CHINA EM FOCO

Dilma Rousseff estava certa e na China já se estoca vento

Jornalista brasileiro radicado em Pequim, capital nacional chinesa, revela que a fala da então presidenta do Brasil há nove anos sobre a possibilidade de armazenar a energia eólica é realidade na potência asiática

Créditos: Fotomontagem Agência Brasil (Marcelo Camargo) e Rafael Henrique Zerbetto - Então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff antecipou tecnologia de estocar vento.
Por
Escrito en GLOBAL el

Nota da editora: Em 26 de setembro de 2015, durante uma coletiva de imprensa na ONU (Organização das Nações Unidas) depois da reunião com a Cúpula do G4, a então presidenta Dilma Rousseff falou sobre a possibilidade de "estocar vento" e foi duramente criticada pelos opositores. A fala foi amplamente discutida e satirizada na mídia e redes sociais, com uma avalanche de memes que até hoje voltam à tona. Em sua declaração, ela falava sobre fontes de energia renovável e a utilização de energia eólica no Brasil.

 "Quando fala em energia eólica, alguns dizem assim: 'Ah, a energia eólica é importante porque, afinal, é possível, nós sabemos, estocar vento'. E, de fato, isso é verdade, só não se sabe ainda como", comentou.

Nove anos depois, a fala de Dilma, que hoje preside o Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS, não soa como meme e sim como profecia.

Relembre a fala de Dilma

Na China já se estoca vento

Rafael Henrique Zerbetto - Como antecipou Dilma Rousseff em 2015, já é possível estocar vento

Em meio ao deserto de Gobi, a cidade de Hami, na porção oriental da Região Autônoma Uigur de Xinjiang, na China, é rica em fontes de energia renováveis, com sol e vento o ano todo. Merecem particular atenção os 13 sítios de vento situados a sudeste da cidade, onde geradores eólicos de cem metros de altura, com hélices de 87 metros de comprimento, coletam a energia dos fortes ventos da região para gerar eletricidade.

Mas o uso da energia eólica em grande escala sempre esbarrou em um problema: o descompasso entre oferta e demanda causado pelo fato de que, por um lado, a intensidade do vento muda ao longo do dia, afetando a geração de energia elétrica enquanto, por outro lado, o consumo de eletricidade também varia ao longo do dia.

Como os geradores apenas convertem a energia cinética dos ventos em energia elétrica e a lançam na rede elétrica para consumo imediato, a eletricidade excedente acabava sendo desperdiçada quando a produção superava a demanda enquanto, em outros momentos, a produção dos geradores era insuficiente para atender às necessidades dos consumidores.

[Nota da editora: Energia cinética é a energia que um objeto tem devido ao seu movimento. É calculada usando a massa do objeto e a velocidade a que ele se move. Essencialmente, quanto mais rápido um objeto se move ou quanto mais pesado ele é, maior será sua energia cinética. Essa energia é uma forma de energia mecânica e é fundamental em várias áreas, como física e engenharia.]

Na velha matriz energética da maioria dos países, a queima de combustíveis fósseis facilitava o ajuste da produção de acordo com a demanda, com as fontes renováveis ocupando uma fatia modesta do mercado, mas a necessidade urgente de se fazer a transição para fontes limpas e sustentáveis botou em evidência essa limitação das fontes cuja eficiência depende de fatores climáticos, que não podem ser controlados pelo homem.

Para substituir a queima de combustíveis pela energia eólica, seria preciso “estocar vento”, isto é, buscar formas de resolver este descompasso entre os picos de produção e de demanda, e o termo estocagem de vento passou a ser usado para designar possíveis métodos de estocagem do excedente de produção dos parques eólicos para uso em momentos de maior demanda.

Pesquisas sobre estocagem de vento já eram desenvolvidas em diversos países em 2015, quando a então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff,  falou sobre estocagem de vento durante uma coletiva de imprensa na ONU. Dilma sabia do que estava falando, mas no Brasil o tema era muito pouco conhecido e discutido, tendo sido, por isso, mal compreendido.

Nos anos seguintes, as pesquisas avançaram e diversas tecnologias para estocar vento surgiram ao redor do planeta. Agora, algumas tecnologias já estão maduras e passaram da fase experimental para o uso comercial, como é o caso da tecnologia usada nos 13 sítios de vento a sudeste de Hami.

O conceito é simples: o excedente de produção dos geradores eólicos, que não pode ser consumido de imediato, é enviado para armazenamento em enormes baterias. Mais tarde, quando a demanda supera a produção, a energia acumulada nas baterias é lançada na rede elétrica para ser, enfim, consumida.

As baterias ficam em meio ao deserto de Gobi, onde a temperatura é extremamente baixa no inverno e alta no verão. Por isso, todos os equipamentos de estocagem de vento para uso em Xinjiang tiveram que ser projetados, testados e certificados para operar com segurança na faixa de temperatura entre -40oC e 50oC, capaz de cobrir a variação local de temperatura ao longo do ano.

Conforme desenvolve sua capacidade de produção e estocagem de energia limpa, bem como suas cadeias industriais de painéis solares e turbinas eólicas, Hami se posiciona como uma cidade-chave para a transição energética chinesa, melhorando a eficiência e a qualidade de sua produção energética e contribuindo para a redução das emissões de carbono da China.

* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há oito anos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum