Maria Martins (1894-1973), uma das mais fascinantes mulheres do século 20. Foi artista, escritora, ativista cultural, diplomata. Reconhecida como uma das maiores escultoras surrealistas, era da turma de André Breton, Piet Mondrian e Pablo Picasso. Teve casos de amor com Marcel Duchamp e Benito Mussolini.
Pioneira nas relações entre China e Brasil, foi a única brasileira a entrevistar Mao Zedong, líder revolucionário da recém-criada República Popular da China.
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No inverno de 1949, sob temperaturas de 14 graus negativos, Maria se encontrou com Mao no icônico Pavilhão da Perfeita Harmonia, na Cidade Proibida, em Pequim.
A experiência foi registrada em seu livro Ásia Maior - O Planeta China, que oferece um relato detalhado sobre a atmosfera política e cultural da época.
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O encontro da embaixatriz brasileira com Mao foi organizado pelo primeiro-ministro Zhou Enlai e serve de mostra da habilidade diplomática chinesa em promover intercâmbios culturais estratégicos, sobretudo para a recém-criada República Popular da China.
Maria conta que Mao entrou no salão com uma presença que imediatamente se destacava. Mais alto e jovem do que ela imaginava a partir das fotografias, trajava um conjunto bege-cinzento de corte simples, mas confeccionado em tecido refinado, refletindo a combinação de sobriedade e autoridade.
A postura do líder revolucionário, conta a brasileira, emanava dignidade, enquanto seu semblante unia uma serenidade paternal a uma energia vibrante, características que o tornavam tanto um líder político quanto uma figura quase mítica.
Maria descreveu a emoção de estar frente a frente com o líder revolucionário, um homem cuja influência definia os rumos de mais de um bilhão de vidas na recém-criada República Popular da China. Ele a ofereceu chá e cigarros.
A conversa, mediada por um jovem intérprete fluente em inglês e espanhol, revelou a personalidade magnética de Mao. Ele se mostrou tanto um estrategista político quanto um símbolo de esperança para uma nação em transformação.
Maria captou em Mao uma dualidade fascinante: um líder implacável na política e, ao mesmo tempo, alguém capaz de inspirar confiança e calor humano.
Esse momento histórico, mais do que uma simples entrevista, marcou Maria Martins como uma testemunha perspicaz de uma era de mudanças profundas.
O jogo de cintura de Maria para transitar entre o mundo das artes e da política permitiu que ela oferecesse ao mundo um raro vislumbre da China revolucionária e de seu líder mais emblemático.
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Laços sinobrasileiros
A dica sobre a vida, obra e feitos de Maria Martins é da pesquisadora sobre a China Isis Paris Maia. " Fiquei boquiaberta de não conhecer", escreveu.
Essa invisibilidade das mulheres na história é resultado de séculos de estruturas patriarcais que negligenciam nossas contribuições em diversas áreas, desde a política até a arte. A história é predominantemente contada pelos homens e o papel feminino é minimizado e escondido.
Multi artista
Maria foi uma das mais importantes escultoras surrealistas do século 20, reconhecida por sua ousadia e inovação artística. Sua carreira teve início tardio, mas foi marcada por um impacto profundo no cenário internacional.
Inspirada pela natureza amazônica e pela mitologia brasileira, Maria criou esculturas que desafiavam convenções, com formas orgânicas, sensuais e tensionadas, frequentemente descritas como "deusas e monstros". Suas obras exploravam temas como erotismo, desejo e força primordial, conectando o surrealismo europeu à vitalidade tropical do Brasil.
Ao longo de sua trajetória, Maria expôs em instituições prestigiadas como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e a Bienal de São Paulo. Suas criações conquistaram o respeito de grandes nomes do surrealismo, como André Breton e Marcel Duchamp, com quem manteve uma relação pessoal e artística.
Além da escultura, Maria foi também desenhista, gravurista, escritora e uma promotora ativa da arte moderna no Brasil, colaborando para a fundação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e participando das primeiras Bienais de São Paulo. Seu legado combina uma linguagem artística singular e uma presença marcante no modernismo internacional.
No Palácio Itamaraty, em Brasília, destacam-se duas de suas esculturas: "A Mulher e Sua Sombra" e "O Canto da Noite", ambas doadas pela artista em 1970, por ocasião da instalação do Palácio na nova capital.
Quebrando tabus
Maria Martins nasceu em 7 de agosto de 1894, em Campanha, Minas Gerais, em uma família influente: seu pai, João Luiz Alves, foi senador e ministro da Justiça.
Criada em um ambiente marcado pelo rigor patriarcal, casou-se em 1915 com Otávio Tarquínio de Sousa, um historiador renomado e biógrafo de Dom Pedro I, com quem teve duas filhas. No entanto, a união foi marcada por conflitos, levando Maria a tomar a decisão ousada para a época de se desquitar em 1925.
O rompimento, além de lhe custar a guarda de uma das filhas, desafiou as rígidas convenções sociais do período, destacando sua coragem e desejo de liberdade pessoal, que posteriormente moldariam tanto sua vida quanto sua arte.
Amores livres
A vida pessoal de Maria Martins foi marcada por amores intensos e complexos. Seu relacionamento com Marcel Duchamp foi uma parceria artística e romântica.
Já o casamento com o diplomata Carlos Martins permitiu que ela transitasse entre os círculos políticos e culturais mais influentes do mundo. O casal compartilhou uma relação de solidariedade e liberdade, mesmo em meio a desafios e perdas pessoais, como a morte de filhos.
O caso de amor entre Maria Martins e Benito Mussolini, que teria ocorrido em 1923, é um episódio envolto em mistério e fascínio. Embora mencionado de forma breve em sua biografia, escrita pela jornalista Ana Arruda Callado, intitulada Maria Martins - Uma Biografia (Gryphus), foi confirmado pela filha da artista.
Diplomacia
A vivência como embaixatriz em países como Japão, Bélgica e Estados Unidos ampliou sua visão de mundo, influenciando não apenas sua arte, mas também sua escrita.
Em seus livros, Maria registrou sua perspectiva única sobre momentos históricos, incluindo a ascensão do nazismo e os impactos da Segunda Guerra Mundial.
Documentário
O documentário Maria, Não Esqueça que Eu Venho dos Trópicos, dirigido por Elisa Gomes e Francisco Martins, oferece um mergulho profundo na vida e obra de Maria. O filme reúne depoimentos de historiadores, artistas, familiares e especialistas em arte para resgatar trajetória multifacetada de Maria.
Assista ao trailer
Maria Martins transcendeu fronteiras culturais, artísticas e políticas. Sua entrevista com Mao Zedong simboliza o impacto da diplomacia cultural no cenário global, enquanto sua arte continua a inspirar novas gerações.
No Brasil, Maria é muitas vezes comparada a Tarsila do Amaral, mas seu reconhecimento ainda carece de maior alcance.
Hoje, Maria Martins é celebrada como uma mulher que desafiou convenções e moldou seu próprio caminho. Sua vida, marcada por inquietação criativa e coragem, permanece como um exemplo do poder transformador da arte e da diplomacia.