*Escrito em parceria com Paulo Horta, professor da UFSC que coordena pesquisas relacionadas aos impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas e poluição dos oceanos, e que esteve na Cop 28.
Um estudo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, publicado na última semana em meio às discussões da Cop 28 faz um grave alerta: 5 importantes ambientes, que sustentam a estabilidade climática do planeta, estão colapsando e podem agravar rapidamente a crise climática. São eles o colapso dos corais de águas quentes, degelo da Antártida e da Groenlândia, derretimento da permafrost e mudanças na circulação do Atlântico Norte.
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O estudo (*1) tem a participação da pesquisadora brasileira Marina Hirota, professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina, que entrevistamos para mergulhar nas dimensões e significados do documento que deve orientar as decisões das nações em relação à necessidade humanitária de eliminarmos a mineração e a queima de combustíveis fósseis.
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“As conclusões do relatório fortalecem as evidências acumuladas nos últimos anos de que o comprometimento da Groenlândia, Antártica, áreas permanentemente congeladas, a permafrost, os recifes de corais tropicais e a grande circulação oceânica do Atlântico, estão chegando em um ponto de não retorno, um ponto de inflexão. Com o aquecimento de 1,5 graus, já experimentado em 2023, e que deve se consolidar nos próximos anos segundo análises publicadas por um grupo liderado pelo Dr. James Hansen (*2). Estes ambientes entrarão em um ciclo vicioso, onde seus colapsos alimentam as mudanças climáticas, o que acentua o comprometimento de seus funcionamentos. Assim como observado pela Dra Kaitlin A. Naughten (*3), uma vez acionados esses gatilhos, pode não haver retorno possível, conforme descrito pela pesquisadora britânica para a região oeste da Antártica”, explica a cientista.
Áreas congeladas deverão observar um processo de derretimento sem precedentes, o que resulta em elevação do nível do mar e liberação de gases estufa, intensificando as mudanças climáticas. O aquecimento das temperaturas do oceano deve intensificar o branqueamento e morte de corais, induzindo perda de biodiversidade em cadeia. A desaceleração de correntes oceânicas deve influenciar direta e indiretamente ondas de calor, secas, entre outras consequências das mudanças climáticas.
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O mais preocupante é que estes sistemas, de diferentes formas estão interconectados, e o comprometimento de cada um, interfere nos demais. E devemos lembrar que todos os outros 24 sistemas chaves em nosso planeta serão influenciados pelo comprometimento desses 5 primeiros, iniciando uma reação em cadeia que está acelerando processos relacionados a degradação da estabilidade climática da biosfera e adoecimento da humanidade.
Depois de anos sucessivos de perdas e danos inestimáveis para nossos ambientes, sociedade e economias, destacando-se as perdas de milhões de vidas, temos a clareza que estas transformações terão, em um futuro não muito distante, dimensões catastróficas. Editorial publicado em importante revista da área da saúde destaca 6,7 milhões de mortes excedentes relacionadas à queima de combustíveis fósseis(*4).
Considerando todo esse cenário de tragédias vividas e previstas, e que como a professora Marina Hirota destaca e que esse cenário “pode ser muito mais desastroso do que os modelos preveem”.
"O relatório termina reforçando que existem caminhos alternativos. Estas alternativas podem representar pontos de inflexão positivos que precisam ser priorizados urgentemente, com campanhas de democratização de acesso e subsídios para sejam aprimoradas e disseminadas. Atividades humanas compreendidas como parte de economias regenerativas, como a conservação de remanescentes naturais, restauração de ecossistemas, o saneamento de nossos territórios e produção de alimento de forma ecologicamente equilibrada, podem representar modelos de sociedades saudáveis, resistentes, resilientes e justas", avalia.
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Não existe mais espaço para inações, omissões ou decisões irresponsáveis relacionadas a expansão da exploração de petróleo no cenário atual. Pois, como reforça o título de outro documento que circula essa semana na COP28, o Relatório da Criosfera (*5), 2 graus (de aquecimento) é demais, e mantendo as coisas como estão seguimos em uma marcha fúnebre rumo a um aquecimento superior a 2,5º C.
Confira a seguir um breve resumo de cada ambiente ameaçado
Corais de águas quentes
Dos 26 pontos de inflexão apontados pelo estudo, 5 estão em uma situação considerada dramática. Um deles é a situação dos recifes de corais de águas quentes, ecossistemas altamente sensíveis a mudanças climáticas, em especial ao já registrado aumento de temperatura das águas marinhas. E a acidificação dos oceanos.
