CHINA EM FOCO

Chanceler da União Europeia reconhece sucesso da China e dá recado duro ao Ocidente

De saída do cargo, Josep Borrell agora quer que países ocidentais sejam parceiros da potência asiática; declaração vai na contramão da campanha anti-China liderada pelos EUA e aliados

Créditos: Fotomontagem Canv e Instagram Diplomacia UE) - De saída do cargo, Josep Borrell defende respeito à China pelos países do Ocidente
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Numa declaração totalmente fora da curva diante da escalada da campanha anti-China liderada por Estados Unidos e com altíssima adesão dos aliados de Washington, o Alto Representante da União Europeia (UE) para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell, defende que o Ocidente reconheça o sucesso do sistema chinês.

Borrell, chefe das relações exteriores da UE está de saída do cargo e deve ser substituído em seu papel pelo ex-primeiro-ministro da Estônia Kaja Kallas em outubro que vem. Ele fez essa declaração sobre a necessidade de respeitar a China durante a conferência anual Quo Vadis Europa? realizada na cidade de Santander, na Espanha, entre os dias 19 e 23 de agosto.

O chanceler da UE, na ocasião, disse que as diferenças entre os sistemas políticos europeu e chinês e em muitas questões “não devem nos levar a uma confrontação sistemática", e os dois lados devem ser parceiros. Ele observou que a ascensão da China é um fato e que “nos opormos à ascensão da China como uma potência é impossível”.

Borrell enfatizou ainda que, à medida que a China e os EUA competem entre si, a UE deve ter em mente seu próprio interesse e agir à sua própria maneira.

Em coletiva regular de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China desta segunda-feira (2), a porta-voz Mao Ning elogiou a  declaração de Borrell sobre o país asiático e o elogiou pela compreensão objetiva do desenvolvimento chinês e por seus comentários positivos sobre as relações China-UE.

"A China permanecerá comprometida com o caminho de desenvolvimento que escolheu, que é completamente diferente do das potências tradicionais. O desenvolvimento da China contribui para a força da paz global, estabilidade e progresso. O desenvolvimento da China é integral ao crescimento dos países em desenvolvimento como um todo e um empreendimento justo para um melhor desenvolvimento humano. Neste ponto específico, a China precisa do mundo e o mundo precisa da China", observou Mao.

A porta-voz destacou que a China dá grande importância às relações China-UE e acredita que, no contexto dessas relações, os dois lados devem ser caracterizados corretamente como parceiros, não rivais.

"Cooperação, em vez de competição, deve ser a característica definidora da relação, autonomia, em vez de dependência, seu principal valor, e ganha-ganha, em vez de confronto, seu futuro", ressaltou.

Mao comentou ainda que o  20º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) realizou recentemente sua terceira sessão plenária com foco em aprofundar ainda mais a reforma em todos os aspectos, construir uma economia de mercado socialista de alto padrão e melhorar as instituições e mecanismos para uma abertura de alto padrão.

"Isso proporcionará mais oportunidades para a prosperidade da Europa e para a cooperação China-UE. A China está pronta para ser o parceiro chave da UE em cooperação econômica e comercial, parceiro prioritário em cooperação científica e tecnológica, e parceiro confiável em cooperação industrial e de cadeias de suprimentos. A UE é bem-vinda para compartilhar as oportunidades fornecidas pelo mercado de grande escala da China e participar ativamente da abertura institucional e de alto padrão da China", afirmou.

Mao lembrou que em 2025 será celebrado o 50º aniversário das relações diplomáticas China-UE. Ela garantiu que a China está pronta para trabalhar com a UE para permanecerem como parceiros um do outro, aprofundar a comunicação estratégica, realizar diálogo e cooperação, resolver adequadamente diferenças e atritos, em particular aprofundar trocas culturais e interpessoais.

"Esperamos encontrar pessoas que seguirão os passos de Marco Polo na nova era, e garantir que as relações China-UE se tornem mais estáveis e construtivas, entreguem mais benefícios mútuos e contribuam mais globalmente. Trabalhando juntos, China e UE podem e contribuirão mais para o bem-estar dos dois povos e para um mundo estável e próspero", finalizou Mao.

