CHINA EM FOCO

China enquadra, mais uma vez, cinismo dos EUA sobre 'mudanças no sistema internacional'

Pequim rebate com indignação artigo de Antony Blinken que acusa potência asiática de fazer o que Washington faz: ações agressivas, demonstração de força e coação a outros países

Créditos: Xinhua - Presidente chinês, Xi Jinping, se reuniu com o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, no Grande Salão do Povo em Pequim, capital da China, em 26 de abril de 2024.
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A China reagiu com indignação à acusação de Washington de querer reformular o sistema internacional. Para Pequim, a visão dos EUA sobre o cenário internacional e sua definição das relações com o país asiático através da lente da competição estratégica demonstram como ainda aderem à mentalidade da Guerra Fria.

Em coletiva regular de imprensa do Ministério das Relações Exteriores chinês nesta terça-feira (8), a porta-voz Mao Ning comenta um artigo publicado pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, na revista estadunidense Foreign Affairs no qual escreve que a China é o único país com a intenção e os meios para reformular o sistema internacional.

"Esta não é a primeira vez que autoridades dos EUA fazem essas declarações infundadas. Já deixamos claro mais de uma vez que a competição entre grandes potências não é o que o mundo precisa e, de forma alguma, resolverá os próprios problemas dos EUA ou os desafios enfrentados pelo mundo", rebateu Mao.

A porta-voz comentou ainda sobre a política adotada pelo presidente Joe Biden de que os EUA tratariam Pequim como seu "pacing challenger", expressão que pode ser traduzida para o português como "desafio orientador" no qual a China é vista como o principal competidor estratégico de longo prazo.

A partir dessa visão, os EUA precisam alinhar seus esforços de defesa e política externa para manter uma posição competitiva no cenário global. Esse conceito é detalhado no documento "National Security Strategy", publicado pela administração Biden em outubro de 2022.

"Tratar a China como seu competidor estratégico de longo prazo e desafio orientador mostra como os EUA projetam sua própria história e mentalidade hegemônica em outros países. Este grave erro de julgamento sobre a China e as relações China-EUA não serve aos interesses fundamentais dos dois povos nem atende à expectativa comum da comunidade internacional", comentou.

Mao reforçou ainda que a China sempre foi defensora da paz mundial, contribuidora para o desenvolvimento global e defensora da ordem internacional.

"Na verdade, são os EUA, e não outros, que têm promovido uma competição desleal, tomado ações agressivas, demonstrado força constantemente e coagido outros países", finalizou.

EUA, o "xerife do mundo"

O artigo de Blinken criticado pela diplomacia chinesa é intitulado "America’s Strategy of Renewal" ("Estratégia de Renovação da América", em tradução livre). No texto, o secretário de Estado discute a competição geopolítica entre potências que ele classifica como "revisionistas": China, Rússia, Irã e Coreia do Norte, que na visão dele buscam alterar os princípios do sistema internacional.

Embora suas abordagens, ideologias e capacidades variem, para Blinken, esses países compartilham o objetivo de consolidar "regimes autocráticos" e ampliar suas esferas de influência. Eles também desafiam a força dos Estados Unidos ao visar sua superioridade militar e tecnológica, além de sua rede de alianças.

A estratégia dos EUA envolve não apenas a proteção de sua economia e segurança, mas também o fortalecimento de alianças com países da Europa e Ásia com destaque para a crescente preocupação de Washington com as ações da China no Mar do Sul da China e no Estreito de Taiwan.

A China é vista como a única nação com meios e intenção de remodelar o sistema internacional, o que levou os EUA a adotar uma postura de competição vigorosa.

Washington, escreve Blinken, tem trabalhado para diminuir sua dependência econômica da China e fortalecer a cooperação com seus aliados em tecnologias críticas, como semicondutores.

Além disso, o secretário de Estado pontua que o apoio militar e econômico à Ucrânia em resposta à invasão russa também é apresentado como parte dessa estratégia global de enfrentamento e destaca como a guerra na Ucrânia acentuou a convergência de interesses entre países da Ásia e Europa em relação à China.

China quer

A visão do governo chinês sobre a estratégia dos EUA, particularmente a apresentada no artigo de Blinken, pode ser caracterizada por uma crítica à abordagem competitiva e à percepção de Washington de que a China busca remodelar o sistema internacional de maneira coercitiva.

Para a China, a narrativa de Blinken de que Pequim representa uma "ameaça" ou um "desafio estratégico" reflete uma mentalidade de Guerra Fria, em que os EUA continuam a ver as relações internacionais como uma disputa de poder hegemônico.

Pequim rejeita a caracterização de que busca alterar o sistema internacional para consolidar o autoritarismo ou expandir esferas de influência através de coerção. Em vez disso, a China afirma que seu objetivo é promover um desenvolvimento pacífico e defender a ordem internacional baseada em regras, especialmente aquelas que garantem a soberania e a não intervenção nos assuntos internos dos países.

A retórica dos EUA justifica as próprias ações de contenção, tanto econômicas quanto militares, e para reforçar suas alianças em uma estratégia que visa isolar a China.

A China também aponta que classificar de "competição responsável" é um eufemismo cínico de Washington para ações agressivas, como a restrição do acesso chinês a tecnologias críticas, a intensificação de alianças militares no Indo-Pacífico (como a Quad e AUKUS), e o apoio a Taiwan, que Pequim considera uma interferência em seus assuntos internos.

O governo chinês afirma que sua ascensão não é uma ameaça ao mundo, mas sim uma oportunidade para promover o multilateralismo, o desenvolvimento econômico global e a paz.

Em resposta às sanções e à guerra comercial iniciada pelos EUA, Pequim argumenta que Washington tenta desacelerar o desenvolvimento chinês e perpetuar sua hegemonia global e para implementar sua agenda usa questões como direitos humanos e a governança internacional como justificativas para pressionar e desacreditar a China no cenário internacional.

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