A bela ilha do Mediterrâneo que já pertenceu a 12 impérios e hoje é dividida em dois territórios
Sua localização estratégica, entre Europa, Ásia e África, tornou-a um território de disputa ao longo de séculos; hoje, continua a refletir as divisões territoriais e instabilidades políticas de sua formação
Uma ilha mediterrânea rodeada por um mar azul cristalino e repleta de sítios arqueológicos que remontam ao Neolítico e a diferentes incorporações de civilizações clássicas, como a grega, guarda ainda hoje uma divisão de jurisdição interna que a transforma em três territórios distintos: a Ilha de Chipre, ao sul da Turquia e a leste do Mediterrâneo, tem uma longa história de indefinições políticas.
Apesar de ser parte da União Europeia, a ilha está localizada no Mediterrâneo Oriental. É justamente sua localização estratégica (um ponto de passagem entre Europa, Ásia e África) que a torna um território de disputa, e foi o que definiu sua múltipla ocupação ao longo dos séculos, sob o domínio de 11 impérios e a influência de um. Cada um deles deixou marcas (arquitetônicas, culturais e políticas) na sua formação.
A história da sucessão de poderes orientais e ocidentais sobre a ilha começa ainda na Antiguidade Clássica.
Entre os séculos VIII e VI a.C., Chipre foi habitada por fenícios e micênicos. Os fenícios, originários do território que hoje é o Líbano, eram mestres da navegação e do comércio, e dominaram o Mediterrâneo entre 1200 e 300 a.C. Em Chipre, estabeleceram feitorias em pontos estratégicos.
Já os micênicos, uma civilização indo-europeia da Idade do Bronze (1600–1100 a.C.), também estabeleceram na ilha colônias e rotas comerciais, nas quais praticavam técnicas avançadas de metalurgia e cerâmica. Enquanto os fenícios ligavam Chipre ao mundo oriental, os micênicos a conectavam à civilização grega. Os "reinos das cidades cipriotas", como eram chamadas as ocupações de culturas distintas na ilha (Salamina, Kition e Pafos eram alguns deles), cresceram em complexidade ao longo do tempo, até a chegada dos assírios, no fim do século VIII a.C.

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Entre 708 e 669 a.C., o Império Neoassírio, sob o domínio de Sargão II, estendeu uma espécie de controle indireto sobre o território da ilha após ser bem-sucedido em suas campanhas militares no Levante. Apesar disso, não tomou a ilha por completo, mas apenas exigiu o pagamento de tributos dos reinos cipriotas, que continuavam a ter autonomia sobre seus territórios.
No século VII a.C., então, a ilha foi conquistada — desta vez com perda de autonomia — pelo faraó Amásis II, que governou o Egito entre 570 e 526 a.C. (da vigésima sexta dinastia).
O domínio egípcio foi total e integrou a Ilha de Chipre como território marítimo. Governadores instalados localmente supervisionavam a produção de matérias-primas estratégicas, como o cobre, usado pelos egípcios para a produção de ferramentas agrícolas, armas e na arquitetura.
Em 545 a.C., no entanto, a interrupção do domínio egípcio no território veio com sua tomada pelos persas, que derrotaram o Egito na Batalha de Pelusa, travada entre o já fragilizado faraó Psamético III — num momento em que o Egito lutava contra a Babilônia e tentava conter revoltas internas em seu território — e o Império Aquemênida de Cambises II, filho de Ciro, o Grande, que buscava expandir seu império em direção ao Egito. A batalha por Pelusa era também uma disputa pelo acesso ao Egito pelo leste.
Com a vitória de Cambises II na batalha, Chipre passou ao domínio persa, adentrando o período clássico (entre 545 a.C. e 395 d.C.). O governo persa foi estabelecido com um sistema de vassalagem sobre os reinos cipriotas, que mantinham suas lideranças locais, mas eram leais ao Grande Rei persa. A ilha também enviava à Pérsia cobre — seu recurso mais precioso — e madeira.
O período não foi sem tentativas de se esquivar do poder persa: em 499 a.C., explodiram as Revoltas Jônicas, rebeliões de cidades gregas da Jônia, na costa turca, contra os persas, das quais Chipre participou ativamente. A ilha se uniu à revolta dos gregos e, durante a Batalha de Salamina, que opôs cipriotas e persas em 498 a.C. (os primeiros liderados por Onésilo de Salamina), recebeu auxílio de Atenas e Erétria, que enviaram navios para apoiar os rebeldes. Os gregos e cipriotas não saíram vitoriosos, entretanto, e a revolta foi contida com a traição do rei de Soloi, que entregou informações privilegiadas aos persas. A resistência cipriota terminou com a morte de Onésilo em combate.
No período helenístico, entre 332 e 323 a.C., Chipre passou ao domínio de Alexandre, o Grande, que derrotou os persas na Batalha de Isso. Os cipriotas apoiaram os esforços de Alexandre contra a Pérsia, fornecendo 120 navios para ajudá-lo na conquista de Tiro, uma cidade fenícia fortificada que resistia ao controle dos macedônios. Essa ajuda foi crucial para a vitória e determinou a integração de Chipre ao império de Alexandre, que a transformou em base naval para suas campanhas sobre o Egito e a Mesopotâmia.