Para onde vai a relação da Europa com a China?

Em sua participação na conferência anual Quo Vadis Europa?, no dia 20 de agosto, Borrell alertou que uma guerra comercial entre a UE e a China pode se tornar "inevitável". Ele disse que Bruxelas não queria tal conflito, mas que ele pode ocorrer de qualquer maneira.

"Nossos sistemas políticos são diferentes, mas isso não deve levar a uma rivalidade sistêmica e permanente. Isso não é do nosso interesse [...] Não devemos ser ingênuos, não temos interesse em entrar em uma guerra comercial... mas talvez seja inevitável, também está na lógica das coisas", disse Borrell

Borrell observou que as tensões atuais eram um "efeito cascata" após o que aconteceu entre os EUA e a China. Na análise dele, essa situação está, em parte, relacionada aos veículos elétricos (VEs), originalmente destinados ao mercado dos EUA, sendo redirecionados para a Europa depois que Washington impôs tarifas mais altas sobre eles.

"Eles [os EUA] não nos perguntam quando proíbem a importação de carros chineses, eles não vão nos perguntar para onde esses carros chineses estão indo se não forem para os EUA... Tenho certeza de que eles irão para o mercado europeu, e isso está gerando um problema de competitividade com nossa indústria", observou Borrell.

Apesar das tensões crescentes, Borrell acrescentou que a UE ainda deve tentar evitar um "confronto sistemático" com a China.

"A Europa não deve se opor à ascensão da China, porque essa ascensão é um fato — a China... está na vanguarda de toda a tecnologia. Eles não estão apenas vendendo camisetas baratas, eles estão competindo. Nos opor à ascensão da China como uma potência é impossível — a China é uma grande potência", afirmou.

As observações de Borrell ocorreram enquanto a China e a UE miram uma na outra com a implementação do que muitos veem como tarifas de retaliação. A Europa vem aumentando as tarifas sobre veículos elétricos chineses, acusando o país comunista de subsidiar excessivamente seu setor de fabricação de automóveis.

Em retaliação, a China acusou a UE de tentar criar concorrência desleal com suas políticas tarifárias. Desde então, Pequim lançou uma investigação antidumping sobre produtos de bebidas alcoólicas derivados da UE, com uma investigação semelhante sobre carne suína e importações de derivados de carne suína da UE tendo sido lançada em junho.

Em 21 de agosto, um dia após o aviso de Borrell, a China abriu uma nova investigação antidumping contra a UE, desta vez com foco na indústria de laticínios.

China e UE são maiores parceiros comerciais um do outro

O comércio entre a UE e a China cresceu nos últimos anos, apesar das conversas sobre "desacoplamento" ou "desalavancagem" das ligações econômicas com a China sob a liderança dos Estados Unidos. Trata-se de um sinal de que o mercado chinês ainda mantém atração para as empresas europeias devido ao seu vasto potencial e tamanho.

Dados do Eurostat mostram que o valor das importações europeias da China quase dobrou entre 2018 e 2022. Durante o primeiro semestre de 2023, a China permaneceu o principal fornecedor de mercadorias para a UE, conforme uma análise da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ao longo desse período, as importações de produtos como telefones, computadores e maquinário tiveram aumentos significativos.

Com a Europa e a China compartilhando consenso sobre a luta contra as mudanças climáticas, os veículos elétricos chineses expandiram rapidamente sua presença no mercado europeu. Três dos modelos de carros elétricos mais vendidos na Europa em 2022 eram de origem chinesa.

Estatísticas oficiais mostram que o comércio entre China e UE alcançou 847,3 bilhões de dólares em 2022, um aumento de 2,4% em relação ao ano anterior. China e UE são os principais parceiros comerciais um do outro, com crescimento rápido no comércio de baterias de lítio, veículos elétricos, módulos fotovoltaicos e outros produtos verdes.