CHINA EM FOCO

China reforça controle sobre precursores do fentanil e acusa EUA de politizar crise das drogas

Medida entra em vigor em julho e faz parte da rígida política antidrogas chinesa, que mistura repressão penal, vigilância comunitária e controle químico

Medida entra em vigor em julho e faz parte da rígida política antidrogas chinesa, que mistura repressão penal, vigilância comunitária e controle químico
China reforça controle sobre precursores do fentanil e acusa EUA de politizar crise das drogas.Medida entra em vigor em julho e faz parte da rígida política antidrogas chinesa, que mistura repressão penal, vigilância comunitária e controle químicoCréditos: Freepick
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A China anunciou o endurecimento do controle sobre dois produtos químicos amplamente utilizados na produção de fentanil. A medida, que entra em vigor no próximo dia 20 de julho, atinge especificamente a 4-piperidona e a 1-boc-4-piperidona, precursores essenciais na síntese da droga sintética.

O reforço regulatório foi formalizado por meio de um comunicado conjunto da Comissão Nacional de Controle de Narcóticos, do Ministério da Segurança Pública e da Administração Geral das Alfândegas. A decisão, fundamentada no artigo 350 do Código Penal chinês, também proíbe a produção, transporte ou comercialização de substâncias como anidrido acético, éter etílico e clorofórmio — todos insumos comuns na fabricação de entorpecentes.

Durante a coletiva de imprensa regular do Ministério das Relações Exteriores da China, realizada nesta terça-feira (24), o porta-voz Guo Jiakun afirmou que a nova medida cumpre os compromissos internacionais assumidos pelo país como signatário das convenções da ONU sobre controle de entorpecentes.

Segundo ele, trata-se de uma ação voluntária que reafirma o “comprometimento da China com a governança global antidrogas” e evidencia “seu senso de responsabilidade como um grande país”.

Às vésperas do Dia Internacional contra as Drogas

O anúncio ocorre poucos dias antes do Dia Internacional contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas, celebrado em 26 de junho. Guo destacou que a China conta com uma das legislações antidrogas mais duras do mundo, com aplicação rigorosa e abrangente, e que o país não enfrenta problemas de abuso de fentanil em seu território.

Além disso, o porta-voz afirmou que a China tem sido ativa nas parcerias internacionais para o combate ao narcotráfico. No entanto, reiterou críticas aos Estados Unidos, país que frequentemente acusa Pequim de contribuir para a epidemia de opioides ao permitir a exportação de precursores químicos.

“Temos reiterado que o fentanil é um problema dos EUA, não da China. Cabe aos EUA resolver essa questão”, declarou.

Guo denunciou a imposição de tarifas pelos EUA sobre produtos chineses sob o pretexto de combater o fentanil, classificando a medida como injustificada e prejudicial ao diálogo bilateral. Para ele, se Washington realmente deseja cooperar, deve “encarar os fatos com objetividade, corrigir seus erros e buscar o diálogo com base na igualdade, respeito mútuo e benefício recíproco”.

A estratégia antidrogas chinesa: repressão, controle e vigilância

A nova diretriz se insere em um conjunto mais amplo de ações que caracterizam a política antidrogas da China. O país adota uma abordagem de tolerância zero, ancorada em três frentes principais: repressão penal severa, controle rigoroso de precursores químicos e prevenção comunitária ativa.

1. Penas extremas para traficantes e usuários

A legislação chinesa prevê prisão perpétua e até pena de morte para crimes relacionados ao tráfico de drogas, especialmente nos casos que envolvem substâncias como heroína, metanfetamina ou fentanil. Mesmo usuários em posse de pequenas quantidades podem ser submetidos a detenção administrativa de até dois anos, internação compulsória e monitoramento por autoridades locais.

2. Regulação intensa da cadeia química

Dada a dimensão de sua indústria química, a China mantém uma lista extensa de substâncias controladas. Empresas que lidam com esses insumos precisam de licenciamento especial e estão sujeitas a auditorias constantes. O reforço no controle sobre a 4-piperidona e a 1-boc-4-piperidona em 2025 foi apresentado como uma resposta proativa da China às convenções da ONU, embora tenha sido lido por analistas como reação indireta à pressão dos EUA.

3. Campanhas públicas e educação nas escolas

No dia 26 de junho, escolas, empresas e órgãos públicos organizam atividades educativas em todo o país. A educação antidrogas é parte obrigatória do currículo nacional, reforçando a ideia de que os entorpecentes são uma ameaça à estabilidade social e à saúde pública.

4. Monitoramento e delação como política pública

A política de prevenção também envolve o monitoramento da população e o incentivo à delação anônima. Em muitas cidades, há equipes comunitárias encarregadas de vigiar comportamentos considerados suspeitos. Pessoas que passaram por reabilitação permanecem sob vigilância e podem enfrentar restrições de acesso a empregos e serviços públicos.

Conflito com os EUA: o fentanil como ponto de tensão

Apesar dos esforços internos, a política chinesa de controle de drogas tem gerado atritos com Washington. Os Estados Unidos alegam que os precursores exportados por Pequim alimentam o tráfico de fentanil por cartéis mexicanos. A China, por sua vez, responsabiliza a demanda estadunidense pela crise e acusa os EUA de usarem o tema para justificar tarifas protecionistas.

O governo chinês insiste que já adotou todas as medidas exigidas pelos tratados internacionais e que não deve ser responsabilizado por uma epidemia que tem raízes estruturais no sistema de saúde e na indústria farmacêutica dos EUA.

O que é o fentanil e como ele se tornou o centro da crise dos opioides nos EUA

O fentanil é um opioide sintético extremamente potente, desenvolvido originalmente para uso médico como analgésico em casos de dor intensa, como em pacientes com câncer ou cirurgias graves. Ele é até 50 vezes mais forte que a heroína e 100 vezes mais potente que a morfina. Em contextos hospitalares, é seguro e eficaz — mas quando produzido e distribuído ilegalmente, torna-se altamente letal.

Desde meados dos anos 2010, o fentanil passou a ser amplamente utilizado por traficantes como substituto ou mistura de outras drogas, como heroína e cocaína, por ser mais barato e fácil de fabricar em laboratório. Pequenas quantidades — menos de dois miligramas — já são suficientes para causar uma overdose fatal.

Esse uso ilegal do fentanil está no centro da chamada crise dos opioides nos Estados Unidos, uma epidemia de dependência e mortes causada, inicialmente, pelo uso excessivo de analgésicos prescritos à base de opioides. A crise começou nos anos 1990 com a promoção agressiva de medicamentos como o OxyContin, mas evoluiu para o consumo de heroína e, mais recentemente, para o fentanil sintético.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), mais de 110 mil pessoas morreram por overdose nos EUA apenas em 2023, sendo o fentanil responsável por mais de dois terços desses casos. A substância é frequentemente produzida por laboratórios ilegais, com precursores químicos vindos da China e, em muitos casos, processados por cartéis no México.

Washington tem pressionado Pequim a impor restrições mais rígidas sobre esses produtos químicos. A China, por sua vez, afirma que o problema está no consumo norte-americano e que já tomou medidas para controlar os precursores.

A crise dos opioides é hoje considerada uma emergência nacional de saúde pública nos Estados Unidos, com impactos devastadores sobre comunidades, sistemas de saúde, economia e segurança.

 

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