Designers de moda da marca Fecal Matter, dos EUA, foram proibidos de entrar na Cidade Proibida, em Pequim, capital nacional da China, por estarem usando roupas descritas como "escuras e estranhas".
O grupo barrado no complexo do palácio imperial no dia 15 de outubro era formado pelo estilista Rick Owens e sua mulher, Michele Lamy, acompanhados por Hannah Rose Dalton e Steven Raj Bhaskaran, cofundadores da grife.
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A maquiagem pesada e os trajes pouco convencionais chamaram a atenção e a turma chegou a ser fotografada na entrada no local. Mas foram instruídos a trocar de roupas ou irem embora.
A marca Fecal Matter publicou no Instagram que a segurança os orientou a "remover a maquiagem e trocar por roupas normais" para poder entrar, mas o grupo se recusou e descreveu o incidente como "humilhante e desumanizante".
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Ainda assim, afirmaram compreender que não têm acesso a todos os lugares, sendo esse o preço por serem autênticos sem comprometer seus valores.
Silêncio na Cidade Proibida
A Cidade Proibida é o antigo palácio imperial da China, localizado no centro de Pequim, e serviu como residência de 24 imperadores das dinastias Ming e Qing, sendo um dos locais históricos mais importantes do país.
Embora não haja um código de vestimenta formal para a visita ao local, o debate sobre o que constitui vestimenta "respeitosa" em marcos culturais e históricos como a Cidade Proibida foi intensificado pelo incidente.
A administração do complexo do palácio imperial não se pronunciou oficialmente sobre o incidente. A controvérsia levantou uma questão maior sobre onde traçar a linha entre a expressão pessoal e o respeito cultural.
Redes sociais chinesas reagem
O caso teve enorme repercussão nas redes sociais chinesas. As reações foram mistas, mas em geral de apoio à decisão de barrar a entrada da turma por suas vestimentas consideradas inapropriadas.
Muitos usuários no Xiaohongshu e Weibo, plataformas chinesas que equivalem ao Instagram e ao X, defenderam a decisão de impedir a entrada do grupo sob o argumento de que a cultura local e os lugares históricos devem ser respeitados.
Um usuário comentou: "Quando você visita outro país, é esperado que siga os costumes locais, especialmente em lugares de significância histórica, cultural ou religiosa".
Comparações foram feitas com o que aconteceria se um visitante chinês tentasse entrar em uma igreja no Ocidente usando um biquíni para pontuar que o respeito cultural deve ser mútuo.
Houve internautas que expressaram preocupação sobre a liberdade de expressão e questionaram se a proibição foi uma forma de censura. Eles destacaram que, embora a roupa seja uma forma de expressão, a resposta ao incidente pode ser vista como um reflexo da crescente sensibilidade cultural na China.
Liberdade de expressão e respeito pela cultura local
Esse episódio dos 'barrados na Cidade Proibida' gerou um debate mais amplo sobre liberdade de expressão versus respeito pela cultura local.
O jornal Beijing Daily publicou um editorial no qual defendeu a decisão da segurança da Cidade Proibida e afirmou que "o respeito é mútuo" e que os visitantes devem se adaptar às normas culturais do local.
O jornal argumentou que o grupo de Owens falhou em respeitar a história e cultura chinesa ao não se vestir de maneira apropriada para um local de tamanha importância cultural e histórica.
O editorial enfatizou que não se trata de uma violação da liberdade de expressão, mas de uma questão de etiqueta cultural e da necessidade de observar as normas em locais de importância histórica, como a Cidade Proibida.
O artigo menciona ainda que é importante mostrar consideração pelos sentimentos alheios e seguir as expectativas sociais ao visitar monumentos culturais.
A polêmica foi vista como um reflexo das tensões sobre o que constitui uma vestimenta respeitosa, especialmente em um local com tanta carga simbólica para a China.
O tema também se conecta a uma proposta de lei na China que visava proibir vestimentas "ofensivas" ou que prejudicassem o espírito da nação chinesa, um assunto muito debatido no país recentemente.
Polêmica lei sobre 'vestimentas ofensivas'
O incidente com a turma da moda estranha foi discutido no contexto de uma polêmica proposta de lei da China para proibir roupas que "ofendem o espírito da nação".
Divulgado em setembro de 2023, o primeiro rascunho da Lei de Punições Administrativas de Segurança Pública — que normalmente mira em infrações menores — incluiu seis atos, entre eles “vestir, exibir ou decorar em locais públicos, ou forçar outros a usar, exibir ou decorar, roupas ou símbolos que sejam prejudiciais ao espírito ou aos sentimentos da nação chinesa”.
