A China rebateu com firmeza os comentários feitos por uma alta autoridade dos Estados Unidos durante visita ao Brasil. A representante de Washington fez observações classificadas pela diplomacia chinesa como "irresponsáveis" a respeito da possível adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda, um projeto global de infraestrutura e investimentos liderado pela potência asiática.
O porta-voz da Embaixada chinesa chamou as fala da enviada do governo dos EUA como uma falta de respeito ao Brasil e ressaltou que o país é soberano e não precisa ser instruído por outras nações sobre suas escolhas de cooperação internacional.
Te podría interesar
"O Brasil merece ser respeitado. É uma grande nação que defende sempre sua independência e tem grande projeção internacional", afirmou a Embaixada.
A China destacou que a cooperação sino-brasileira, ao longo de mais de 50 anos de relações diplomáticas, tem sido mutuamente benéfica, contribuindo para o desenvolvimento econômico de ambos os países.
Te podría interesar
A declaração destacou que a China é o maior parceiro comercial e a principal fonte de superávit comercial do Brasil. A Embaixada questionou a visão de que essa parceria representaria um risco: "Essa visão contraria os fatos e a lógica básica", apontou.
A Iniciativa Cinturão e Rota, segundo a China, busca promover a globalização inclusiva e cooperação internacional baseada no respeito mútuo e na consulta conjunta.
"Diferentemente de certas pessoas, jamais coagiríamos nossos amigos a abandonarem parceiros específicos para se juntarem a nós", reforçou a Embaixada, em uma clara crítica à postura americana.
Por fim, o comunicado reafirmou o compromisso da China com o fortalecimento das relações bilaterais com o Brasil para trazer benefícios concretos para os dois países e contribuir positivamente para a comunidade internacional.
A resposta da China ocorre em meio a um cenário de tensões geopolíticas, com os Estados Unidos e a China em disputa por influência sobre economias emergentes, como a do Brasil, que ainda não tomou uma decisão definitiva sobre sua participação na Iniciativa Cinturão e Rota.
Leia aqui a nota da Embaixada da China no Brasil na íntegra.
Entenda a declaração dos EUA
O pronunciamento chinês ocorreu em resposta a declarações feitas pela representante de Comércio dos Estados Unidos, Katherine Tai. A fala dela foi feita na quarta-feira (23), durante evento promovido pela Bloomberg Media, em São Paulo (SP), que discutiu a crescente disputa geopolítica entre EUA e China.
"O Brasil deve realmente pensar sobre qual é o melhor caminho para aumentar a resiliência de sua economia", disse Tai.
Ela ainda destacou a necessidade de uma "lente objetiva" e "gerenciamento de riscos" ao avaliar possíveis parcerias comerciais.
“Soberania é fundamental, e essa é uma decisão do governo brasileiro. Mas eu encorajaria meus amigos no Brasil a olhar a proposta com as lentes da objetividade, com as lentes da gestão de risco”, afirmou Tai.
Adesão do Brasil à Nova Rota da Seda
O governo Lula está diante da decisão se vai ou não aderir à Nova Rota da Seda, o ambicioso projeto de infraestrutura e desenvolvimento lançado pela China em 2013 e que é oficialmente chamado de Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês).
O objetivo da BRI é fortalecer as ligações comerciais entre a China e mais de 140 países com investimento em projetos como estradas, ferrovias, portos, aeroportos e parques industriais. O foco está em regiões da Ásia, Europa, África e América Latina e o plano é expandir a influência econômica e política da potência globalmente, facilitar o comércio internacional e impulsionar o desenvolvimento econômico.
Até o momento, o projeto já gerou 2 trilhões de dólares em contratos e abrange investimentos em infraestrutura, energia e tecnologia. Para muitos países, a adesão à iniciativa representa uma oportunidade de acesso a financiamentos e desenvolvimento, embora existam preocupações sobre a dependência financeira em relação à China e os impactos nas indústrias locais.
O presidente da China, Xi Jinping, estará no Brasil para a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, e sua visita a Brasília é vista como uma oportunidade para fortalecer laços com o gigante asiático. Há expectativa se haverá ou não adesão brasileira à Nova Rota da Seda.
A cautela prevalece no Planalto, onde a ideia é evitar uma adesão "automática" à Nova Rota da Seda e priorizar o interesse brasileiro e proteger setores estratégicos da economia.
A ala política, que inclui o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa; o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, e a ex-presidenta Dilma Rousseff, defende fortemente a adesão do Brasil à iniciativa chinesa.
Dilma é a voz mais ativa em defesa da entrada do Brasil na Nova Rota da Seda. Ela atualmente à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco do BRICS, em Xangai. Ela acredita que o Brasil deve aproveitar as oportunidades oferecidas pela parceria com a China, especialmente no que diz respeito a investimentos em infraestrutura.
Por outro lado, a ala econômica se mostra mais cautelosa. Liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, a equipe econômica sugere que a adesão à Rota da Seda inclua condicionantes, como a transferência de tecnologia e a proteção da produção industrial nacional. A preocupação é evitar que o acordo beneficie desproporcionalmente a China, ampliando as desigualdades comerciais.
Pressão de setor da indústria nacional
A indústria brasileira, por meio da Coalizão Indústria, manifestou suas preocupações em relação à possível adesão do Brasil à Nova Rota da Seda. Formada por diversas entidades e associações de setores como siderurgia, manufatura, química e alimentos, a coalizão alerta para os impactos negativos que o acordo pode ter sobre a competitividade da indústria nacional.
O grupo teme que a entrada do Brasil na iniciativa amplie a desigualdade comercial com a China, levando a uma "concorrência desleal" em setores estratégicos e resultando na perda de empregos. Empresários argumentam que, embora o projeto possa trazer benefícios em infraestrutura e financiamento, é essencial que o país negocie condições que incluam a transferência de tecnologia e mecanismos de proteção à indústria nacional.
A pressão da coalizão reforça a importância de o governo brasileiro considerar cuidadosamente as implicações econômicas e estratégicas antes de aderir ao projeto chinês, especialmente em um cenário de crescente dependência comercial com a China.
Benefícios estratégicos e econômicos
Caso decida aderir à Nova Rota da Seda, o Brasil poderá acessar recursos financeiros significativos para grandes projetos, como portos, rodovias e ferrovias, além de oportunidades em áreas como energia e tecnologia. Esses investimentos prometem melhorar a competitividade do país no cenário internacional.
A parceria com a China, principal parceiro comercial do Brasil, também abriria portas para a ampliação das exportações brasileiras, especialmente de commodities agrícolas e minerais, fortalecendo ainda mais as relações comerciais entre os dois países.
Além disso, a adesão permitiria ao Brasil diversificar suas fontes de financiamento, reduzindo a dependência de mercados ocidentais e obtendo melhores condições de crédito para o desenvolvimento de infraestrutura.
A colaboração com a China também pode facilitar a transferência de tecnologia em áreas estratégicas como energias renováveis e telecomunicações, ajudando a modernizar o parque industrial brasileiro.
A participação na Nova Rota da Seda é vista como uma oportunidade para o Brasil fortalecer sua posição em um mundo multipolar, assumindo um papel mais ativo em questões globais e nas discussões sobre governança do comércio internacional.
O governo brasileiro considera a adesão como uma forma de financiar obras dentro do Novo PAC, ampliando a competitividade e impulsionando o crescimento econômico.
Siga os perfis da Revista Fórum e da jornalista Iara Vidal no Bluesky