A China é um importante ator no cenário energético internacional. Nos últimos quinze anos, o país tem se empenhado em tornar sua matriz energética menos intensiva em carbono, por meio da expansão da utilização de fontes renováveis, além da redução, em termos relativos, do peso do carvão na geração de energia elétrica.
Nesta semana, o site Global Times, veículo de imprensa chinês onde participei de um estágio de duas semanas, promoveu uma visita ao Instituto de Pesquisa de Energia Limpa da China Huaneng (Ceri, da sigla em inglês), subsidiária do Grupo China Huaneng (CHNG, da sigla em inglês).
A entidade atua principalmente em pesquisa, desenvolvimento e demonstração (RD&D, da sigla em inglês) em tecnologias de energia limpa como eólica e solar, armazenamento de energia, hidrogênio verde, conexão à rede elétrica, sistema integrado de energia, aquecimento inteligente, captura, utilização e armazenamento de carbono. Fornece ainda serviços de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de engenharia nessas áreas e na transferência de tecnologia, projeto e desenvolvimento de equipamentos-chave, consultoria de projetos, engenharia, aquisição e construção.
A Ceri funciona como uma vitrine do que a China tem feito para a transição energética. No último ano, por exemplo, o país adotou duas iniciativas importantes para contribuir com o enfrentamento à crise climática. Firmou o compromisso de se tornar neutra em carbono até 2060 e inaugurou em julho deste ano o maior mercado de carbono do mundo por volume de emissões.
Desde 2009, o país asiático é o maior consumidor de energia e responde atualmente por 26,1% do consumo mundial de energia primária, além de ser o mais importante gerador de energia elétrica, representando 29% da geração mundial de energia elétrica.
A China também é o maior emissor de CO2, em função do uso em larga escala do carvão para a geração de energia elétrica, e pelo fato de concentrar parte considerável da indústria pesada mundial. O país concentra 30,7% das emissões mundiais de CO2 provenientes do consumo de derivados de petróleo, de gás natural e de carvão em atividades relacionadas a combustão – volume maior do que as emissões da América do Norte e Europa juntas. Mas é importante destacar que em volume per capita de emissão de CO2, a China emitiu 8,20 toneladas em 2020, contra 13,68 toneladas dos Estados Unidos, segundo dados do DataHub da Knoema.
A transição energética não ocorre da noite para o dia. É um processo complexo e de longo prazo, que envolve mudanças profundas na maneira como a sociedade satisfaz as próprias necessidades e se apropria de recursos energéticos. Na maioria dos casos vai além da transformação da matriz energética e envolve a adequação da infraestrutura industrial do país para receber o fornecimento da energia necessária para realização dos processos industriais e da a adaptação do setor de transportes para realizar os ajustes necessários para utilizar novas fontes de energia. Os desafios extrapolam, e muito, o setor energético.
Na atual transição energética, não só a China, mas o mundo como um todo tem buscado diminuir o nível de emissões de gases de efeito estufa, que em grande parte é promovido pelas atividades humanas. Essa trajetória rumo a economias menos intensivas em carbono, vem se dando de forma muito mais destacada na matriz elétrica.
Está em curso um movimento de alargamento dessa matriz, em termos globais, no qual vem ocorrendo um crescente processo de eletrificação. Tal movimento é bastante nítido em alguns setores como o de transportes, por meio da difusão dos veículos elétricos e da eletrificação do transporte público, já em outros, como o setor industrial a adaptação é consideravelmente mais lenta.
Para a China o avanço da transição energética envolve dois grandes desafios: a redução gradual da dependência de recursos energéticos importados de origem fóssil e a redução das emissões de gases de efeito estufa. É preciso contemplar em uma tacada a segurança energética – considerada questão de segurança nacional pelas autoridades chinesas – e realizar um esforço de combate às mudanças climáticas para poder garantir espaço nas negociações internacionais do clima e buscar reduzir a vulnerabilidade aos potenciais efeitos de mudanças climáticas.
Com uma população de 1,4 bilhões de habitantes, o esforço para expandir a geração de energia a partir de fontes renováveis pode parecer pouco expressivo. Mas na prática, a China já é o segundo principal centro em termos de geração a partir de fontes renováveis, atrás apenas da Europa, e responde por 27,4% da geração mundial e apresenta um crescimento de 31,3% ao ano no período de 2009-2019. Ao final de 2020, as fontes renováveis, exceto as usinas hidrelétricas de grande porte, já respondiam por 11,1% da matriz elétrica chinesa.
Um dos marcos para a mudança de postura da China quanto à importância de mudar a matriz energética para um modelo menos emissor de carbono, ocorreu em 2005, com a promulgação da Lei de Energia Renovável. Essa legislação introduziu uma série de políticas que buscaram, por meio da concessão de variados incentivos financeiros, promover a expansão das energias renováveis na matriz energética. O próprio desenvolvimento das energias renováveis é encarado desde 2007 como uma das medidas estratégicas para otimizar e tornar mais eficiente o uso de recursos naturais.
A energia solar fotovoltaica e a energia eólica são duas fontes nas quais o acelerado crescimento acumulado das fontes renováveis vem se mostrando mais evidente na última década. No caso da energia solar fotovoltaica, a China é líder mundial em geração e em capacidade instalada, responde por 35,9% da capacidade instalada mundial, apresentou um crescimento de 85,9% ao ano entre 2009 a 2019 e um aumento de 23,7% entre 2019 e 2020. Para a energia eólica, na qual a China também é líder em capacidade instalada, porém fica atrás da Europa em termos de geração, os números são respectivamente: 38,5%; 28,1% ao ano e 34,2%.
Ainda há um longo caminho a percorrer, pois o carvão ainda responde por 63,2 % da geração de energia elétrica do país, além de 56,5% do consumo de energia primária. Mesmo que o carvão esteja em declínio, apresentando crescimento a uma taxa muito menor que os outros combustíveis fósseis e as fontes renováveis, ele ainda é largamente utilizado na China, que responde por 54,3% do consumo mundial de carvão.
Durante a visita ao Ceri foi possível conhecer os bastidores do empenho chinês no desenvolvimento de novas tecnologias para avançar na transição energética. Os impactos dos sucesso da China nessa mudança pode beneficiar todo o planeta e merece nossa atenção.
Há um enorme potencial chinês em termos de redução das emissões a nível mundial e de difusão e comercialização de tecnologias verdes. Pelo fato do país ser um grande investidor, financiador e um importante exportador de tecnologias verdes em escala global, as decisões aqui em termos de investimentos, financiamento e comércio, e diretrizes para os investimentos e o financiamento de projetos no exterior tem um impacto enorme.
Até domingo!