O delegado da Polícia Federal (PF) Cristiano Campidelli afirmou que a mineradora Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho em 2019, mentiu para os moradores da região em simulações feitas antes do rompimento.
De acordo com Campidelli, a Vale enganou a população sobre o tempo que elas tinham para caminhar até o ponto de encontro e sobre o funcionamento da sirene, que a mineradora sabia que não estava operando. “A Vale cometeu homicídios e tornou impossível a defesa das vítimas", declarou.
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"Em uma simulação, ela conseguiu reunir 99% do seu corpo interno e 83% do corpo externo. Essas pessoas foram orientadas. Foi dito que se a sirene tocasse, elas poderiam caminhar calmamente até o ponto de encontro, por 8, 10, 15 minutos. Mas a Vale sabia que a sirene não funcionava e sabia que essas pessoas teriam menos de um minuto para se autossalvar. Então essas pessoas morreram porque elas foram enganadas. A Vale cometeu homicídios e tornou impossível a defesa das vítimas", disse.
Ex-trabalhadores da Vale confirmaram a simulação realizada em 2018, onde receberam orientações de uma rota de fuga que demandaria de 10 a 15 minutos de deslocamento. A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) afirmou que havia plena confiança nos processos de segurança da mineradora.
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O delegado ainda citou outras ações da mineradora e afirmou que "a verdade é que a Vale fez muito esforço para matar essas pessoas em Brumadinho". As declarações foram dadas durante um seminário ocorrido nesta segunda-feira (22) na Câmara Municipal de Brumadinho para lembrar os cinco anos da tragédia, nesta quinta-feira (25).
Processo
Desde 2020, tramita na Justiça um processo contra a Vale com base na denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) através de investigações da Polícia Civil de Minas Gerais. Ao todo, são 16 réus: 11 ligados à Vale e 5 s à Tüv Süd, empresa alemã que assinou a declaração de estabilidade da barragem.
Já em 2022, o STF determinou a federalização do caso, que passou a correr pelo Ministério Público Federal (MPF). O órgão reiterou a denúncia da MPMG, aceita pela Justiça Federal em janeiro do ano passado.
As investigações da PF foram as últimas a serem concluídas, tendo sido encerradas em novembro de 2021, com mais três indiciados, totalizando 19. Campidelli explica que quanto mais tempo de investigação, mais informações são encontradas, e por isso o número de indiciados no inquérito da PF é maior. O delegado também afirmou que a apuração reforça as conclusões da Polícia Civil de Minas Gerais e do MPMG.
Apuração
A denúncia apresentada pelo MPMG mostrava que a parceria da Vale e da Tüv Süd tinha como objetivo omitir a real situação da barragem e permitir que a mineradora continuasse operando na região.
A investigação da PF expôs que a barragem que se rompeu estava numa lista da Vale classificada como "zona de atenção". Sua situação chegou a ser discutida em um painel internacional com a presença da alta cúpula da mineradora.
Os documentos apreendidos mostravam que a primeira empresa contratada para analisar a estabilidade da barragem calculou que o fator de segurança da estrutura era de 1,09, enquanto o mínimo geralmente exigido é de 1,3. A empresa se negou a assinar o laudo e a Vale contratou a Tüv Süd.
Campidelli afirmou que com fator 1,09, a chance da barragem romper era 20 vezes maior que o máximo tolerável mas que, ainda assim, a Tüv Süd assinou a declaração de estabilidade.
"O fator mínimo de segurança tem que ser 1,3 porque a barragem tem que suportar a carga dela de 100% e 30% a mais. É uma margem que dá segurança, exemplo, se vier uma chuva muito forte, se der um sismo, se passar máquinas pesadas fora de estrada. Quando o fator é de 1,09, significa que ela só aguenta 9% a mais. Qualquer interferência externa é um risco para aquela estrutura", explicou Campidelli.
A PF também apurou que a barragem chegou a balançar em 2018, após perfurações na estrutura. A situação atendia à emergência de nível 10 e deveria ter sido informada aos trabalhadores. No entanto, segundo Campidelli, a Vale inicialmente classificou como nível 6 e depois classificou como nível 3. O delegado reforça que há fartura de provas comprovando todas as ações e omissões da Vale e descrevendo as ações de cada um dos indiciados.
Por fim, Campidelli também criticou a forma como a barragem foi auditada pela Tüv Süd. "Vou dar um exemplo rápido. Quem tem carteira de habilitação e vai renovar, paga uma taxa e recebe o endereço de uma clínica para fazer o exame. Você não escolhe a clínica que você vai. É órgão de trânsito que determina. Com a mineração precisa ser assim. As empresas pagam uma taxa e a Agência Nacional de Mineração escolhe a empresa que vai auditar. Da forma que foi feito, havia meio que uma prostituição do mercado", disse.
O relatório final, com os nomes dos indiciados, encontra-se em sigilo após cinco anos da tragédia que vitimou 272 pessoas, entre trabalhadores da Vale e moradores da região. Ninguém foi responsabilizado pelo crime ambiental.