O Brasil quer conversar com a China para aderir à Iniciativa Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda. Nessa conversa, segundo o presidente Lula, o objetivo é saber em qual posição os brasileiros vão jogar. "Nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular".
A afirmação com trocadilho com expressão do futebol foi feita pelo presidente brasileiro durante entrevista concedida a jornalistas estrangeiros no dia 22 de julho, em Brasília (DF). Essa fala repercutiu muito entre os chineses.
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Lula informou ao grupo de correspondentes que se reuniram no Palácio do Planalto que participará da reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) entre os dias 14 e 16 de novembro. Durante esse encontro, a China quer debater com o Brasil o ingresso do país à Nova Rota da Seda.
"A Apec é o Encontro dos Países do Pacífico. O Brasil nunca foi convidado, mas dessa vez eu fui convidado. Aí me disseram que a China quer discutir comigo a Rota da Seda. E eu quero discutir com a China a Rota da Seda. Eu quero saber aonde é que a gente entra, que posição nós vamos jogar, porque nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular", disse Lula.
A Apec, sigla para Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, é um fórum que reúne 21 economias da região do Pacífico, com o objetivo de promover o livre comércio e a cooperação econômica. Foi estabelecida em 1989 para melhorar o crescimento econômico e a prosperidade na região, além de fortalecer a comunidade asiática e do Pacífico. Esta é a primeira vez que o Brasil foi convidado para o evento.
O grupo trabalha para quebrar barreiras comerciais na região da Ásia-Pacífico, criando mercados eficientes e reduzindo custos de comércio, o que é feito por meio do alinhamento regulatório e outras medidas. Também se dedica a facilitar o desenvolvimento econômico e a aumentar a integração econômica entre seus membros.
As reuniões da Apec, que ocorrem regularmente, são fundamentais para discutir estratégias e implementar acordos que promovam uma integração econômica mais profunda entre os países membros. A próxima reunião em Lima, capital do Peru, servirá como uma plataforma para essas discussões, focando em questões de comércio, investimento, sustentabilidade e cooperação econômica.
"Um golaço", diz diplomacia chinesa
A fala de Lula atravessou o planeta e foi um dos assuntos da coletiva regular de imprensa realizada pelo Ministério das Relações Exteriores da China nesta quinta-feira (25), em Pequim.
Ao ser questionada pelo jornalista do jorrnal chinês Global Times sobre a fala de Lula, a porta-voz Mao Ning também recorreu a uma expressão do futebol para expressar o contentamento da China com a perspectiva do Brasil aderir à Nova Rota da Seda.
"O Brasil é o país do futebol. A China dá as boas-vindas ao Brasil para se juntar à família do Cinturão e Rota o mais rápido possível e espera pelos destaques do Brasil na cooperação do Cinturão e Rota", afirmou.
Mao destacou ainda que China e Brasil são grandes países em desenvolvimento, economias emergentes importantes e parceiros estratégicos abrangentes um do outro. A China atribui grande importância à sua relação com o Brasil e essa relação sempre foi uma prioridade na diplomacia chinesa.
"A China está pronta para aproveitar o 50º aniversário das relações diplomáticas como uma oportunidade para trabalhar por uma maior sinergia entre a Iniciativa Cinturão e Rota e as estratégias de desenvolvimento do Brasil, como a Nova Indústria Brasil, e para uma cooperação prática de alto nível e alta qualidade em todos os aspectos entre os dois países, de modo a beneficiar melhor os dois povos e contribuir mais para o desenvolvimento e prosperidade do mundo", finalizou a porta-voz.
O pesquisador brasileiro que mora em Pequim, Filipe Porto, compartilhou o vídeo legendado em português da declaração de Mao sobre a perspectiva de o Brasil aderir à Nova Rota da Seda.
Parceria estratégica ampliada
Durante encontro com os correspondentes estrangeiros nesta semana em Brasília, a primeira pergunta foi feita pelo representante da agência de notícias chinesa Xinhua, Chen Weihua.
Chen perguntou a Lula a avaliação dele sobre o desenvolvimento das relações China-Brasil durante esses 50 anos e as expectativas para a cooperação amistosa entre os dois países nos próximos 50 anos.
Lula destacou o meio século de relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e a China e antecipou que haverá uma grande celebração.
"Nós queremos fazer uma grande festa aqui no Brasil porque o presidente Xi Jinping vai vir em uma visita oficial e nós pretendemos discutir com os chineses uma nova parceria estratégica entre o Brasil e a China", adiantou Lula.
O presidente brasileiro afirmou ainda que vai trabalhar por uma parceria estratégica sino-brasileira que envolva não apenas exportação de commodities, mas que também cooperação em ciência, tecnologia e a produção de chips e software, e que torne a relação Brasil-China "infinitamente maior" e mais próspera e que possa gerar empregos nos dois países.
"Eu estou muito otimista com essa visita do presidente Xi Jinping e estou muito otimista com a reunião do G20. A China é um grande parceiro do Brasil", ressaltou Lula.
Atuação do Brasil pela China na OMC
Lula relembrou que durante o seu primeiro mandato presidencial (2003-2006) o seu governo reconheceu a China como economia de mercado, no cenário de ingresso do país asiático à Organização Mundial do Comércio (OMC).
