CHINA EM FOCO

Estreito de Ormuz: como a China e o petróleo são afetados pela tensão no Golfo

Possibilidade de fechamento da principal rota comercial do Oriente Médio pode comprometer até 16% das importações chinesas

Fechamento do Estreito de Ormuz pode comprometer até 16% das importações chinesas. Supertanque transporta petróleo bruto para a China.
Tensão no Golfo põe em risco fornecimento de petróleo à China.Fechamento do Estreito de Ormuz pode comprometer até 16% das importações chinesas. Supertanque transporta petróleo bruto para a China.Créditos: CGTN
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A intensificação do conflito entre Irã e Israel — agravada pelos recentes ataques dos Estados Unidos — acendeu um alerta global sobre o risco de bloqueio de uma das rotas mais estratégicas do comércio internacional: o Estreito de Ormuz.

Responsável por uma parcela expressiva do tráfego mundial de petróleo, a passagem é fundamental para o abastecimento energético da China. Estima-se que cerca de 16% do petróleo importado pelo país asiático venha do Irã, o que torna qualquer interrupção na rota uma ameaça direta à segurança energética chinesa e à estabilidade dos mercados globais.

Durante coletiva de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China nesta segunda-feira (23), o porta-voz Guo Jiakun afirmou que manter a segurança da região é de interesse comum para toda a comunidade internacional.

“Conclamamos todos os países a evitarem o agravamento do conflito, que pode impactar diretamente o crescimento econômico global.”

Ele confirmou que a China mantém comunicação constante com o Irã, inclusive após os ataques israelenses. O ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, conversou por telefone com seu homólogo iraniano, Abbas Araghchi, reforçando o apelo por moderação e diálogo.

O peso estratégico do Estreito de Ormuz

Estima-se que cerca de 20% do petróleo consumido no mundo — o equivalente a 17 a 18 milhões de barris por dia — transite pelo Estreito de Ormuz, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA) e da Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA). Localizada entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, a passagem marítima é considerada a mais crítica para o fluxo energético global.

O estreito conecta os principais países produtores da região — como Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Iraque — aos mercados da Ásia, Europa e América do Norte. Além do petróleo bruto, é vital para o transporte de gás natural liquefeito (GNL), especialmente do Catar. Qualquer interrupção pode causar choques nos preços internacionais de energia e comprometer o abastecimento em diversos países.

Irã ameaça fechar o estreito

Em resposta aos bombardeios dos EUA contra instalações nucleares, o Parlamento iraniano aprovou no domingo (22) uma resolução simbólica autorizando o governo a fechar o Estreito de Ormuz. A decisão, no entanto, ainda depende do aval do Conselho Supremo de Segurança Nacional (SNSC), que avalia as consequências políticas, econômicas e militares de uma medida tão drástica.

“Ainda que o Parlamento tenha concluído que devemos fechar o Estreito de Ormuz, a decisão final cabe ao SNSC”, declarou o parlamentar e comandante da Guarda Revolucionária, Esmail Kosari.

A ameaça gerou reações imediatas nos mercados: o barril do tipo Brent subiu mais de 6%, ultrapassando os US$ 77. A União Europeia classificou a possibilidade de bloqueio como “extremamente perigosa” e alertou para os riscos à segurança internacional. Especialistas estimam que um fechamento completo da passagem poderia elevar os preços do petróleo para além de US$ 100 — ou até US$ 150 — com forte impacto inflacionário em escala global.

Navios petroleiros já começaram a redirecionar suas rotas, enquanto a ONU, a UE, a China e a Rússia intensificam os apelos por moderação e por uma solução diplomática para conter a escalada no Golfo.

A dependência chinesa

Em 2024, a China manteve-se como o maior importador mundial de petróleo bruto. Dados oficiais indicam que o país comprou, em média, 11,1 milhões de barris por dia — cerca de 74% de seu consumo total. Essa dependência torna a segurança energética uma das prioridades estratégicas de Pequim, especialmente diante da crescente instabilidade no Oriente Médio.

Cinco países concentraram quase 67% das importações chinesas:

  • Rússia: ~2,17 milhões de barris por dia (~20%), principal fornecedor;
     
  • Arábia Saudita: ~1,57 milhão de barris por dia (~14%);
     
  • Malásia: ~1,41 milhão de barris por dia (~13%), com volumes possivelmente reclassificados do Irã ou da Venezuela;
     
  • Iraque: ~420 mil barris por dia (~10%);
     
  • Emirados Árabes Unidos: ~350 mil barris por dia (~8,6%).

Outros fornecedores relevantes incluem o Brasil (310 mil b/d, ~7,6%), Kuwait (290 mil b/d, ~7,1%), Angola (205 mil b/d, ~5,1%), Omã (190 mil b/d, ~4,7%) e Nigéria (180 mil b/d, ~4,4%).

Embora não reconhecido nas estatísticas oficiais, o Irã forneceu aproximadamente 1,7 milhão de barris por dia à China em março de 2025, segundo estimativas de analistas e dados de rastreamento naval divulgados por veículos como a Reuters e o Centre on Global Energy Policy da Universidade de Columbia. Esse foi o maior volume desde o endurecimento das sanções ocidentais em 2018.

Boa parte desse petróleo chega por rotas trianguladas e é destinado a refinarias independentes, conhecidas como teapots, que operam fora dos grandes conglomerados estatais. O caso é semelhante ao do petróleo venezuelano, estimado em 270 mil barris diários, muitas vezes rotulado como vindo da Malásia ou do Brasil. Ambos os fluxos são adquiridos com descontos e contribuem para reduzir os custos da indústria petroquímica chinesa.

A exposição da China a essas fontes alternativas, muitas sob risco de sanções, acentua sua vulnerabilidade. Um eventual bloqueio do Estreito de Ormuz comprometeria cerca de 16% das importações chinesas de petróleo, cenário que justifica o crescente engajamento diplomático de Pequim na tentativa de conter a escalada da crise.

China amplia controle sobre navios no Estreito de Ormuz 

Em resposta à escalada de tensões após os ataques dos Estados Unidos ao Irã, a China determinou um novo protocolo de segurança para monitorar de forma intensiva o tráfego de suas embarcações no Estreito de Ormuz e em áreas adjacentes. Segundo a China Shipowners’ Association (CSA) — entidade vinculada ao Ministério dos Transportes —, todas as empresas de navegação chinesas foram orientadas a enviar relatórios diários detalhados com informações sobre cada navio em operação no Golfo Pérsico, no Golfo de Omã e no próprio estreito.

A determinação inclui dados como nome da embarcação, número IMO, tipo, bandeira, capacidade, portos de origem e destino, número de tripulantes, horários estimados e itinerários realizados desde o início de 2024. O objetivo declarado é ampliar a vigilância marítima e proteger os interesses estratégicos chineses em uma rota crucial para o fornecimento global de petróleo.

A decisão ocorre após registros de interferências em sistemas de navegação de ao menos seis navios, entre eles dois superpetroleiros de bandeira chinesa, ao se aproximarem do Estreito. Embora nenhuma embarcação tenha sido detida, o episódio gerou apreensão entre autoridades marítimas de Pequim.

Como precaução, alguns navios comerciais já começaram a evitar a costa iraniana, preferindo rotas mais próximas de Omã. Agências internacionais também passaram a emitir alertas semelhantes, enquanto a ONU, a União Europeia, a China e a Rússia intensificam os apelos por uma solução diplomática para garantir a continuidade segura da navegação na região. O movimento de Pequim evidencia o grau de preocupação com a estabilidade logística em uma das passagens marítimas mais sensíveis do planeta.

Ferrovia Xi’an–Teerã: o plano B chinês

Xinhua - Ferrovia liga China ao Irã

Em maio de 2025, foi inaugurada uma nova e estratégica linha ferroviária entre a China e o Irã, reforçando a integração econômica transcontinental dentro da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI). A conexão liga Xi’an, na província chinesa de Shaanxi, ao porto seco de Aprin, próximo a Teerã, atravessando Cazaquistão e Turcomenistão. O percurso de cerca de 10 mil quilômetros reduz de até 40 para cerca de 15 dias o tempo de transporte em relação às rotas marítimas.

A primeira carga transportada, composta por painéis solares, marcou o início da operação comercial. No mesmo mês, autoridades ferroviárias de China, Irã, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão e Turquia assinaram um acordo para padronizar tarifas e facilitar o funcionamento do corredor.

A rota ferroviária Xi’an–Teerã fortalece a autonomia comercial do Irã, amplia a margem de manobra da China no abastecimento de energia e reduz a dependência de rotas sob influência dos Estados Unidos. 

Em termos geopolíticos, a nova ferrovia Xi’an–Teerã reforça o papel do Irã como peça-chave em uma rede emergente de integração eurasiática. O país se posiciona como elo estratégico entre o Leste Asiático e a Europa ao articular sua infraestrutura ferroviária com dois grandes projetos transcontinentais: o Corredor Internacional Norte-Sul (INSTC) e o Corredor Ferroviário das Cinco Nações.

Idealizado desde o início dos anos 2000, o INSTC é um projeto multimodal (ferrovia, estrada e transporte marítimo) que conecta a Índia ao norte da Europa passando por Irã, Azerbaijão e Rússia. O objetivo é reduzir tempo e custo em relação às rotas tradicionais via Canal de Suez. Com a nova linha Xi’an–Teerã, a China pode se integrar de forma indireta ao INSTC, utilizando o território iraniano como ponte logística entre a Ásia Central e o Mar Cáspio, acelerando o acesso aos mercados europeus e ao sul da Ásia.

Já o Corredor Ferroviário das Cinco Nações é um projeto em desenvolvimento que visa conectar China, Irã, Turcomenistão, Uzbequistão e Turquia por via férrea contínua. Ele tem como meta estabelecer uma ligação leste-oeste alternativa à Nova Rota da Seda marítima, contornando rotas sob influência dos EUA e do Ocidente.

Com essa integração, o Irã se torna um ponto de convergência entre os corredores leste-oeste (China–Europa) e norte-sul (Rússia–Índia). Essa centralidade logística fortalece sua importância geoeconômica, atraindo investimentos, consolidando sua aliança com a China e proporcionando novas margens de autonomia frente às sanções ocidentais.

Ao costurar sua malha ferroviária com essas iniciativas regionais, o Irã se insere como um hub estratégico na arquitetura de conectividade da Eurásia, ao mesmo tempo em que a China assegura rotas comerciais resilientes para manter o fluxo de energia e bens mesmo diante de crises marítimas como as do Estreito de Ormuz ou do Mar Vermelho.

Embora os investimentos exatos na infraestrutura dessa linha não tenham sido divulgados, projetos similares na Ásia Central têm exigido aportes bilionários. A obra conta com o envolvimento de empresas estatais chinesas, como a China Railway, e cooperação direta entre os governos participantes.

Em um contexto de tensão crescente no Oriente Médio e instabilidade nas rotas marítimas globais, a nova ferrovia representa mais do que uma solução logística: trata-se de um movimento estratégico que reafirma a influência econômica da China e reposiciona o Irã no tabuleiro da integração eurasiática.

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