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Este foi o Conclave mais dramático (e longo) da história

Com um total de 34 meses de duração, a eleição papal mais dramática e longa da história foi também aquela que prenunciou algumas das regras mais clássicas do Conclave

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Mestranda em Ciência Política e bacharel em Relações Econômicas Internacionais pela UFMG, já foi treinee de Ciência e Saúde da Folha de S. Paulo e escreve sobre Ciência e Tecnologia para a Revista Fórum. Tem interesse por temas de geopolítica e economia internacional.
Este foi o Conclave mais dramático (e longo) da história
Pope Pius VII in the Sistine Chapel. FineArt / Divulgação

Em 1268, após a morte do Papa Clemente IV, iniciava-se um dos processos de eleição papal mais longos da história da Igreja Católica.

A eleição papal mais dramática foi também aquela que prenunciou algumas das regras mais clássicas do Conclave, o processo que reúne um grupo de altos sacerdotes da Igreja Católica para, juntos, decidirem seu sucessor.

A eleição do século XIII durou tanto tempo — um total de 34 meses — que três dos vinte cardeais encarregados de votar faleceram no decorrer do processo.

De acordo com fontes históricas, como os Annales Placentini Gibellini (Anais Gibelinos de Piacenza), uma crônica latina escrita entre 1154 e 1284, a demora para a escolha de um sucessor de Clemente IV se deveu aos embates políticos internos entre os cardeais: de um lado, os cardeais franceses — em sua maioria nomeados pelo Papa Urbano IV —, ligados à dinastia de Anjou e favoráveis a Carlos de Anjou (rei da Sicília e de Nápoles); de outro, cardeais italianos que resistiam à influência francesa e ao domínio da Casa de Anjou.

Carlos I de Anjou, irmão de Luís IX, havia sido coroado rei de Nápoles e da Sicília por Clemente IV, estabelecendo uma aliança direta entre o papa e a monarquia francesa, o que intensificou a presença militar e política dos franceses na Itália, para a insatisfação dos italianos.

O conflito de interesses internos no Colégio dos Cardeais levou a um impasse: os cardeais alinhados à França não tinham votos suficientes para eleger um aliado, enquanto os italianos, mesmo em menor número, conseguiam barrar qualquer candidato indicado pelos franceses.

O processo eleitoral, que ainda não seguia todas as regras hoje conhecidas do Conclave (como a necessidade de isolamento completo), foi iniciado com um voto por dia na Catedral de Viterbo — província conhecida como "a cidade dos Papas", a 80 quilômetros de Roma, onde faleceu Clemente IV.

Após dois meses de votações, os cardeais elegeram Filippo Benizzi de Damiani, um membro da Ordem dos Servos de Maria, que havia comparecido a Viterbo para discursar. No entanto, Filippo recusou a nomeação e fugiu para se refugiar.

Ao final de 1269, os cardeais se reuniam de forma intermitente e, diante da dificuldade de alcançar um veredito, o processo foi considerado estagnado. Foi então que Ranieri Gatti, prefeito de Viterbo, ordenou que os cardeais fossem sequestrados e levados à força ao Palácio Papal até que chegassem a um consenso sobre o sucessor de Clemente.

Um ano depois, em 1270, uma carta foi enviada pelos cardeais em isolamento solicitando a liberação do cardeal-bispo de Óstia-Velletri, Enrico Bartolomei de Susa, que, com a saúde debilitada, renunciava ao seu direito de voto.

Era tão desafiador alcançar o consenso que, em certo ponto do processo, um cardeal sugeriu que o teto do Palácio Papal fosse removido para que o Espírito Santo pudesse descer diretamente sobre os eleitores e influenciar a decisão.

Em setembro de 1271, o rei Felipe III da França visitou Viterbo, a fim de pressionar pelo avanço do processo. Carlos de Anjou já estava presente na província durante todo o período.

Diante do impasse e pressionados pela presença das autoridades, os cardeais concordaram em ceder sua autoridade de escolha a um comitê formado por apenas seis de seus membros, representando diferentes alinhamentos — mas sem a presença de quaisquer angevinos.

Isso permitiu a eleição de um papa italiano, natural de Piacenza: Tebaldo Visconti, que nem sequer era cardeal e se encontrava, à época, acompanhando a comitiva do primogênito do rei Henrique III, na Inglaterra, durante os esforços da Nona Cruzada.

Ao ser informado de sua eleição, Visconti partiu para Viterbo, onde chegou em fevereiro de 1272, e assumiu para si o nome papal de Gregório X.

Por ocasião desse longo processo de eleição, que durou quase três anos, regras mais estritas foram criadas e promulgadas pelo Segundo Concílio de Lyon, como a necessidade de isolamento completo (inclusive para a entrega de comida, que deveria ser feita por uma pequena abertura na porta) e a suspensão total dos pagamentos — os cardeais deixariam de receber seus honorários até o fim do Conclave.

Apesar disso, essas regras não foram seguidas por muito tempo após sua promulgação, e chegaram a ser, inclusive, revogadas pouco tempo depois, durante a eleição papal de 1276.

Outras eleições longas e dramáticas ocorreriam após 1272, como a de Celestino V, em 1292, que se estendeu por dois anos e três meses.

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