O governo Lula está diante da decisão se vai ou não aderir à Nova Rota da Seda, o ambicioso projeto de infraestrutura e desenvolvimento lançado pela China em 2013 e que é oficialmente chamado de Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês).
O objetivo da BRI é fortalecer as ligações comerciais entre a China e mais de 140 países com investimento em projetos como estradas, ferrovias, portos, aeroportos e parques industriais. O foco está em regiões da Ásia, Europa, África e América Latina e o plano é expandir a influência econômica e política da potência globalmente, facilitar o comércio internacional e impulsionar o desenvolvimento econômico.
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Até o momento, o projeto já gerou 2 trilhões de dólares em contratos e abrange investimentos em infraestrutura, energia e tecnologia. Para muitos países, a adesão à iniciativa representa uma oportunidade de acesso a financiamentos e desenvolvimento, embora existam preocupações sobre a dependência financeira em relação à China e os impactos nas indústrias locais.
Xi Jinping estará no Brasil para a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, e sua visita a Brasília é vista como uma oportunidade para fortalecer laços com o gigante asiático. Há expectativa se haverá ou não adesão brasileira à Nova Rota da Seda.
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No entanto, a cautela prevalece no Planalto, onde a ideia é evitar uma adesão "automática" à Nova Rota da Seda e priorizar o interesse brasileiro e proteger setores estratégicos da economia.
Brasil vai ou não aderir?
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, liderou na semana passada uma delegação brasileira em negociações na China, com o objetivo de avançar nas tratativas. Para o governo Lula, um acordo robusto seria um trunfo político para o presidente ao consolidar as relações bilaterais com a potência asiática em um momento de fragmentação na América Latina.
Costa compartilhou um balanço da viagem à China pelas redes sociais, mas não antecipou se o Brasil vai ou não entrar na BRI.
A Casa Civil se posiciona como uma das principais defensoras da adesão. Costa enxerga a iniciativa como uma fonte de recursos para financiar o Novo PAC.
A visão é compartilhada por Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais do presidente Lula, que vê no acordo uma forma de reforçar a multipolaridade mundial e abrir novas frentes de cooperação para o Brasil.
Reportagem da Folha de S.Paulo do dia 18 de outubro conta que o tema tem gerado debate interno no governo brasileiro, expondo divergências entre diferentes alas.
A ala política, reforçada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, atualmente à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco dos BRICS, em Xangai, defende fortemente a adesão do Brasil à iniciativa chinesa. Dilma acredita que o Brasil deve aproveitar as oportunidades oferecidas pela parceria com a China, especialmente no que diz respeito a investimentos em infraestrutura.
Por outro lado, a ala econômica se mostra mais cautelosa. Liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, a equipe econômica sugere que a adesão à Rota da Seda inclua condicionantes, como a transferência de tecnologia e a proteção da produção industrial nacional. A preocupação é evitar que o acordo beneficie desproporcionalmente a China, ampliando as desigualdades comerciais.
Pressão da indústria nacional
Enquanto isso, a indústria brasileira se organizou na Coalizão Indústria, uma aliança formada por diversas entidades e associações representativas do setor industrial brasileiro, para expressaer preocupação com o impacto de um possível acordo no setor e temor na ampliação da desigualdade comercial com a China.
A coalizão reúne organizações de setores como siderurgia, manufatura, química, alimentos, entre outros, para dialogar com o governo e outros stakeholders em temas estratégicos, como políticas industriais, comércio exterior, inovação e infraestrutura.
Esse grupo desempenha uma voz poderosa nas discussões sobre a possível entrada do Brasil na Nova Rota da Seda ao destacar preocupações sobre o impacto que o acordo pode ter na competitividade da indústria brasileira diante da crescente presença da China no mercado local e global.
Esses empresários argumentam que há temos de que a entrada na BRI aumente a "competição desleal", especialmente em setores estratégicos, como siderurgia e manufatura, enfraqueça a produção nacional e resulte em perda de empregos no Brasil.
