CHINA EM FOCO - ESPECIAL VIAGEM OFICIAL DE LULA

Lula na China: Brasil está interessado em aderir à Nova Rota da Seda

Em entrevista à mídia chinesa, o assessor especial do presidente brasileiro, Celso Amorim, afirma que o país está aberto a estudar a adesão brasileira à Iniciativa Cinturão e Rota

Créditos: Global Times - Assessor especial da Presidência da República do Brasil, Celso Amorim
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O assessor especial da Presidência da República, o ex-chanceler Celso Amorim, afirma que o Brasil tem interesse em aderir à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês), a Nova Rota da Seda. A declaração do diplomata foi feita em entrevista exclusiva ao Global Times, veículo chinês em inglês e um dos principais canais de comunicação do país asiático no exterior. 

"Estamos interessados em ver como podemos fazer isso [aderir à BRI]. É muito importante para nós ver quais são os projetos concretos que virão com isso. Estamos abertos a estudar isso e ver como podemos fazer algo. Por exemplo, houve uma reunião com uma importante empresa chinesa, a State Grid. Estávamos discutindo questões como fontes renováveis de energia", afirmou Amorim.

Amorim relembrou que Brasil e China firmaram acordo de cooperação em ciência e tecnologia na área de satélites em 1986. "Depois disso, tivemos uma parceria estratégica, então acho que a Belt and Road Initiative já está se desenvolvendo em nossas relações", avaliou.

A entrevista de Amorim foi concedida no contexto da viagem oficial de quatro dias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China na semana passada. Os dois lados fecharam vários acordos em uma variedade de campos e estão prontos para trabalhar juntos para orientar e criar um novo futuro para as relações sino-brasileiras.

O assessor especial de Lula avaliou que a viagem à China foi muito positiva. "Há resultados em comércio e investimento, em meio ambiente e cooperação em mudanças climáticas", elencou. 

Ele também destacou que foi a primeira visita do presidente fora do continente e contou com a participação de uma grande delegação. "Houve até uma reunião de sindicalistas, o que eu acho que é uma coisa totalmente nova num contexto como este", comentou.

Amorim enfatizou que a viagem foi além do contato entre governos, mas também entre sociedades e que Brasil e China estão se aproximando. 

China, EUA e Brasil

Questionado sobre o papel das relações com a China na política externa brasileira e de que forma essa visita oficial pode ser comparada à viagem aos EUA, realizada em fevereiro, Amorim afirmou que ambas foram importantes para o Brasil.

"Mas a visita aos EUA foi estritamente política. Não houve muita discussão, talvez um pouco sobre meio ambiente, mas a discussão não foi tão ampla como nesta visita aqui", comparou.

Amorim destacou que a viagem aos EUA foi importante para reconhecer que Washington desempenhou um papel positivo ao rejeitar uma tentativa de golpe que aconteceu no Brasil logo após a eleição do presidente Lula. "Claro, os EUA ainda têm grande influência na sociedade brasileira. A posição do presidente Biden foi importante desse ponto de vista", observou.

Já a visita à China, pontuou Amorim, foi uma expansão da parceria estratégica existente com o principal parceiro comercial do país.

"Os dois países também podem ter um papel importante na construção de um mundo mais multipolar, em que o poder seja menos centralizado. Não há hegemonia. Acho que esse é um aspecto muito importante no qual a China e o Brasil podem desempenhar papéis importantes", disse.

Indústria de semicondutores

Amorim também foi questionado sobre o interesse do Brasil em buscar tecnologia e investimento chineses para desenvolver a indústria brasileira de semicondutores. Afinal, o tema é delicado na política internacional atual, já que os EUA têm pressionado aliados a proibir equipamentos da Huawei e desencorajado a associação com a China nesta área. 

Em resposta, o diplomata brasileiro parafraseou o líder chinês Deng Xiaoping. "Não importa se o gato é branco ou preto, desde que ele pegue ratos. A tecnologia não tem tendências ideológicas, é apenas um meio", afirmou.

Amorim garantiu que o Brasil está preparado para trabalhar com os EUA e com a China. "Procuraremos sempre a melhor oferta e aquela que seja economicamente mais acessível e que possa responder às nossas necessidades. Não acho que isso deva criar problemas, porque estamos abertos. Portanto, não é uma questão de ideologia. Comércio e investimento devem ser completamente livres de ideologia".

