CHINA EM FOCO

China pede calma a chineses na Coreia do Sul

Em meio ao golpe cancelado pelo presidente Yoon Suk-yeol, embaixada chinesa em Seul orienta cidadãos ; dois povos têm relações milenares e complexas

Yoon Suk-yeol e Xi Jinping.Presidentes da Coreia do Sul e da China em Pequim apertam as mãos em frente às bandeiras nacional dos respectivos países. (16/11/22) Créditos: Xinhua
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A Embaixada da China na Coreia do Sul alertou os cidadãos chineses no país para manterem a calma, acompanharem as mudanças na situação política, aumentarem a consciência sobre segurança.

A diplomacia também orientou seus cidadãos a reduzirem saídas desnecessárias, serem cautelosos ao expressar opiniões políticas e cumprirem as ordens oficiais emitidas pelo governo sul-coreano. Quase um milhão de chineses moram na Coreia do Sul e representam cerca de 44% da população estrangeira no país. 

Golpe cancelado

O aviso foi dado no contexto do golpe de Estado liderado pelo presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, tramado com ajuda dos militares. Ele acabou voltando atrás na intenção golpista e, na madrugada desta quarta-feira (4) na Ásia, anunciou a suspensão da lei marcial declarada no dia anterior, em meio a pressões internas e internacionais.

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Em um discurso emergencial transmitido na noite de terça-feira, Yoon havia afirmado que a declaração de lei marcial era necessária para "erradicar forças contra o Estado e defender a ordem constitucional livre". 

O presidente argumentou que a medida visava garantir liberdade, segurança e sustentabilidade nacional, comprometendo-se a "normalizar o país o mais rápido possível".

No entanto, a lei marcial enfrentou forte resistência da Assembleia Nacional, que aprovou uma resolução exigindo sua revogação, e foi amplamente criticada pela oposição, por aliados políticos de Yoon e pela sociedade civil. 

O Partido Democrático, principal força de oposição, classificou a declaração como "inconstitucional" e "um ataque à democracia".

Impacto da Declaração de Lei Marcial

O comando da lei marcial havia emitido decretos severos, proibindo todas as atividades políticas relacionadas ao parlamento, conselhos locais e partidos políticos, além de reuniões, greves e manifestações. 

O controle sobre os meios de comunicação foi estabelecido, e foi ordenado que todos os médicos em greve retornassem ao trabalho em até 48 horas.

Com a decisão de suspender a lei marcial, resta saber como o governo sul-coreano buscará restabelecer a normalidade política em um momento de crescente tensão e instabilidade no país. A situação segue sendo monitorada de perto pela comunidade internacional.

Disputa política

De acordo com a principal agência de notícias da Coreia do Sul, Yonhap, a decisão do golpe de Estado foi tomada depois que o principal Partido Democrático (DP, da sigla em inglês), de oposição, aprovou uma versão reduzida do projeto de lei orçamentária no comitê de orçamento parlamentar e apresentou moções de impeachment contra um auditor estatal e o procurador-geral.

O DP convocou seus legisladores com urgência para a Assembleia Nacional na noite de terça-feira, após a declaração de lei marcial de emergência pelo presidente Yoon Suk-yeol.

O líder do partido de oposição, Lee Jae-myung, chamou a declaração de lei marcial de emergência de Yoon de "inconstitucional", condenando-a como uma medida que "vai contra o povo".

"O presidente Yoon declarou lei marcial de emergência sem motivo", disse Lee.

Coreia do Sul como ferramenta dos EUA 

A diplomacia chinesa não tem o hábito de comentar assuntos internos de outros países. Mas no contexto geopolítico da Ásia, a Coreia do Sul desempenha um papel estratégico fundamental na política dos Estados Unidos para conter a influência crescente da China na região do Indo-Pacífico. 

A presença militar estadunidense em território sul-coreano é uma das mais robustas e estratégicas do mundo, com cerca de 28.500 soldados estacionados em várias bases ao longo do território sul-coreano.

Recentemente, Seul tem fortalecido suas relações com Washington e Tóquio, participando de iniciativas trilaterais que visam coordenar políticas de segurança e defesa. 

Essas ações são percebidas como esforços para contrabalançar a influência chinesa e lidar com ameaças regionais, como a da Coreia do Norte. 

No entanto, a Coreia do Sul enfrenta o desafio de equilibrar sua aliança com os EUA e suas relações econômicas com a China, seu maior parceiro comercial. 

Essa posição requer uma diplomacia cuidadosa para evitar antagonizar Pequim enquanto colabora com Washington em questões de segurança. 

Coreia do Sul e Taiwan

A China mantém uma postura firme em relação às interações da Coreia do Sul com Taiwan, refletindo sua política de "Uma China", que considera Taiwan uma província rebelde. Pequim expressa consistentemente oposição a qualquer forma de contato oficial entre Taiwan e outros países, incluindo a Coreia do Sul.