Embora reconheçam os potenciais benefícios em termos de infraestrutura e financiamento, representantes do setor industrial defendem que o Brasil deve negociar condições rigorosas, como transferência de tecnologia e proteção à indústria nacional, para garantir que o país não sofra desvantagens econômicas.
Mundo multipolar
Os argumentos a favor da entrada do Brasil na Nova Rota da Seda estão centrados em potenciais benefícios econômicos, de infraestrutura e oportunidades estratégicas para o país.
Caso entre na BRI, o Brasil poderá acessar recursos financeiros significativos para grandes projetos de infraestrutura, como portos, rodovias, ferrovias e energia. Esses investimentos podem impulsionar o desenvolvimento regional e nacional, melhorando a competitividade do Brasil no comércio internacional.
A parceria com a China, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, poderia expandir as oportunidades de exportação de produtos brasileiros, como commodities agrícolas e minerais e fortalecer ainda mais o comércio entre os dois países.
Ao aderir à iniciativa, o Brasil poderia diversificar suas fontes de financiamento internacional, reduzir a dependência de mercados ocidentais e obter melhores condições de crédito para projetos de desenvolvimento.
A parceria também pode abrir portas para transferência de tecnologia e cooperação em áreas estratégicas, como inteligência artificial, energias renováveis e telecomunicações, ajudando o Brasil a modernizar seu parque industrial.
A entrada do Brasil na Nova Rota da Seda pode reforçar a posição do país em um mundo multipolar, fortalecer suas relações com a China e outros países em desenvolvimento. Isso pode ajudar o Brasil a desempenhar um papel mais ativo em questões globais, como a governança do comércio internacional.
O governo brasileiro vê a adesão como uma forma de financiar obras de infraestrutura dentro do Novo PAC, que visa melhorar a competitividade do Brasil e impulsionar o crescimento econômico.
Esses argumentos são contrapostos por preocupações da indústria nacional e da ala econômica do governo, que defendem condições para proteger setores estratégicos e garantir que os benefícios do acordo sejam equilibrados.
Nova Rota da Seda na América Latina
A adesão de países da América Latina à Nova Rota da Seda trouxe uma combinação de resultados positivos e desafios, variando conforme o contexto econômico e as estratégias de implementação em cada país.
Entre os países latino-americanos que aderiram à BRI estão Argentina, Chile, Peru, Uruguai, Bolívia, Venezuela, e Panamá. Cada um buscou tirar proveito dos investimentos chineses, principalmente em infraestrutura, energia e telecomunicações. A China se tornou um parceiro estratégico e ofereceu financiamento e expertise técnica para projetos de grande escala.
O Panamá aderiu à BRI em 2017 e busca modernizar sua infraestrutura logística, em especial as áreas portuária e de transporte. Um exemplo de sucesso foi o projeto de modernização do Porto de Colón, que melhorou a capacidade de exportação e a competitividade do Panamá como hub logístico no Atlântico. O país experimentou um aumento de investimentos chineses, que fortaleceram a posição do Panamá no comércio global e ampliaram suas relações com a China.
A Argentina assinou seu acordo com a BRI em 2022 e já recebeu investimentos para o desenvolvimento de usinas de energia renovável, como hidrelétricas e projetos de energia solar no norte do país. Houve esforços para modernizar a infraestrutura ferroviária, o que foi fundamental para melhorar o transporte de produtos agrícolas. O financiamento chinês ajudou o país vizinho a investir em setores essenciais, mesmo durante um período de crise econômica, promovendo emprego e crescimento em regiões menos desenvolvidas.
Armadilha da dívida?
Por outro lado, muitos países que aderiram à BRI enfrentaram o risco de endividamento elevado. A Venezuela, por exemplo, acumulou dívidas significativas com a China devido à queda no preço do petróleo e ao fracasso em cumprir com as promessas de reembolso por meio da exportação de petróleo. Isso criou uma relação de dependência financeira com a China, elevando preocupações sobre soberania econômica e controle chinês sobre recursos naturais.