Cooperação com a Huawei

O ex-chanceler afirmou ainda que a cooperação com a Huawei, gigante de tecnologia chinesa, será uma possibilidade, mas estudada técnica e economicamente. "Não há consideração ideológica ou mesmo geopolítica. Na verdade, se pudermos diversificar nossas fontes de tecnologia, seria o melhor para nós. Portanto, estamos muito abertos. Já temos cooperação. A Huawei já está presente no Brasil, e já é muito importante", afirmou.

Abandono do dólar

Ao ser questionado sobre o acordo celebrado entre China e Brasil para negociar nas próprias moedas em vez de usar o dólar americano, Amorim avaliou que considera a medida natural. Mas ponderou que requer adaptações em relação às regras do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Sobre a possibilidade de criar uma moeda comum para os Brics - bloco formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul - o assessor presidencial ponderou que isso ainda não está totalmente claro. "Mas acho muito importante estarmos livres do domínio de uma moeda única, porque às vezes ela é usada politicamente", enfatizou.

Guerra da Ucrânia

No que diz respeito ao conflito entre Rússia e Ucrânia, Amorim ressaltou que conversou sobre o tema com Wang Yi, principal diplomata chinês, diretor do Gabinete da Comissão de Relações Exteriores do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh). Ele disse que ambos compartilham opiniões semelhantes. 

"Não estamos tentando favorecer um lado contra o outro, e não estamos tentando lidar com uma cruzada ideológica. Queremos ajudar a paz. Vimos a proposta feita pela China, que tem princípios e ações. E também sugerimos que mais países se envolvam, países que tenham um interesse legítimo na paz e que não estejam muito envolvidos, seja econômica, seja emocional ou politicamente", disse.

O ex-chanceler brasileiro observou que não existe solução mágica para alcançar a paz e que é preciso traçar um roteiro para o fim do conflito. Para ele, o primeiro passo é convencer os países de que devem buscar a paz por meio do diálogo. 

"Às vezes para um russo falar com um ucraniano ou vice-versa, pode ser difícil. Mas eles podem falar com a China e a China pode falar com a Ucrânia, ou podem falar com o Brasil e o Brasil pode falar com a Rússia, ou vice-versa", descreveu.

Governança global

No que diz respeito ao papel de plataformas internacionais na governança global, Amorim avalia que a tentativa do G7 - grupo dos países mais industrializados do mundo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido e com participação da União Europeia - "provavelmente não é a melhor coisa". 

"Acho que os Brics e talvez o G7 podem manter sua própria existência, mas temos que unir esses grupos e ter um diálogo entre eles e os países que constituem esses grupos", ponderou.

Para Amorim, o G20 - composto pela maioria dos ministérios de finanças das maiores economias do mundo, inclusive Brasil e China - é o melhor fórum e o que há de mais próximo de um órgão representativo na comunidade internacional. Mas ele pondera que deveria haver algumas adaptações, para ampliar, por exemplo, a participação de países da África.

Combate à fome

Sobre o tipo de cooperação entre China e o Brasil na luta contra a pobreza, Amorim ressaltou a importância de manter um diálogo sobre os respectivos programas.  "Tivemos muitos programas no Brasil como uma espécie de repasse de recursos e em outras áreas como agricultura. Há muito a aprender com a China também. Então eu acho muito importante. Mas cada país tem suas próprias tradições culturais e econômicas e estas também devem ser levadas em consideração", finalizou.

Confira aqui a entrevista em vídeo (em inglês)

Novas Oportunidades China-Brasil 

Reprodução YouTube

A CGTN e o Grupo Bandeirantes de Comunicação exibiram um programa especial sobre a viagem do presidente Lula à China. A transmissão de 45 minutos foi feita no último sábado (15).

O programa contou com a participação de especialistas e acadêmicos chineses e brasileiros, entre eles o professor de Direito Internacional e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, Evandro Carvalho; do consultor da Associação Chinesa de Estudos Latino-Americanos e diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Shanghai,Jiang Shixue; e do pesquisador sênior do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da Universidade Renmin da China, Liu Zhiqin.

Confira aqui o programa (em inglês)