CHINA EM FOCO

China e Trump em rota oposta: Davos 2025 evidencia choque entre globalização e isolacionismo

Fórum Econômico Mundial se torna arena de disputa entre a defesa da cooperação global por Pequim e o retorno ao protecionismo de Washington

Créditos: WEF (Thibaut Bouvier)
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Na reunião anual de 2025 do Fórum Econômico Mundial (WEF, da sigla em inglês), em Davos, na Suíça, o vice-primeiro-ministro chinês Ding Xuexiang fez um discurso contundente em defesa da globalização econômica, do multilateralismo e da cooperação global. A fala do enviado de Pequim contrasta radicalmente com as medidas protecionistas alardeadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no início do seu segundo mandato.

Ding, integrante do Comitê Permanente do Politburo do Partido Comunista da China (PCCh) destacou em seu discurso a necessidade de enfrentar desafios globais por meio de solidariedade e inovação, enquanto apresentou os principais avanços da economia chinesa.

Xi Jinping em Davos

Ding relembrou o histórico discurso do presidente Xi Jinping em Davos, há oito anos, em 2017, onde ele abordou a questão central: “O que há de errado com o mundo, e o que devemos fazer a respeito?”.

"O presidente Xi afirmou que 'qualquer tentativa de canalizar as águas do oceano de volta a lagos e riachos isolados é simplesmente impossível' e que 'perseguir o protecionismo é como se trancar em um quarto escuro. Embora o vento e a chuva possam ser mantidos do lado de fora, esse quarto escuro também bloqueará a luz e o ar'", relembrou Ding.

Leia aqui o discurso de Xi Jinping no WEF de 2017 em inglês.

Desde então, reforçou Ding, o presidente chinês tem oferecido respostas sobre como melhorar a governança global e construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade ao fornecer orientação importante para a comunidade internacional.

A partir das reflexões de Xi e com alerta de que transformações não vistas em um século estão se acelerando ao redor do mundo, o representante chinês em Davos mandou um recado a Trump.

"Com iminentes guerras tarifárias e comerciais, uma constante disputa entre as forças a favor e contra a globalização econômica, e uma intensa rivalidade entre multilateralismo e unilateralismo, a governança global passa por ajustes profundos. A humanidade, mais uma vez, encontra-se em uma encruzilhada crítica, esperando que o sol rompa as nuvens e a névoa para iluminar o caminho à frente", afirmou.

Quatro propostas da China: inclusão e multilateralismo

Em seu discurso, Ding apresentou quatro sugestões principais da China para promover inclusão e multilateralismo

  1. Globalização inclusiva
     
  2. Multilateralismo verdadeiro
     
  3. Desenvolvimento sustentável
     
  4. Desafios globais

Globalização inclusiva

Ding enfatizou que a globalização econômica é uma "exigência inerente ao desenvolvimento das forças produtivas e um resultado inevitável do progresso tecnológico".

Apesar dos ventos contrários, o comércio global tem demonstrado resiliência. Ele destacou números da Organização Mundial do Comércio (OMC), que apontam um crescimento médio anual de 5,8% no volume do comércio global desde 1995, alcançando US$ 30,4 trilhões em 2023.

“Devemos promover uma globalização econômica mais dinâmica, inclusiva e sustentável, enfrentando os desafios de distribuição com cooperação e diálogo”, afirmou Ding.

Ele também criticou políticas protecionistas e guerras comerciais, classificando-as como "sem saída".

Defesa do multilateralismo verdadeiro

O vice-primeiro-ministro destacou o multilateralismo como a “chave dourada” para resolver os desafios globais. Segundo Ding, "os assuntos internacionais devem ser decididos por todos por meio de consulta, e o futuro do mundo deve ser determinado coletivamente pelas nações".

Ele reafirmou o compromisso da China com o sistema internacional centrado na ONU e defendeu o fortalecimento da OMC como canal principal para a regulamentação do comércio global.

Ding sublinhou a importância de "garantir direitos, oportunidades e regras iguais para todas as nações nos assuntos internacionais", reforçando a necessidade de consulta ampla e contribuição conjunta para benefícios compartilhados.

Desenvolvimento sustentável e novas tecnologias

Com o tema do encontro de Davos, "Colaboração para a Era da Inteligência", Ding apontou as oportunidades trazidas por tecnologias emergentes, como inteligência artificial, biomedicina e tecnologias verdes. Ele destacou a necessidade de reduzir a desigualdade tecnológica entre o Norte e o Sul globais, promovendo acesso digital e infraestrutura inteligente nos países em desenvolvimento.

“A ciência e a tecnologia devem beneficiar toda a humanidade”, disse Ding, defendendo o apoio aos países em desenvolvimento para que possam construir sistemas de inteligência artificial, energia inteligente e transporte digital.

Respostas coordenadas aos desafios globais

Ding também destacou o compromisso da China com questões críticas, como mudanças climáticas, segurança alimentar e energética. Ele reafirmou a importância da transição verde, classificando-a como "a solução fundamental para as mudanças climáticas".

“Devemos avançar na transição energética de maneira justa e equitativa, promovendo tecnologias verdes e garantindo a estabilidade das cadeias industriais de energia limpa”, afirmou.

Além disso, Ding pediu maior consistência entre políticas climáticas e comerciais para evitar fricções que possam atrapalhar o progresso ambiental.

