 5 de dezembro de 2022, o coronel Roberto Sousa, do Exército, justificou a desmobilização dos militares nas terras Yanomami em razão das tensões entre Venezuela e Guiana, que fazem fronteira com o território Yanomami do Brasil. Enquanto isso, o Ministério da Defesa deu indicações de que pretende deixar operações de entrega de cestas e de desintrusão de garimpeiros no local.
Em 2024
Um grupo de garimpeiros que já havia sido expulso da Terra Indígena Yanomami em 2023 tentava uma reintrusão no território nos últimos dias. Mas os planos deram errado em 16 de janeiro, quando foram pegos pela Polícia Federal que apreendeu suas armas, munições, coletas à prova de bala e equipamento de telecomunicações. Ninguém foi preso.
Essa foi a primeira ação da PF no território desde o último dia 10 de janeiro, quando o Governo Lula anunciou uma série de medidas de caráter permanente para garantir a saída dos garimpeiros e atender a emergência sanitária vivida pelo povo Yanomami.
A presença de garimpeiros, que naquele território são todos ilegais (logo, não há diferenciação entre ‘legais’ e ‘ilegais’) é a principal causa do morticínio Yanomami. Tanto por conta da destruição ambiental que a atividade promove, como pela difusão de doenças e escalada de violência decorrente da disputa pelo território.
A ação da PF dessa semana tem como objetivo mapear os garimpeiros que permanecem no território ou que para lá voltaram após terem sido expulsos no último ano. Os federais também sobrevoaram a região para fazer o mapeamento. Na abordagem ao grupo, em garimpo ativo, equipamentos foram destruídos conforma imagens divulgadas pela corporação.
Na semana anterior o presidente Lula convocou uma reunião no Palácio do Planalto para tratar do tema com outros 13 ministros e ficou determinado que as ações emergenciais empregadas em 2023 dariam lugar a ações permanentes, ou “estruturantes e perenes no território”, como diz nota publicada pelo Ministério dos Povos Indígenas.
A previsão de investimentos para essas ações em 2024 é de R$ 1,2 bilhão para atender a saúde e a segurança dos Yanomami. E a primeira medida estruturante é a instalação da chamada Casa de Governo em Boa Vista, que irá concentrar órgãos federais e coordenar as ações e operações. Vão compor a estrutura da Casa do Governo órgãos como Funai, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério do Meio Ambiente, Polícia Federal, Abin, Polícia Rodoviária Federal, Ibama, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, entre outros.
As novas medidas incluem o cerco a invasores e ao garimpo ilegal que contará com novas infraestruturas e gerências, segundo a Casa Civil. Rui Costa explicou que ações programadas e incursões policiais vão migrar para uma presença permanente das forças de segurança, com Forças Armadas e Polícia Federal. Além disso, também as estruturas de Saúde receberão investimentos para se manterem em caráter permanente nas comunidades.
“Vamos reestruturar a reocupação com a presença definitiva das forças de segurança para que a gente consiga retirar definitivamente a presença de invasores na região”, disse o ministro da Casa Civil Rui Costa após a reunião com o presidente.
De acordo com a Casa Civil, em 2023 foram mais de 400 operações e mais de 600 milhões de reais apreendidos em patrimônio e recursos financeiros de grupos ilegais. Para o ministro, “o grosso do trabalho de combate ao crime organizado foi feito de forma vitoriosa”.