CRIME AMBIENTAL

Mariana (MG): Quem são as vítimas da lama tóxica da Samarco/Vale/BHP Billiton

Carlos Arlindo, morador de Bento Rodrigues, teve a casa destruída mas conseguiu salvar sua filha; Outros atingidos não tiveram a mesma sorte. Conheça seus relatos

Casas destruídas pela lama tóxica da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana (MG).Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

“É possível matar dezenas de pessoas, arrasar a vida de outras milhares, contaminar um rio, destruir a fauna e a flora em mais de 46 cidades e ainda assim ficar impune?” Quem faz a pergunta são as vítimas do desastre de Mariana (MG) que,com o apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), lançaram na última quinta-feira (14) a Revida Mariana, uma campanha para pedir por justiça e reparação às famílias que ainda sofrem por conta do episódio. O principal objetivo é não deixar que o crime ambiental e social causado pelas mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton caia no esquecimento. Até o momento, não houve qualquer punição aos culpados, seja no Brasil ou no exterior, enquanto muitas famílias seguem sem abastecimento de água potável, renda e até mesmo moradia.

Uma dessas pessoas é Carlos Arlindo, morador de Bento Rodrigues, distrito onde se localizava a Barragem do Fundão, e que viu, com os próprios olhos, sua casa ser completamente destruída pelo mar de lama que se seguiu ao rompimento.

“Demorei 15 anos para fazer minha casa. Tudo foi embora em 15 minutos”, diz Arlindo em depoimento ao Revida Mariana. Ele foi gravado justamente no local onde um dia esteve seu lar e que hoje só apresenta lama tóxica e ruínas.

Carlos Arlindo. Reprodução/Revida Mariana

Arlindo aponta uma fachada de residência completamente enlameada e destruída. “Aqui era a porta da minha casa, ali era o quintal”, disse.

Ele conta que antes do desastre chegava em casa e levava sua filha passear na praça. “O rio passava ali embaixo, um rio bonito demais. No dia que a lama veio, a minha menina estava no berço dormindo. Não gosto nem de falar sobre isso que meu corpo até arrepia. Quase que ela morre. Isso foi um crime da Samarco, é uma tragédia que a gente só vê em filme de terror”, narrou.

Pais enterram filhos

Apesar de ter perdido uma vida inteira de trabalho e a própria casa, Arlindo ainda conseguiu salvar seu maior patrimônio, a filha pequena. Outros atingidos pela tragédia não tiveram a mesma sorte. Wesley Izabel, outro morador, explica como perdeu sua filha Emanuele para a desastre.

“Ao invés da lama jogar a parede para fora, ela bateu no pé da parede, que quebrou e caiu em cima de nós. Quando a parede saiu de cima da gente eu já estava sem o Nicolas, sem a Emanuele. Aí falaram pra mim: ‘achamos a sua filha mas ela não está viva’. Doeu. Dói muito”, conta.

Wesley Izabel. Reprodução/Revida Mariana

Priscila Izabel, irmã de Wesley e tia da menina Emanuele, narrou o momento em prantos. “Travei a Emanuele aqui, segurei o Caíque aqui, e falei: ‘segura na roupa de titia’. E eu olhava para um lado, olhava para o outro e não via ninguém”, contou.

Além de ter presenciado a morte dos sobrinhos, Prisicila também estava grávida no momento do desastre e acabou sofrendo um aborto. Ela denuncia que as mineradoras a assediaram em relação a isso.

“Uma hora alegam que eu não estava grávida. Outra hora alegam que a lama não abortaria. Muita gente já se foi e a Samarco simplesmente está aí”, desabafou.

Priscila Izabel. Reprodução/Revida Mariana

Outra moradora atingida pelo desastre, Gelvana Rodrigues, se emocionou ao relatar a perda do filho pequeno.

“A avó dele ouviu um barulho. E ele então perguntou: ‘ô vovó, o que está acontecendo?’ Aí a avó dele falou: ‘ô filho, não sei, vem cá abraçar a vovó’. A avó dele foi arrastada a 100 metros de distância, e ele foi encontrado a 100 quilômetros dali. Isso não foi um acidente”, declarou.

Gelvana Rodrigues. Reprodução/Revida Mariana

O desastre de Mariana (MG)

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem do Fundão reduziu parte do município mineiro de Mariana a um mar de lama tóxica, que arrastou ruas inteiras e produziu 19 mortes. Tratado como um “acidente” pela mídia liberal, a tragédia é vista como um crime ambiental sem precedentes pela comunidade local, ambientalistas e pesquisadores.

A barragem abrigava 56,6 milhões de m³ de lama de rejeito. Do total, vazaram 43,7 milhões de m³. Os rejeitos alcançaram os afluentes e o próprio Rio Doce, destruíram distritos inteiros e deixaram milhares de moradores da região sem água e sem trabalho.

O caso foi considerado, logo que ocorreu, o maior desastre ambiental do Brasil. Cerca de 30 dias após a tragédia foram retiradas nada menos do que 11 toneladas de peixes mortos, oito em Minas Gerais e três no Espírito Santo. Até hoje, ambos os estados ainda sentem os impactos ambientais.

Vinte e duas pessoas e quatro empresas ainda respondem na Justiça pelo desastre ambiental, sendo 21 delas por homicídio. De acordo com avaliação do Ministério Público Federal (MPF), não foram tomadas medidas para evitar a tragédia e as mortes. O resultado disso foi outra tragédia semelhante e ainda mais devastadora em 2019, no município de Brumadinho, na região Metropolitana de Belo Horizonte.

Entre as vítimas também estão indígenas do povo Krenak e ribeirinhos que choram às margens do Rio Doce, ‘assassinado’ pela lama tóxica, sem saber de onde irão tirar seu sustento ou acessar água potável. A morte do rio, inclusive, pode acarretar no fim das suas comunidades.

“As mineradoras só pensam no seu capital, no seu dinheiro”, declarou Maycon Krenak. Seu parente, Anderson Krenak, completou: “Nós sofremos muito com essa tragédia porque nosso povo tem uma relação muito grande com o Rio Doce”.

Maycon Krenak. Reprodução/Revida Mariana