Compromisso com o futuro

Por fim, Ding apontou que segurança e desenvolvimento são interdependentes e pediu maior colaboração global para resolver conflitos por meio do diálogo. Ele reiterou o compromisso da China com os princípios do multilateralismo, reforçando que "a porta da abertura da China não será fechada, mas ampliada".

Com essas propostas, a China busca se posicionar como uma líder no enfrentamento de desafios globais, oferecendo soluções cooperativas e sustentáveis para promover o progresso compartilhado.

Avanços da economia chinesa

O vice-primeiro-ministro também destacou três características principais da economia chinesa:

  1. Desenvolvimento de alta qualidade
     
  2. Transição verde
     
  3. Reformas e abertura

Desenvolvimento de alta qualidade: Inovação como motor do progresso

Ding destacou que a economia chinesa segue um caminho firme de alta qualidade, impulsionado por avanços tecnológicos e novos setores produtivos. Ele apontou que, em 2023, a economia chinesa cresceu 5%, uma das maiores taxas entre as grandes economias globais, mesmo enfrentando desafios externos e ajustes internos.

“Durante inspeções em diferentes partes da China, observei o progresso evidente na transição de motores tradicionais para novos impulsionadores de crescimento. Indústrias emergentes e futuras estão florescendo, e novas forças produtivas estão se desenvolvendo em ritmo acelerado”, afirmou.

O vice-primeiro-ministro enfatizou que a inovação é essencial para a economia chinesa, com esforços direcionados para integrar avanços científicos e tecnológicos com inovações industriais. “As empresas, tanto privadas quanto estrangeiras, têm grande confiança no futuro desenvolvimento da China”, acrescentou.

Transição verde: Liderança na economia de baixo carbono

Outro ponto central da mensagem chinesa foi a transição para uma economia de baixo carbono. Ding ressaltou que o país está comprometido em alcançar o pico de emissões de carbono antes de 2030 e a neutralidade até 2060. Desde 2012, o consumo de energia por unidade do PIB caiu mais de 26%, e a intensidade de emissões de carbono reduziu-se em 35%.

“A China construiu a maior e mais completa cadeia industrial de energia renovável do mundo, com 70% dos componentes fotovoltaicos e 60% dos equipamentos de energia eólica produzidos no país. Isso impulsiona o desenvolvimento verde global e a resposta às mudanças climáticas”, afirmou Ding.

Além disso, ele destacou iniciativas inovadoras da economia circular chinesa, como a reutilização de garrafas plásticas para produzir roupas e materiais de alta qualidade. “A transição verde da China não é uma resposta transitória, mas um compromisso de longo prazo para equilibrar o crescimento econômico e a sustentabilidade ambiental”, disse.

Reformas e abertura: Expansão da liberalização econômica

Ding também abordou as reformas e a abertura como elementos vitais para a modernização da economia chinesa. Ele mencionou a implementação de mais de 300 reformas significativas durante a terceira plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, realizada em 2024.

“Estamos construindo uma economia de mercado socialista de alto padrão, promovendo um ambiente de mercado mais justo e dinâmico e garantindo que a alocação de recursos seja eficiente e produtiva”, afirmou.

Ding também destacou os avanços na abertura ao investimento estrangeiro, como a redução de itens na lista negativa para investimentos externos, que passou de 190 para 27 desde 2013, e a eliminação de restrições em setores como telecomunicações, internet e educação. “A porta de abertura da China não se fechará, mas será ampliada ainda mais”, garantiu.

A China como motor global

Encerrando seu discurso, Ding reforçou que o crescimento econômico estável da China continuará a ser um pilar do desenvolvimento global.

“A China não busca superávits comerciais, mas promove um comércio equilibrado e a cooperação econômica mútua. Nosso compromisso com a inovação, sustentabilidade e abertura é um impulso vital para o progresso econômico mundial”, afirmou.

Com essas características, a economia chinesa não apenas busca consolidar sua posição como líder global, mas também oferece um modelo para o desenvolvimento sustentável e inclusivo em um mundo cada vez mais interconectado.

Ding assegurou que a China continuará a implementar políticas macroeconômicas robustas para contribuir com o crescimento sustentável da economia global.

Leia aqui o discurso de Ding Xuexiang na íntegra em inglês.

Contraponto: Trump e o isolacionismo

Enquanto a China promoveu cooperação e abertura, o presidente Donald Trump, em suas primeiras medidas do novo mandato, reafirmou sua visão de "América em Primeiro Lugar". Entre as ações, anunciou o aumento de tarifas sobre importações chinesas e prometeu desincentivar os países do BRICS que tentarem reduzir a dependência do dólar.

A retórica de Trump, que prioriza uma agenda protecionista, contrasta com a visão de multilateralismo de Pequim. Enquanto a China busca aprofundar a integração global, os EUA parecem reforçar uma postura mais voltada para o unilateralismo, que muitos especialistas consideram potencialmente prejudicial à estabilidade econômica global.

As mensagens vindas de Davos e de Washington refletem um mundo polarizado. De um lado, a China se posiciona como defensora da cooperação global; do outro, os EUA insistem em uma abordagem de competição e fortalecimento interno. O impacto dessas visões divergentes será decisivo para moldar o futuro da economia global.

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