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Esse período envolveu, além disso, transformações profundas nas bases culturais da ilha, sob a influência de elementos helenísticos e greco-macedônicos. O grego koiné tornou-se sua língua oficial (em substituição aos dialetos locais e ao fenício), e deuses gregos (como Zeus e Afrodite) foram incorporados de maneira sincrética à sua religiosidade.
Até hoje, antigos teatros e templos de estilo grego permanecem como sítios da cultura clássica em Chipre, como o santuário de Afrodite em Palepafos, hoje um sítio arqueológico tornado Patrimônio Mundial da UNESCO.

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Após a morte de Alexandre, em 323 a.C., Chipre entrou em novo período de disputas. Além das lideranças locais deixadas pelo domínio alexandrino, os diádocos — generais que lutavam entre si pelo controle do vasto império deixado por ele — envolveram a ilha em suas contendas.
E foi para os egípcios que ela retornou: em 294 a.C., Ptolemeu X Alexandre I, filho de Cleópatra III, que governou entre 305 e 285 a.C., conquistou a ilha e iniciou um domínio que duraria mais de 200 anos.
A partir de então, a ilha passou a ser governada por um estratego, general indicado pelo faraó, e Pafos tornou-se seu centro administrativo. A exploração de cobre e madeira para abastecer o Egito prosseguiu, somando-se à produção de vinho, azeite e cerâmica, exportados ao Mediterrâneo.
Outras revoltas vieram, como a de 312 a.C., quando um dos reis de Chipre, Nicocreonte de Salamina, levantou-se contra o domínio de Ptolemeu (mas acabou derrotado).
Disputas territoriais pelo controle de Chipre seguiram ao longo dos séculos III e II a.C., principalmente entre Ptolomeus e Selêucidas; mas, em 58 a.C., a ilha foi anexada por Roma e adicionada à sua província de Cilícia, ao sul da Anatólia.
Em 22 a.C., o imperador romano Augusto a tornou uma província senatorial separada, e enviou um procônsul para governá-la. O porto de Pafos virou, em Chipre, um centro de intermediação comercial para Roma no Oriente, e a ilha ganhou construções típicas do período romano, como estradas, aquedutos e teatros (como o Teatro de Kourion).

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Entre 45 e 49 d.C., além disso, após receber uma visita de São Paulo, que conseguiu converter o procônsul romano da ilha ao cristianismo, o Chipre se tornou um dos primeiros territórios cristianizados de Roma. O episódio é descrito na Bíblia, no livro de Atos, versículos 13:4-12.

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No século III, uma crise — causada sobretudo por invasões de piratas e vários terremotos que assolaram a região à época — levou a uma nova transição de poder; e, no ano 395 d.C., a ilha passou ao domínio do Império Bizantino (sob o qual permaneceu até 1191).
Sob os bizantinos, Chipre era governada por um estratego, general encarregado por Constantinopla. Os ataques árabes à região começaram por volta de 659, e, em 688, Chipre tornou-se um domínio bizantino-árabe, que pagava impostos a ambos os impérios.
Só em 965 a ilha foi restaurada ao controle total do Império Bizantino, sob o imperador Nicéforo II Focas.
Depois, com o advento das Cruzadas, Chipre foi conquistada por Ricardo Coração de Leão em 1191 e vendida aos Templários católicos, que a entregaram à dinastia de Gui de Lusignan.
A ilha foi reconfigurada sob um sistema feudal de nobreza composta por francos, enquanto os gregos ortodoxos tornaram-se seus vassalos. A arquitetura cipriota passou a incorporar o estilo de mais esse domínio, num sincretismo entre a tradição greco-helenística e a arquitetura medieval e gótica europeia.
A queda da dinastia ocorreu em 1489, quando a última rainha de Chipre, Catarina Cornaro, cedeu o domínio do território — de maneira forçada — a Veneza, cujo comércio em ascensão se beneficiava da rota mediterrânea.

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Em 1571, após um cerco de 11 meses, o domínio veneziano foi contestado pelo Império Otomano, que tomou a ilha, iniciando um longo período de domínio otomano, encerrado apenas em 1878, com a tomada pelos britânicos na instauração do Tratado de Berlim.

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A independência territorial de Chipre ocorreu em 1960, embora não tenha eliminado as tensões internas entre as influências grega e turca da região, nem encerrado as disputas pelo controle da ilha.
Em 1974, o governo independente do Chipre sofreu um golpe de governistas pró-Grécia, o que levou à invasão pelos turcos e à divisão atual da ilha, hoje formada pela República de Chipre ao sul (de origem grega e membro da União Europeia), pela República Turca de Chipre do Norte (sem reconhecimento internacional) e por uma zona de interferência das Nações Unidas, transformada em área neutra (Buffer Zone), que se estende por 180 km entre o norte e o sul (cerca de 3% do território total) e separa as disputas territoriais internas.