"Não foi uma tarefa fácil aqui no Brasil porque muita gente não queria que eu reconhecesse a China como economia de mercado. E eu reconheci a China como economia de mercado porque eu queria colocar a China dentro da OMC. Eu não queria que ela ficasse agindo de forma paralela", recordou.
A China ingressou na OMC no dia 11 de dezembro de 2001 e se tornou o 143º membro da organização. Naquela ocasião, a potência asiática concluía uma etapa importante no processo de reforma e abertura iniciado em 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping.
Para Lula, a atitude do seu governo de apoiar a China na OMC foi acertada, pois trouxe o país para o centro das discussões.
"Hoje, embora você possa dizer que a China é um país socialista, você possa dizer que a China é um país que tem um partido único, a verdade é que a China fez com que o capitalismo fosse utilizado em benefício de 1 bilhão e 400 milhões de pessoas. O crescimento da China é inegável. Ninguém pode reconhecer, pode não concordar, mas ninguém pode deixar de reconhecer o que a China fez nesses últimos 30 anos e 40 anos no mundo", destacou o presidente.
Contra uma nova Guerra Fria
Lula ressaltou que a China é um parceiro que o Brasil valoriza e com o qual sempre terá uma relação privilegiada porque interessa estrategicamente aos dois países.
"Nós somos contra a nova Guerra Fria. Ou seja, nós queremos que haja liberdade comercial, haja liberdade diplomática entre os países e não queremos ninguém tentando controlar outros países", explicou
O presidente traçou uma linha do tempo do progresso chinês no mercado internacional. Relembrou de nos anos 1980 muitos empresários dos EUA e da Europa, por exemplo, acharam que era importante fazer investimento na China para tirar proveito da mão de obra de salário muito baixo. Naquele período havia uma enxurrada de mercadorias chinesas à venda.
"O que a China fez? A China aprendeu a fazer. A China formou milhões de engenheiros, milhões de especialistas e a China passou a produzir melhor do que os países que estavam donos das empresas lá. E hoje a China produz tanto ou mais do que os outros países numa demonstração de que o Brasil tem que aprender. O Brasil pode aprender com a China. Como é que a China conseguiu em tão pouco tempo dar o salto de qualidade que deu na questão comercial?", afirmou.
Desenvolvimento extraordinário da China
Lula fez uma provocação aos jornalistas estrangeiros durante a coletiva: escolher qualquer cidade da China para constatar o desenvolvimento e crescimento extraordinários alcançados pela potência asiática.
"Eu não sei se vocês já visitaram a China, mas quem for à China, qualquer cidade, escolha qualquer cidade que você vai ver que o desenvolvimento é extraordinário, o crescimento é extraordinário. Às vezes é até difícil da gente imaginar como é que conseguiram em tão pouco tempo fazer aquilo. Mas esse é um fato real", contou.
Lula ressaltou que, nesse contexto de progresso da China, considera o país um parceiro essencial na luta para o crescimento econômico e para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil.
Aliança contra a pobreza e a fome
O jornalista da Xinhua questionou ainda Lula sobre o trabalho do Sul Global a partir do Brasil como sede da cúpula dos líderes do G20 deste ano e do lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.
Com o Brasil na presidência do G20, o presidente Lula lançou nesta quarta-feira (24) a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa global para implementação de ações e políticas públicas para o combate à desigualdade social.
Lula destacou que a China é essencial para fazer um combate à fome e repetiu uma frase que sempre fala: "na hora que você coloca o pobre no orçamento, você está colocando a fome. E nós, em apenas um ano e seis meses, já tiramos 24 milhões de pessoas do mapa da fome. É possível fazer", disse.
"A grande contribuição é cada país acabar com a fome no seu país. E depois, o que sobrar, todo mundo se junta para ser solidário e resolver o problema. É isso que eu espero que a gente tenha com a China, para que a gente possa fazer mais 50 anos ou 100 anos de relações altamente positivas", finalizou Lula.
Em 25 de fevereiro de 2021, em plena pandemia da Covid-19, o governo chinês anunciou que a pobreza extrema havia sido abolida na China, um país de 1,4 bilhão de habitantes. Essa vitória histórica é o ápice de um que começou com a Revolução Chinesa de 1949. As primeiras décadas de construção socialista lançaram as bases que foram aprofundadas durante o período de reforma e abertura.
De acordo com o estudo Servir ao povo: a erradicação da pobreza extrema na China, produzido pelo Instituto Tricontinental, Durante esse tempo, 850 milhões de chineses foram retirados e se retiraram da pobreza; ou seja, 70% da redução total da pobreza no mundo ocorreu na China.
Na fase mais recente, que começou em 2013, o governo gastou 246 bilhões de dólares para construir 1,1 milhão de quilômetros de estradas rurais, levar acesso à internet a 98% dos vilarejos pobres do país, reformar casas para 25,68 milhões de pessoas e construir novas moradias para outras 9,6 milhões.
Desde 2013, milhões de pessoas, empresas estatais e privadas e amplos setores da sociedade foram mobilizados para garantir que – apesar da pandemia – os 98,99 milhões de pessoas restantes da China em 832 condados e 128 mil vilarejos saíssem da pobreza absoluta.
Confira aqui a íntegra da entrevista de Lula.