Em março de 2024, a China manifestou forte objeção à participação de Taiwan na "Cúpula pela Democracia" realizada em Seul, organizada com o apoio dos Estados Unidos. Na ocasião o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, enfatizou a oposição veemente de Pequim ao convite feito pela Coreia do Sul a Taiwan para participar do evento, reiterando que as tentativas do Partido Democrático Progressista de Taiwan de buscar a "independência" sob pretextos de "democracia" e "direitos humanos" estavam fadadas ao fracasso

Em maio, a China criticou parlamentares sul-coreanos por visitarem Taiwan e participarem da cerimônia de posse do líder taiwanês, considerando a visita contrária à parceria estratégica cooperativa entre China e Coreia do Sul. A embaixada chinesa em Seul instou a Coreia do Sul a tomar ações práticas para salvaguardar os interesses gerais das relações bilaterais.

Relações ancestrais entre China e Coreia

As relações entre a China e a Coreia têm uma longa trajetória antes da Segunda Guerra Mundial e da divisão da península coreana.  foi marcada por séculos de interação cultural, política e econômica, com períodos de cooperação e tensão. 

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A península coreana, influenciada pela proximidade geográfica com a China, desenvolveu uma relação de interdependência e influência mútua que moldou a história de ambas as regiões.

Durante grande parte da história, especialmente sob as dinastias chinesas, a Coreia participou de um sistema tributário em que reconhecia a China como a potência hegemônica da região. 

Este sistema não implicava submissão total, mas era uma relação diplomática que garantia proteção militar e benefícios comerciais.

A Coreia adotou muitas práticas culturais e políticas da China, incluindo o uso de caracteres chineses (Hanja), o confucionismo como base para a administração governamental, e o budismo, que foi amplamente disseminado a partir da China.

A Coreia adaptou essas influências à sua cultura local e desenvolveu características próprias. As trocas comerciais entre a China e a Coreia eram intensas, abrangendo produtos agrícolas, cerâmicas, seda e tecnologia militar.

Embora predominantemente cooperativa, a relação também incluiu conflitos. O reino de Goguryeo, por exemplo, resistiu repetidamente às invasões das dinastias chinesas Sui (581–618) e Tang (618–907).

A Coreia também serviu como uma zona tampão estratégica em guerras regionais, como a guerra sino-japonesa (1894-1895), que envolveu a disputa pela influência sobre a península coreana.

Transição nos Séculos 19 e 20

Durante o século 19, o poder da China na região enfraqueceu devido à pressão das potências ocidentais e ao declínio interno. A Coreia começou a buscar maior independência diplomática, apesar de permanecer culturalmente próxima à China.

Após a Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), o Japão substituiu a China como principal influenciador da Coreia, formalizando a anexação da península em 1910.

Ao longo do domínio japonês, muitos coreanos se voltaram para a China em busca de apoio para a resistência contra o colonialismo japonês. Figuras proeminentes do movimento de independência coreano, como Kim Gu, buscaram refúgio e suporte na China.

China na Guerra da Coreia

A participação da China na Guerra da Coreia (1950-1953) foi influenciada por fatores históricos, culturais e geopolíticos que moldaram sua decisão de intervir no conflito.

Após a Segunda Guerra Mundial, a China emergiu de um período prolongado de instabilidade interna, incluindo a Guerra Civil Chinesa, que resultou na vitória do Partido Comunista Chinês em 1949. 

A recém-estabelecida República Popular da China buscava consolidar seu poder e afirmar sua soberania. Culturalmente, havia um forte sentimento nacionalista e uma determinação em resistir à dominação estrangeira, influenciados por um século de intervenções e humilhações por potências estrangeiras.

No cenário internacional, a Guerra Fria estava em pleno andamento, com os Estados Unidos e a União Soviética competindo por influência global. 

A península coreana, dividida em duas zonas de ocupação após a derrota do Japão em 1945, tornou-se um ponto focal dessa rivalidade. 

A Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética, e a Coreia do Sul, apoiada pelos Estados Unidos, representavam as frentes dessa divisão ideológica.

A intervenção chinesa foi motivada por várias considerações geopolíticas. A China compartilhava uma extensa fronteira com a Coreia do Norte. A presença de forças hostis próximas ao seu território era percebida como uma ameaça direta à segurança nacional.

Como uma nação comunista recém-estabelecida, a China buscava apoiar outros movimentos comunistas na região, alinhando-se com a Coreia do Norte contra as forças capitalistas.

Embora a China e a União Soviética compartilhassem ideologias semelhantes, havia tensões subjacentes. A participação na guerra permitiu à China afirmar sua independência e importância no bloco comunista, não sendo meramente um "proxy" soviético.

Intervenção Chinesa

Em outubro de 1950, após as forças da ONU, lideradas pelos EUA, cruzarem o paralelo 38 e se aproximarem do rio Yalu, fronteira natural entre a China e a Coreia do Norte, a China decidiu intervir diretamente. 

Tropas chinesas, denominadas "Voluntários do Povo Chinês", cruzaram para a Coreia do Norte, resultando em uma série de ofensivas que empurraram as forças da ONU de volta ao sul.

A intervenção chinesa teve impactos significativos. A guerra demonstrou a capacidade da China de enfrentar forças ocidentais, elevando seu prestígio internacional. Consolidou o regime comunista internamente, promovendo unidade nacional em torno da resistência ao imperialismo. Estabeleceu a China como uma potência regional influente, capaz de intervir em assuntos internacionais.

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