CHINA EM FOCO

O diplomata chinês que viu o Muro de Berlim subir e cair

Mei Zhaorong foi fundamental para as relações entre China e Alemanha

Créditos: Fotomontagem (Diário do Povo) - Mei Zhaorong (1934-2023) foi diplomata que ajudou a moldar a política externa chinesa após o fim da Guerra Fria. Começou a carreira como tradutor de Mao Zedong.
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O diplomata chinês Mei Zhaorong tem uma história que poucos podem contar. Diplomata em uma época de muros e divisões, foi o único representante chinês a testemunhar tanto a construção quanto a queda do Muro de Berlim.

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Em suas memórias, segundo relata o Diário do Povo, principal órgão de imprensa do Partido Comunista da China (PCCh), Mei relembra o choque do dia em que a barreira foi erguida e descreve a sangria de talentos que enfraquecia a Alemanha Oriental.

"De um dia para o outro, arame farpado separava Berlim em duas. Descobrimos a divisão pela manhã, quando a cidade já estava partida, um sinal visível de uma luta acirrada entre os blocos oriental e ocidental", conta.

Com o tempo, o muro ganhou altura e força, uma muralha que parecia intransponível. Na noite de 9 de novembro de 1989, uma mensagem em um pedaço de papel foi lida casualmente por um porta-voz do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), Günter Schabowski, que acendeu a faísca que levaria à queda do muro.

"Depois de ouvir a notícia, multidões correram para o muro. Os guardas, sem saber o que fazer, abriram caminho."

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Assim como vivenciou o muro subir, Mei também viu a parede de concreto e ferro, da divisão de uma cidade que parecia eterna, cair.

Trajetória que ajudou a moldar a diplomacia chinesa

Ex-embaixador da China na Alemanha e ex-presidente da Associação do Povo Chinês para a Diplomacia, Mei morreu em Pequim no dia 22 de novembro de 2023, aos 89 anos. Diplomata de carreira e destacado membro do PCCh, ele foi uma figura central nas relações sino-alemãs durante a segunda metade do século 20.

Nascido em fevereiro de 1934, em Chongming (atualmente parte de Xangai), Mei ingressou no serviço público em 1951 e filiou-se ao PCCh em 1953. No mesmo ano, foi enviado à Alemanha Oriental para estudar língua e literatura germânica na Universidade Karl Marx em Leipzig, consolidando seu papel como um dos principais especialistas em relações sino-alemãs.

Após seu retorno à China, Mei ocupou postos estratégicos no Ministério das Relações Exteriores da China, incluindo o cargo de vice-diretor do Departamento de Assuntos da União Soviética e Leste Europeu e diretor do Departamento de Assuntos da Europa Ocidental. Em 1988, foi nomeado embaixador na Alemanha Ocidental, cargo que ocupou até 1997. Em 1992, foi promovido ao nível de vice-ministro, tornando-se um dos mais altos representantes chineses na Europa.

De 1997 a 2003, Mei presidiu a Associação do Povo Chinês para a Diplomacia, período em que ajudou a fortalecer os laços internacionais da China. Desde 2012, era pesquisador especial do Instituto de Estudos Internacionais da China, contribuindo com análises estratégicas sobre o papel da China no cenário global.

Olhar privilegiado sobre as mudanças do mundo

A queda do Muro de Berlim, em 1989, impactou profundamente o cenário global, ressoando especialmente entre os países socialistas e levando a China a um processo de reflexão e adaptação.

A partir do olhar atento de Mei, que observava de perto o colapso das nações socialistas do Leste Europeu, a liderança chinesa conduziu uma análise cautelosa sobre os desdobramentos e optou por um caminho reformista que equilibrasse abertura econômica e estabilidade política.

Para a China, o fim do Muro de Berlim não representou uma mudança abrupta de direção, mas um incentivo para aprofundar seu modelo de "socialismo com características chinesas".

As reformas econômicas iniciadas na década de 1980 foram mantidas e ampliadas, com um foco cada vez maior em desenvolvimento e crescimento econômico, enquanto o controle político permanecia firme.

Esse processo levou à aceleração de uma série de ajustes econômicos, como a criação de zonas econômicas especiais e a abertura gradual ao investimento estrangeiro, consolidando a transição para uma economia de mercado controlada pelo Estado.

Embora o cenário mundial parecesse caminhar para uma abertura democrática nos antigos países socialistas, a China optou por uma abordagem distinta, adaptando o socialismo aos moldes de uma economia de mercado.

A liderança chinesa, atenta ao impacto da queda do muro, reafirmou sua postura de que a modernização econômica não exigia necessariamente uma reforma política ampla, mantendo o PCCh como força central.

