Estamos em dezembro e o Pantanal tem um último foco de calor remanescente. Este ano já foram perdidas para as chamas um milhão e trezentos e quarenta e seis mil e setecentos e cinquenta hectares, isso mesmo, 1.346.750 ha, conforme revelado pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estes números só são inferiores ao que se queimou no referido bioma de 2019 a 2021, quando os valores variam de 1,5 a 3,7 milhões de ha.
Entre as áreas mais afetadas este ano temos o Parque Nacional (Parna) do Pantanal Matogrossense, que viu queimar mais de 1/3 de seu território, que é morada de biodiversidade exuberante. A seca prolongada, as temperaturas recordes e ventos fortes dificultaram os trabalhos das três centenas servidores federais que atuaram no bioma com o apoio de aeronaves e embarcações para combater os incêndios.
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Neste contexto é abundante a discussão sobre as causas dessa tragédia que mais uma vez se repete. Sobram nas redes sociais aqueles que colocam a culpa nos raios. Olhando para essa questão o grupo liderado pela Renata Libonati, do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, caracterizou o padrão destes fenômenos atmosféricos sobre o Pantanal. Os pesquisadores verificaram que os incêndios causados pelos seres humanos representaram 83,8% dos casos, e apenas 16,2% do total teriam sido de causadas naturais (1). Os autores destacaram que os maiores incêndios, aqueles com extensão superior a 1000 ha, estavam relacionados a ações humanas.
Portanto, além de bem equipadas, treinadas e valorizadas equipes de brigadistas, temos urgência de promover campanhas educativas permanentes, fortalecimento da educação ambiental no ensino formal, assim como uma fiscalização preventiva. Considerando as consequências trágicas dos incêndios vividos não só no Pantanal, mas também no Cerrado, na Amazônia, assim como em outros biomas, é fundamental que estes sejam investigados e os julgamentos os considerem na lógica da recém aprovada, na comissão de Meio Ambiente do Senado, Lei do Ecocídio.
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Devemos lembrar que no Brasil já havíamos perdido cerca de 9 milhões de ha, como divulgado pelo MapBiomas. Deste valor 49,6% haviam sido registrados na Amazônia, e 44,6% no Cerrado. Só em setembro queimaram 4 milhões de hectares, tragédia potencializada pelas elevadas temperaturas e seca histórica resultado da aceleração das mudanças climáticas.
Os históricos de emissões de CO2 recordes durante esse período de registros, que intensificam o efeito estufa, reforçam a vulnerabilidade de um país que ainda não conta com ações preventivas efetivas. E nesse contexto de mudanças climáticas se retroalimentarem é fundamental lembrarmos que eventos atmosféricos que podem iniciar incêndios florestais sejam considerados na gestão de nossos territórios.
Pois mesmo que possamos avançar na educação, fiscalização e punição de criminosos, ainda assim careceremos de brigadas equipadas e treinadas para o enfrentamento dos eventos de origem natural, que representam cerca de 16% dos casos incêndios no Pantanal. Para além das secas e das elevadas temperaturas, as mudanças climáticas e o aquecimento do planeta interferem na frequência de descargas elétricas atmosféricas capazes de causar incêndios. Os temidos raios estão aumentando em cerca de 10% para cada grau de aumento na temperatura do ar do nosso planeta. Estudo recente reforça a relação dos raios com as mudanças climáticas e suas consequências perversas. Os autores destacaram que raios capazes de causar incêndio devem aumentar sua frequência global em 41% considerando cenário realista de emissão até o final do século (2).
Fica claro que as mudanças climáticas resultam em uma combinação de transformações atmosféricas, que, dada a atual inação de governos e empresas, resultarão em realidades altamente inflamáveis, que podem incinerar biodiversidade, sociedades e economias, agravando a crise climática e suas consequências socioambientais e econômicas. Essa retroalimentação positiva perversa precisa ser interrompida com compromissos e ações ambiciosas de todas as nações, mas especialmente do Brasil, que precisam iniciar já.
Hoje existem elementos para acreditarmos que boa parte do fogo nos biomas brasileiros foram iniciados por ações humanas. Nossa insistência em uma economia fóssil nos coloca, a todos, na posição de incendiários. Nossas omissões nos fazem criminosos, responsáveis hoje por parte dos incêndios no Pantanal, por exemplo. Fazendo uma extrapolação do estudo dos colegas da UFRJ, estamos falando que hoje somos responsáveis pela destruição de 50 mil ha, ou cerca de 50 mil campos de futebol (16 % da área queimada). E, nos próximos anos, devemos observar reincidências que poderão dobrar esse valor nas próximas décadas, transformando esse em um crime hediondo com o agravante de termos ciência dele. Agora não somos mais réus primários.
Não combateremos a escalada das queimadas em nossos biomas apenas educando e punindo, teremos que fazer a transição ecológica. Não podemos ficar alheios a estes fatos. Não nos faltam informações. Talvez estejamos carecendo de compromisso ético e moral. Está nos faltando vergonha na cara.
A queimada no pantanal mais uma vez acende o alerta. Novamente. Esperamos o antiprêmio fóssil, e as fortes e contundentes críticas por estarmos aderindo como observadores da OPEP+ tenham sido suficientes para revermos o leilão de novas áreas para a exploração óleo e gás, agendado para o próximo dia 13 de dezembro. É hora de fazermos a transição ecológica e eliminarmos gradualmente a exploração de combustíveis fósseis. Que esse próximo dia 13, seja um dia memorável, sem leilão. Que possamos comemorar o começo do fim da era fóssil. Talvez por acaso, 13 é o número do objetivo de desenvolvimento sustentável que trata das ações para o enfrentamento da crise climática.
Para aprofundar a leitura
1. Menezes, L. S., de Oliveira, A. M., Santos, F. L., Russo, A., de Souza, R. A., Roque, F. O., & Libonati, R. (2022). Lightning patterns in the Pantanal: Untangling natural and anthropogenic-induced wildfires. Science of the Total Environment, 820, 153021.
2. Pérez-Invernón, F. J., Gordillo-Vázquez, F. J., Huntrieser, H., & Jöckel, P. (2023). Variation of lightning-ignited wildfire patterns under climate change. Nature communications, 14(1), 739.
* Paulo Horta é doutor em ciências biológicas pela USP e pós-doutor em ecologia marinha pela Plymouth University (Reino Unido). Atualmente é professor da UFSC, onde coordena pesquisas relacionadas aos impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas e poluição dos oceanos