Em um estudo divulgado pela revista Scavi di Pompei, dedicada à produção científica acerca dos sítios arqueológicos da cidade romana destruída pela erupção do Vesúvio em 79 d.C., pesquisadores da Universidade de Valência, da Universidade de Barcelona e da Universidade de Zaragoza contam a descoberta de duas estátuas em tamanho natural escavadas em um sítio funerário próximo à área de Porta Sarno.
Em julho de 2024, conta a pesquisa, o projeto "Investigando a arqueologia da morte em Pompeia" escavou dois sítios distintos em áreas de enterro de Porta Nola e Porta Sarno, no noroeste e no sudeste de Pompeia, respectivamente.
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As escavações do ano passado seguiam os traços deixados pelas primeiras realizadas na região, que datam de 1998 e foram responsáveis por catalogar mais de 50 sepulturas marcadas por estelas funerárias de pedra, em forma de colunas curtas e arredondadas, que delineavam o local de enterro com um muro.
Os túmulos foram datados do período republicano de Roma, um achado raro em Pompeia.
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Seguindo a pequena porção de uma parede já descoberta durante os anos 1999, que havia sido marcada no sítio arqueológico, os pesquisadores avançaram e encontraram uma estrutura funerária a encarar uma fachada com "diversos nichos para enterros de cremação", cada um deles marcado com uma estela.
Ali, eles descobriram a ponta de uma "cabeça esculpida sistematicamente, com cabelo preso num coque", que indicava a presença de um enterro feminino.
Após escavar a parede a formar a estrutura dos nichos dedicados às sepulturas, os pesquisadores descobriram que a cabeça fazia parte da representação, em tamanho real, de um casal de estátuas unidas para guardar o local de enterro.
"A pedra-pomes [fragmentos de rocha vulcânica formada por ejeções de lava] que enterrava o túmulo confirma que a metade sul desmoronou como resultado dos terremotos anteriores à erupção do Vesúvio", narra o estudo, "e que a estrutura estava de pé antes da erupção".
A cabeça da estátua feminina havia sido separada do corpo no nível do queixo devido à ação das cinzas que emanavam da explosão, e a "queda" de um fragmento decorativo que coroava o túmulo fornece as evidências para seu possível desmoronamento, ocorrido após o terremoto causado pela erupção que dizimou Pompeia.
Em frente à fachada do túmulo, as escavações revelaram "inúmeros restos de cerâmica", a maioria deles fragmentos que compunham vasos finos e jarras de unguento, que indicam visitas contínuas ao local do enterro ao longo dos anos. Além disso, a presença de jarras com unguento parece indicar uma cerimônia final do ritual de enterro romano: o derramamento de óleos perfumados sobre os ossos, antes do fechamento da urna, a fim de tornar o enterro num 'locus religioso'.
As figuras esculpidas do casal aparentam ter sido produzidas separadamente, conta a pesquisa, mas foram unidas para que parecessem formar uma única escultura.
Elas mostram um jovem casal abastado, provavelmente de alto status e linhagem nobre. O entalhe das mãos, dedos e unhas é "cuidadoso", assim como as dobras das túnicas e os ornamentos — entre eles, anéis, pulseiras e colares.
A estátua do marido mede 2,06 metros de altura, e a da mulher, 1,75 metro.
"A análise visual da peça mostra que ele é um cidadão romano, que se distingue por usar uma toga sobre o ombro esquerdo". A estátua masculina tem a mão apoiada contra a coxa, e segura o peito com a mão direita. Para os pesquisadores, é "o arranjo peculiar das dobras frontais que dá à toga romana seu caráter único".
A toga, uma vestimenta romana típica, identifica o homem representado como alguém de alta classe. Já sua esposa está coberta por uma túnica no modelo iconográfico das esculturas Pudicitia, típicas do estilo helenístico do final do período republicano de Roma, que retratam mulheres com "modéstia e recato", adornadas por vestes fluidas e túnicas ou véus, de acordo com o ideal romano da Afrodite Púdica seguido pelas matronas da elite.
"A túnica cai abaixo do manto, com pregas verticais, até cobrir os sapatos fechados onde apenas o dedo do pé é visível", descrevem os pesquisadores.
Além disso, ela carrega muitos ornamentos, como as pulseiras e anéis da mão direita, que carrega junto ao ombro, e um anel no dedo anelar a indicar seu status de casamento. Também tem brincos e usa pingentes de ânfora no colar, bem como uma 'lúnula', o símbolo da lua crescente, amuleto conhecido por "afastar as forças do mal, usado pelas mulheres desde o nascimento até o casamento".
Por fim, um outro traço a revelar sua origem nobre é o fato de, à frente de seu corpo, na altura do abdômen, a mulher segurar um aspergillum de folhas de louro — um pequeno recipiente romano perfurado com uma alça, que carrega um louro ou um ramo de oliveira, e é usado por sacerdotes e sacerdotisas para a purificação de ambientes e a queima de incensos e ervas aromáticas.
"Já que as mulheres na sociedade romana eram comumente relegadas à esfera doméstica e às tarefas das 'matronas' romanas, ser uma sacerdotisa era a mais alta posição social à qual uma mulher podia aspirar", conclui o estudo. "As sacerdotisas tinham um papel importante na esfera pública".
A presença do amuleto em formato de lua crescente e do objeto de consagração na mão da estátua feminina indica que talvez pudesse se tratar de uma sacerdotisa da Deusa Ceres, que, na religião romana, carregava uma conexão simbólica com a lua, o crescimento das colheitas e a fertilidade.
"As sacerdotisas de Ceres eram as únicas sacerdotisas públicas da sociedade romana, no sentido de que representavam toda a comunidade e recebiam apoio e fundos públicos tanto dos decuriões [membros da elite municipal no Império Romano, responsáveis pela administração local das cidades] quanto do governo imperial".