No Equador, empréstimos vinculados a projetos de infraestrutura também geraram preocupações sobre sustentabilidade financeira a longo prazo, com algumas críticas ao fato de que os benefícios não se materializaram como esperado.
Em resposta à críticas de que a China estaria usando empréstimos para aumentar sua influência política em países endividados, especialmente através da Nova Rota da Seda, conceito que foi batizado de "armadilha da dívida", Pequim nega categoricamente que sua política de empréstimos faça parte de uma estratégia de dominação econômica.
Autoridades chinesas afirmam que os empréstimos concedidos têm como objetivo ajudar no desenvolvimento de infraestrutura em países em desenvolvimento, promovendo o crescimento econômico sustentável. Segundo o governo chinês, os acordos são mutuamente benéficos e baseados em cooperação voluntária.
Quando países encontram dificuldades para pagar suas dívidas, a China geralmente adota uma abordagem flexível. Em vez de exigir o pagamento imediato ou tomar controle de ativos estratégicos, a China tem optado por renegociar prazos ou reestruturar os termos das dívidas. Exemplos incluem países como Sri Lanka e Quênia, onde a potência asiática renegociou acordos de pagamento para aliviar a pressão financeira.
A China também busca diversificar suas formas de cooperação financeira. Além de concessão de empréstimos, o país vem promovendo parcerias público-privadas (PPP) e incentivos a investimentos diretos estrangeiros. Isso permite que projetos sejam financiados por uma combinação de recursos públicos e privados, reduzindo a dependência total dos países em empréstimos chineses.
O governo chinês argumenta que muitos dos projetos financiados pela BRI são investimentos de longo prazo, que precisam de tempo para gerar resultados econômicos positivos. A expectativa é que esses projetos contribuam para o crescimento econômico sustentável dos países parceiros, permitindo que eles possam pagar suas dívidas com o aumento da produtividade e da integração no comércio global.
Em alguns casos, como o porto de Hambantota, no Sri Lanka, onde o país arrendou o porto à China por 99 anos após dificuldades de pagamento, a China argumenta que tais acordos são exceções e foram voluntariamente negociados. O arrendamento foi visto como uma solução mutuamente benéfica, em vez de uma imposição chinesa.
Apesar das justificativas da China, críticos continuam a argumentar que a dependência financeira crescente de países em desenvolvimento em relação a Pequim pode criar vulnerabilidades políticas e econômicas a longo prazo.
Em alguns casos, a dependência excessiva das exportações para a China, especialmente de commodities (minérios, soja, petróleo), aumentou a vulnerabilidade de países como Chile e Peru às variações de preço no mercado internacional. A relação com a China trouxe crescimento econômico, mas também uma concentração de exportações em poucos produtos, o que pode prejudicar a diversificação econômica.
Apesar das críticas e alertas, em vários países, a BRI facilitou a construção e modernização de portos, ferrovias, rodovias e usinas de energia e ampliou a capacidade desses países de participarem do comércio internacional. Países como o Panamá se beneficiaram de uma maior inserção no comércio global e um relacionamento mais próximo com a China, que se tornou um parceiro econômico crucial.
China é principal parceira comercial do Brasil
Independente de aderir ou não à Nova Rota da Seda, a balança comercial entre o Brasil e a China é uma das mais importantes para o Brasil, com a China sendo o principal parceiro comercial do país.
Em 2023, o fluxo comercial total entre os dois países foi de 157 bilhões de dólares, com exportações brasileiras somando 104 bilhões de dólares e as importações da China em 53 bilhões de dólares. As exportações brasileiras para a China são amplamente dominadas por commodities, como soja, minério de ferro e petróleo, enquanto as importações são majoritariamente de produtos manufaturados e tecnológicos.
Essa relação gera consistentemente superávits para o Brasil, principalmente devido à alta demanda chinesa por produtos agrícolas e minerais. No entanto, há desafios relacionados à dependência do Brasil de exportações de baixo valor agregado, o que tem gerado debates sobre a necessidade de diversificar a pauta exportadora.
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