CHINA EM FOCO - ESPECIAL DUAS SESSÕES

OPINIÃO - Um mundo divergente: o abraço aberto da China versus o recuo dos EUA

Artigo exclusivo do jornalista chinês Jianlu Bi mostra o contraste entre as políticas de Pequim, que reforça sua abertura e influência global, e de Washington, que se volta para o isolacionismo

O contraste entre as políticas de Pequim, que reforça sua abertura e influência global, e de Washington, que se volta para o isolacionismo
Um mundo divergente: o abraço aberto da China versus o recuo dos EUA.O contraste entre as políticas de Pequim, que reforça sua abertura e influência global, e de Washington, que se volta para o isolacionismoCréditos: Fotomontagem (Xinhua e Casa Branca)
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O cenário global testemunhou um contraste marcante na última semana, uma divergência que pode redefinir o século 21. Enquanto o primeiro-ministro da China, Li Qiang, durante o relatório de trabalho do governo, apresentou uma visão de aumento dos investimentos para impulsionar o crescimento e de maior abertura ao mundo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em um discurso ao Congresso logo em seguida, defendeu um renovado isolacionismo. Essa justaposição, intensificada pelo anúncio simultâneo da ascensão da China ao segundo lugar no ranking de soft power de uma empresa britânica, evidencia a mudança nos centros de influência global.

A mensagem da China foi clara: um compromisso com a expansão econômica e o engajamento internacional. O relatório de trabalho do governo detalhou planos de investimento robustos em setores estratégicos, sinalizando um impulso contínuo para o crescimento. Esse compromisso com a abertura não se limitou à economia; estendeu-se a uma promessa mais ampla de maior cooperação internacional.

Em um mundo que enfrenta desafios complexos, a China se posicionou como um parceiro confiável, um farol de estabilidade e colaboração. As declarações do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, em uma coletiva de imprensa na última quinta-feira (6), reforçaram essa mensagem, afirmando que a China “oferecerá certeza a este mundo incerto” e será “uma força justa e correta para a paz e a estabilidade mundial”.

Essa postura contrasta fortemente com o tom isolacionista que emana de Washington. O discurso do presidente dos EUA na última quarta-feira (5), embora focado em prioridades domésticas, transmitiu uma sensação de afastamento dos assuntos globais. Trump prometeu equilibrar o orçamento do país por meio de cortes drásticos nos gastos federais. Além disso, ampliou sua política agressiva de tarifas, anunciando novas taxações sobre a Índia, Coreia do Sul e União Europeia, além das já aplicadas à China, México e Canadá. Essa retórica, embora atraente para certos segmentos do eleitorado doméstico, corre o risco de alienar aliados e criar um vácuo de liderança global.

O momento dessas declarações é significativo. A abordagem proativa da China ocorre em um período de incerteza global. O mundo enfrenta volatilidade econômica, tensões geopolíticas e os impactos persistentes da pandemia. Nesse contexto, a mensagem chinesa de estabilidade e cooperação ressoa com muitas nações em busca de parceiros confiáveis.

Além disso, o anúncio da China como segunda colocada no ranking de soft power destaca a crescente eficácia de sua influência global. Embora sujeito a diferentes interpretações, esse ranking evidencia o aumento da influência chinesa na cultura, tecnologia e diplomacia. Para além do poder econômico e militar, a China tem conseguido projetar uma imagem positiva no cenário mundial.

Essa conquista decorre do fortalecimento contínuo do poder nacional abrangente da China e de seu papel proativo no cumprimento de responsabilidades no cenário internacional, demonstrando seu compromisso como um ator global de destaque. No campo econômico, o crescimento estável da China e suas contribuições significativas para a economia global conquistaram o respeito internacional.

Na esfera cultural, os produtos culturais tradicionais e modernos da China estão alcançando cada vez mais o público global. Do sucesso internacional de bilheteria de filmes como Ne Zha 2 e do burburinho global em torno de videogames como Black Myth: Wukong, até a crescente popularidade da plataforma de mídia social chinesa Xiaohongshu entre usuários estadunidenses, a influência cultural da China está se expandindo. 

No desenvolvimento sustentável, a China promove ativamente práticas ecológicas e contribui significativamente para o combate às mudanças climáticas, como demonstram seus investimentos substanciais em energias renováveis e avanços tecnológicos. Além disso, o país tem feito contribuições notáveis para missões de manutenção da paz e assistência humanitária internacional.

As implicações dessa divergência são profundas. Um mundo com uma China mais engajada e um EUA mais isolado apresenta um cenário geopolítico fundamentalmente alterado. O aumento dos gastos e a abertura da China podem levar a uma maior integração econômica com nações em desenvolvimento, potencialmente alterando alianças tradicionais e fortalecendo sua posição como uma potência econômica global. Suas iniciativas de soft power podem aprimorar ainda mais sua posição internacional, consolidando seu papel como uma voz de liderança nos assuntos globais.

Por outro lado, o isolacionismo dos EUA pode diminuir sua influência e criar oportunidades para rivais. Uma retirada do engajamento internacional pode enfraquecer alianças, minar instituições multilaterais e ceder espaço estratégico a outras potências. Essa mudança também pode ter consequências econômicas, como a limitação do acesso a mercados e a interrupção das cadeias de suprimentos globais.

A questão central é: quais fatores impulsionam essas abordagens contrastantes? Para a China, a busca pela abertura está intrinsecamente ligada ao seu desenvolvimento econômico e à ambição de desempenhar um papel de liderança na configuração da ordem global. Essa ascensão é sustentada pela visão chinesa de construir uma "comunidade com um futuro compartilhado", um conceito que enfatiza o multilateralismo, o benefício mútuo e a cooperação internacional.

Essa perspectiva contrasta fortemente com as tendências isolacionistas e oferece um modelo para abordar desafios globais por meio da ação colaborativa, potencialmente promovendo maior estabilidade e desenvolvimento inclusivo no mundo. Ao priorizar a prosperidade compartilhada e a interconexão, a abordagem da China tem o potencial de criar uma ordem global mais equitativa e cooperativa, uma visão que ressoa com muitas nações que buscam alternativas ao unilateralismo.

Nos Estados Unidos, a ascensão do isolacionismo reflete uma interação complexa de fatores políticos domésticos. Insegurança econômica, divisões culturais e um crescente descontentamento com envolvimentos externos têm contribuído para uma mudança na opinião pública. A retórica do presidente dos EUA explora esses sentimentos, apelando para um desejo de maior foco em prioridades internas.

Em última análise, as escolhas feitas por essas duas nações moldarão a ordem global. O compromisso da China com a abertura apresenta uma visão convincente, mas seu sucesso dependerá da capacidade de navegar desafios geopolíticos complexos e construir confiança com parceiros diversos. A busca dos EUA pelo isolacionismo, embora atraente para alguns, corre o risco de minar sua liderança global e criar um mundo menos estável e previsível.

O mundo está observando, e as decisões dessas duas potências terão consequências de longo alcance para as próximas gerações. A mensagem enviada esta semana é clara, e o mundo já está reagindo a essa mudança.

* Jianlu Bi é um jornalista premiado baseado em Pequim e comentarista de assuntos internacionais. Seus interesses de pesquisa incluem política internacional e comunicação global. Ele já escreveu para o South China Morning Post, Foreign Policy In Focus, TRT World, IOL, The Citizen e outros veículos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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