Tais corais, localizados próximos à linha do Equador, têm passado por diversos processos de branqueamento nos últimos anos. Nesse processo, expulsam as chamadas algas simbióticas, o que causa a mudança de cor.
De acordo com estudo da Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral (GCRMN), o mundo já perdeu desde 2009 14% dos seus recifes de coral. Os dados se referem a mais de 12 mil locais pesquisados em 73 países nos últimos 40 anos.
Circulação do Atlântico Norte
O clima global se ancora, entre outros, no chamada termohalina. Trata-se do processo que funciona como uma espécie de distribuidora de calor para o planeta, movida pelas diferenças de temperatura e salinidade dos mares entre as zonas equatoriais e polares.
Com o aquecimento dos mares, também as águas em zonas polares e temperadas têm registrado aumento de temperatura. De acordo com cientistas e pesquisadores, o Atlântico Norte passa por esse processo. Isso vai implicar, no médio prazo, na desaceleração da termohalina, o que pode alterar os padrões climáticos do planeta.
É importante destacar, nesse sentido, que 90% do calor do planeta está armazenado nos oceanos.
Isto posto, já existem estudos que apontam uma desaceleração de 15% no sistema de correntes atlânticas. As regiões mais afetadas estão no chamado Giro Subpolar do Atlântico Norte, que englobam as costas da Groenlândia, Labrador (Canadá) e os mares nórdicos.
A principal razão dessa mudança está na dessalinização das águas, em decorrência do derretimento dos gelos polares que ficam ali próximos. A única maneira de mitigar as mudanças na circulação do Atlântico Norte, segundo cientistas, é reduzindo a emissão de gases de efeito estufa.
Degelo da Groenlândia
Com o já consolidado aumento de temperatura das águas dos oceanos, as correntes atmosféricas e marinhas também ficam mais quentes. Quando chegam a áreas como a Groenlândia, que contam com enormes camadas de gelo na costa e permafrost, contribuem com seu derretimento.
De acordo com os cientistas, se o manto de gelo da Groenlândia derreter, além do óbvio aumento do nível do mar, as mudanças na circulação oceânica podem chegar com força na zona do Atlântico Meridional, intensificando o fenômeno do El Niño.
Neste ano de 2023 a Groenlândia perdeu gelo pelo 27º ano consecutivo. Também lá o clima não está “normal”. Muito desse derretimento se deveu a chuvas acima da expectativa. E uma vez derretido, é impossível reconstituir o manto de gelo.
Degelo da Antártida
No caso da Antártida, apesar de ser uma situação parecida com a da Groenlândia, é importante destacar os números do continente gelado (um pouco menos gelado, é verdade). 2023 marcou a menor extensão de gelo marinho antártico desde 1978 quando começaram as medições via satélite.
As causas e consequências são as mesmas: aumento da temperatura dos oceanos e correntes, elevação do nível dos oceanos e mudanças na circulação marinha que devem alterar o clima de todo o planeta.
Derretimento da permafrost
Por fim, a permafrost do Ártico. Esse solo específico, congelado, que cobre mais de 23 milhões de quilômetros quadrados em todo o mundo e que fica abaixo da superfície.
Segundo estudos recentes, a permafrost armazena 1700 bilhões de toneladas de carbono. Caso descongele, para além das mudanças locais no solo, também poderá liberar gases de efeito estufa em níveis avassaladores. E as camadas da permafrost já estão derretendo. Nos últimos 30 anos, apresentaram um aumento médio de temperatura entre 1,5 e 2,5 graus Celsius.
Referências – para aprofundar a leitura
1. T. M. Lenton, D.I. Armstrong McKay, S. Loriani, J.F. Abrams, S.J. Lade, J.F. Donges, M. Milkoreit, T. Powell, S.R. Smith, C. Zimm, J.E. Buxton, E. Bailey, L. Laybourn, A. Ghadiali, J.G. Dyke (eds), 2023, The Global Tipping Points Report 2023. University of Exeter, Exeter, UK.
2. Hansen, J et al. (2023). Global warming in the pipeline. Oxford Open Climate Change, 3(1), kgad008.
3. Naughten, K. et al. (2023). Unavoidable future increase in West Antarctic ice-shelf melting over the twenty-first century, Nature Climate Change, Volume 13: 1222–1228.
4. Lehtomäki, H., Rao, S., & Hänninen, O. (2023). Phasing out fossil fuels would save millions of lives worldwide. bmj, 383.
5. ICCI, 2023. State of the Cryosphere 2023 – Two Degrees is Too High. International Cryosphere Climate Initiative (ICCI), Stockholm, Sweden. 62 pp.16