Personagens-chave da diplomacia chinesa

Mei Zhaorong é um personagem central para a história da diplomacia chinesa, sobretudo no Leste Europeu, justamente em um momento em que o país asiático saía de um período de isolamento para um papel de liderança ativa na política e na economia globais.

Mas é impossível falar sobre diplomacia chinesa sem citar Zhou Enlai (1898–1976), figura central na história da República Popular da China que atuou como o primeiro primeiro-ministro do país desde sua fundação em 1949 até sua morte em 1976. Além disso, exerceu o cargo de ministro das Relações Exteriores de 1949 a 1958.

Como um dos principais líderes do PCCh, Zhou desempenhou um papel crucial na consolidação do poder comunista e na formulação da política externa chinesa.

Cinco princípios da diplomacia chinesa

Os fundamentos da diplomacia chinesa começaram a tomar forma após a fundação da República Popular da China em 1949, sob a liderança de Mao Zedong e com o apoio fundamental de Zhou Enlai.

Os princípios diplomáticos iniciais visavam afirmar a soberania da China e promover sua posição no cenário global, especialmente através de políticas de não intervenção e independência em relação aos blocos de poder da Guerra Fria.

Os princípios da diplomacia chinesa foram formalizados pela primeira vez em 1953, com a introdução dos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica:

  1. Respeito à soberania e à integridade territorial
  2. Não-agressão
  3. Não-interferência nos assuntos internos
  4. Igualdade e o benefício mútuo 
  5. Coexistência pacífica

Evolução da diplomacia chinesa

Anos 1940-1950: Primeiros Passos e Alinhamento Ideológico

1949: Fundação da República Popular da China (RPC). A diplomacia chinesa é inicialmente moldada pelo alinhamento com a União Soviética e outros países socialistas.

1953: Introdução dos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica por Zhou Enlai, então primeiro-ministro, estabelecendo os alicerces da diplomacia chinesa.

Anos 1960: Isolamento e Autossuficiência

Durante este período, a diplomacia chinesa se afasta da União Soviética devido a divergências ideológicas. A China adota a política de autossuficiência e desenvolve uma postura mais independente em relação à política internacional.

1964: China propõe a Teoria dos Três Mundos de Mao Zedong, classificando o mundo em três categorias para expressar a oposição às superpotências (EUA e URSS) e apoiar as nações em desenvolvimento.

Anos 1970: Reintegração Internacional

1971: A China assume o assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, substituindo Taiwan. Este evento marca um momento-chave na reintegração internacional da China.

1972: Visita do presidente dos EUA Richard Nixon à China. Esse encontro simboliza a abertura diplomática da China e o início da normalização das relações com os Estados Unidos.

Anos 1980: Reforma e Abertura

1978: Lançamento das políticas de reforma e abertura sob a liderança de Deng Xiaoping. A China adota uma diplomacia voltada para o desenvolvimento econômico, buscando cooperação internacional.

1982: Introdução do conceito de socialismo com características chinesas e reafirmação dos Cinco Princípios de Coexistência Pacífica como a base da política externa.

1987: No 13º Congresso do PCCh, é destacada a política de paz e desenvolvimento como os temas principais da diplomacia chinesa.

Anos 1990: Desenvolvimento e Integração Econômica

1997: Retorno de Hong Kong à China. Esse evento reforça o princípio de um país, dois sistemas, adotado também para Macau em 1999.

1999: Estabelecimento de uma política de "parceria estratégica" com várias nações, sinalizando uma diplomacia ativa voltada para relações mutuamente benéficas.

Anos 2000: Diplomacia Pacífica e Cooperação Multilateral

2001: Ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), reforçando a integração econômica global.

2003: Adoção da política de desenvolvimento pacífico, enfatizando que o crescimento da China não representa uma ameaça para outras nações.

2005: China introduz o conceito de um mundo harmonioso, destacando a paz, o desenvolvimento e a cooperação como pilares das relações internacionais.

Anos 2010: Iniciativa Cinturão e Rota e a Diplomacia de Grande Potência

2013: Lançamento da Iniciativa Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda, focada na cooperação econômica e infraestrutura para promover o desenvolvimento global.

2017: No 19º Congresso do PCCh, Xi Jinping propõe a construção de uma comunidade de destino compartilhado para a humanidade, ampliando o alcance da diplomacia chinesa e promovendo um modelo de governança global inclusivo e cooperativo.

Anos 2020: Multilateralismo e Cooperação Global

2021: O 14º Plano Quinquenal reafirma a estratégia de desenvolvimento pacífico e a promoção da globalização inclusiva.

2023: Cúpula do BRICS destaca a cooperação Sul-Sul, promovendo uma diplomacia de solidariedade entre países em desenvolvimento.

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