A China retirou a cláusula controversa em julho deste ano no mais recente projeto de lei de segurança pública que puniria qualquer pessoa culpada de “ferir os sentimentos da nação chinesa”. A remoção ocorreu meses após a proposta desencadear uma reação negativa e preocupações sobre possíveis abusos.
Os infratores poderiam enfrentar detenção de até 15 dias e/ou uma multa máxima de até 687 dólares. A redação foi alterada no último rascunho, submetido ao Congresso Nacional do Povo da China para uma segunda revisão.
Agora, mira vestimentas ou símbolos que “promovam ou glorifiquem guerras de agressão ou comportamentos agressivos, causando impacto social negativo”.
Baby e Pepeu barrados na Disneylândia
O episódio na Cidade Proibida remete a um famoso caso brasileiro, quando Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil) e Pepeu Gomes foram barrados na Disneylândia em Orlando, no estado da Flórida (EUA), em 1984.
Conhecidos por seus visuais ousados e extravagantes, característicos da cena alternativa brasileira dos anos 1970 e 1980, o casal foi impedido de entrar no parque por não se adequarem às normas de vestimenta do local, que na época seguiam um padrão mais conservador.
Esse incidente se tornou um marco na trajetória do então casal e é lembrado como um confronto entre o estilo irreverente dos artistas e as rígidas normas culturais e sociais de determinados ambientes. Também inspirou a música "Barrados na Disneylândia", que ironiza o ocorrido e reforça o espírito livre e criativo de Baby e Pepeu.
Décadas depois, pouca coisa mudou no código de vestimenta da Disney. Em 2020, uma família foi barrada ao tentar entrar no parque usando camisetas com mensagens políticas explícitas. Em 2021, uma jovem foi retirada do parque por usar um top curto.
A Disney justificou as expulsões afirmando que as normas proíbem trajes que possam perturbar a experiência dos outros visitantes.
Dress code além da China
Casos em que pessoas com roupas diferentes ou que não seguiam os códigos de vestimenta foram impedidas de entrar em locais públicos além da China. Há diversos casos nos Estados Unidos e na Europa.
Em 2017, várias jornalistas tiveram a entrada barrada no Congresso dos EUA, em Washington D.C., por usarem vestidos sem mangas, como relatou a CBS News à época. A justificativa era de que essas profissionais de imprensa violaram o código de vestimenta. O caso gerou debate sobre o quão antiquados eram os padrões de vestimenta, especialmente para mulheres.
Diversos clubes e bares em Nova York têm códigos de vestimenta rígidos. Em alguns casos, pessoas foram barradas por usarem tênis ou roupas consideradas "muito casuais". Um caso notável envolveu um homem sendo barrado por usar camisetas de banda que não eram consideradas apropriadas em locais de prestígio.
Em alguns restaurantes nos EUA, houve casos de pessoas usando roupas religiosas (como hijabs ou turbantes) que foram impedidas de entrar, levando a alegações de discriminação religiosa. Esses casos geralmente atraem críticas e, em alguns, processos por violação de direitos civis.
Até a cantora Rihanna já foi expulsa do famoso restaurante italiano Da Silvano, em Nova York, em 2014, por vestir uma camiseta que, supostamente, deixava seu corpo muito à mostra, algo que o restaurante alegou não condizer com suas regras de vestimenta.
Em 2004, a França aprovou uma lei que proíbe o uso de símbolos religiosos visíveis, como o véu islâmico (hijab), em escolas públicas e prédios do governo. Muitas mulheres muçulmanas foram impedidas de entrar em instituições públicas se usassem o véu. Isso provocou polêmicas sobre liberdade religiosa e laicidade.
Várias cidades francesas tentaram proibir o uso do burquíni (traje de banho que cobre o corpo, usado por mulheres muçulmanas) em praias públicas, levando à expulsão de mulheres que vestiam o traje. A proibição foi contestada e gerou protestos de grupos de direitos humanos e foi vista como parte de uma longa discussão sobre secularismo e o uso de símbolos religiosos.
No coração da Igreja Católica Apostólica Romana, visitantes são frequentemente barrados de entrar na Basílica de São Pedro, no Vaticano, por violarem o código de vestimenta que exige que os ombros e joelhos estejam cobertos. Esse código vale tanto para homens quanto para mulheres, e roupas como shorts, minissaias ou camisetas sem mangas são proibidas.
Códigos de vestimentas, seja na China, nos EUA ou na Europa podem ser controversos e, muitas vezes, envolvem questões relacionadas a direitos civis, liberdade de expressão e identidade cultural.
Debate acalorado na China
O programa Reports of China, ancorado pelo jornalista neozeolandês radicado em Xangai, Andy Boreham, produziu um vídeo para explorar o caso dos 'barrados na Cidade Proibida'. Assista:
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