CHINA EM FOCO

China: entenda o silêncio de Xi Jinping sobre a vitória de Trump

Ao contrário de lideranças ocidentais, presidente chinês adota postura pragmática sobre o tema

Créditos: Xinhua - Xi Jinping e Donald Trump se encontram às margens da Cúpula do G20 em Osaka, no Japão, em junho de 2019
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A política da China em relação aos EUA é consistente, e o país continuará a lidar com as relações sino-estadunidenses com base nos princípios de respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação de benefício mútuo.

Esse foi o comentário oficial de Pequim sobre a vitória de Donald Trump sobre Kamala Harris na disputa pela Casa Branca. Mas, até agora, o presidente Xi Jinping ainda não falou nada, o que deve ocorrer nos próximos dias.

A declaração sobre as eleições dos EUA foi feita pelo Ministério das Relações Exteriores nesta quarta-feira (6) por meio da porta-voz Mao Ning. A fala, durante coletiva regular de imprensa, foi em resposta ao possível impacto do resultado das eleições presidenciais dos EUA nas relações bilaterais.

A outra pergunta relacionada ao resultado da acirrada disputa entre Trump e Harris e à possibilidade de novas tarifas dos EUA sobre produtos chineses, Mao afirmou que a eleição presidencial dos EUA é um assunto interno do país.

“Respeitamos a escolha do povo americano. Quanto às tarifas, não respondemos a perguntas hipotéticas.”

Sem parabéns de Xi Jinping

Até o momento, Xi Jinping não enviou mensagem de felicitações para Trump. O que não é nada fora da curva. Em 2020, após a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais dos EUA, o presidente chinês enviou uma mensagem de parabéns em 25 de novembro, 18 dias depois da vitória eleitoral do democrata.

Naquela mensagem, Xi enfatizou que promover o desenvolvimento saudável e estável das relações China-EUA não só atende aos interesses fundamentais dos povos de ambos os países, mas também corresponde às expectativas comuns da comunidade internacional.

Xi  expressou a esperança de que ambas as nações mantenham um espírito de não-conflito, não-confronto, respeito mútuo e cooperação de benefício mútuo, focando na cooperação, gerenciando as diferenças e promovendo o desenvolvimento saudável e estável das relações bilaterais.

Em 2016, após a primeira eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos, Xi enviou uma mensagem de congratulações mais rápido, quatro dias depois do pleito, em 9 de novembro.

Na mensagem para o republicano que havia vencido a democrata Hillary Clinton, Xi afirmou que, como as duas maiores economias do mundo, China e EUA compartilham uma responsabilidade especial em manter a paz e a estabilidade globais.

Na ocasião, ele expressou o mesmo desejo dito a Binde: trabalhar com Trump para expandir a cooperação em diversos campos, com base nos princípios de não-conflito, não-confronto, respeito mútuo e cooperação de benefício mútuo.

Perspectivas da China de uma nova era Trump

A volta de Trump à presidência dos EUA eleva as preocupações da China com uma intensificação das tensões comerciais e de segurança.

Durante sua campanha, o republicano indicou que retomaria uma abordagem rigorosa contra a potência asiática, prometendo tarifas generalizadas de até 60% sobre produtos chineses e ameaçando revogar o status de nação mais favorecida da China.

Na segunda-feira (4), em um dos últimos comícios de campanha em Pittsburgh, na Pensilvânia, Trump declarou que, se eleito, imporia tarifas a produtos do México e da China caso esses países não interrompessem o fluxo de fentanil para os Estados Unidos.

O agora presidente eleito afirmou que aplicaria uma tarifa de 25% sobre bens provenientes do México e adotaria medida semelhante em relação à China. Ele enfatizou que essas ações visavam cessar rapidamente a entrada de drogas nos EUA.

Medidas desse tipo podem impactar diretamente uma economia chinesa com desafios internos, forçando o país a reavaliar suas cadeias de suprimento e expandir alianças com parceiros alternativos.

Oficialmente, Pequim reafirmaram que a política externa chinesa seguirá os princípios de respeito mútuo e cooperação pacífica, buscando evitar confrontos diretos.

Contudo, estrategistas chineses, como Tong Zhao do Carnegie Endowment for International Peace - um influente think tank global focado em temas de política internacional, economia e segurança global sediado em Washington, D.C. e com escritórios em Bruxelas, Moscou, Nova Délhi, Pequim e Beirute - ,indicam que a retórica e as políticas de Trump podem agravar uma guerra comercial que já trouxe perdas consideráveis à China.

Para mitigar possíveis impactos, analistas sugerem que o país aposte na autossuficiência e fortaleça alianças com outras economias emergentes, como Rússia e países do Sudeste Asiático.

Mercados e segurança regional em alerta

A vitória de Trump trouxe instabilidade aos mercados asiáticos, com o yuan e as principais bolsas da China registrando quedas significativas.

O índice CSI300 caiu 0,5%, enquanto o Hang Seng recuou 2,3%. Empresas como JD.com e Alibaba também sofreram com desvalorizações em torno de 4%. Analistas calculam que as tarifas propostas poderiam reduzir em até 2,4 pontos percentuais o crescimento do PIB chinês.

Na segurança regional, Trump também gera apreensão. Em declarações recentes, ele sugeriu que Taiwan pague pelos serviços de defesa dos EUA, o que intensifica o embate com Pequim sobre a "autonomia" da ilha.

A possível ampliação das vendas de armas e apoio diplomático dos EUA a Taiwan poderia acirrar ainda mais as tensões no estreito, cenário que os estrategistas chineses buscam evitar a todo custo.

Implicações para tecnologia e parcerias globais

Trump promete uma abordagem mais rígida para conter práticas chinesas em tecnologia e propriedade intelectual. Espera-se que, em um segundo mandato, ele aumente as restrições a empresas chinesas, com foco em setores estratégicos como semicondutores e inteligência artificial, reforçando a segurança econômica dos EUA.

A China, por sua vez, pode intensificar seus investimentos em tecnologia doméstica para reduzir sua dependência externa e mitigar a pressão de Washington.

Em meio a esses desafios, a China deve fortalecer laços com o Sul Global e Europa, e explorar oportunidades de liderança onde os EUA possam recuar.

Especialistas, como o professor Brian Wong, da Universidade de Hong Kong, sugerem que Pequim está pronta para consolidar sua influência em áreas geopolíticas e econômicas estratégicas caso a administração americana adote uma postura isolacionista.

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