De BERLIM | A sociedade alemã está dividida sobre a possibilidade de proibir legalmente o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Segundo pesquisa divulgada nesta terça-feira (27) pelo instituto Ipsos, 46% dos alemães são favoráveis a um processo judicial para banir a legenda, enquanto 44% se opõem.
A sondagem reflete uma polarização nacional diante da escalada radical do AfD, que foi oficialmente classificado neste mês como uma organização “comprovadamente extremista de direita” que “ameaça a democracia” pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), a principal agência de inteligência da Alemanha.
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O levantamento da Ipsos foi realizado online entre os dias 9 e 10 de maio, com 1.000 eleitores representando todas as regiões do país. As respostas evidenciam um abismo político e geográfico: no Leste alemão, apenas 32% apoiam a proibição, enquanto 57% são contrários. No Oeste, o apoio sobe para 50%, contra 41% de oposição.
O apoio é majoritário entre os eleitores de partidos progressistas: 82% dos Verdes (Die Grüne), 81% do A Esquerda (Die Linke) e 72% dos social-democratas (SPD) querem o fim da legenda. Entre os eleitores da CDU/CSU, o principal bloco conservador, 50% são a favor e 41% contra. Já entre os apoiadores da própria AfD, a rejeição à ideia é esmagadora: 97%.
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Estado classifica AfD como ameaça à democracia
A pesquisa reacende o debate iniciado no início de maio, quando o BfV anunciou que o AfD representa uma ameaça concreta ao Estado de Direito. Embora essa classificação tenha sido temporariamente suspensa por decisão judicial, ela permite ao Estado utilizar medidas de vigilância ampliadas, como escutas e infiltrações.
A reclassificação é resultado de uma série de episódios envolvendo discursos de ódio, planos de “remigração” – eufemismo utilizado por neonazistas para defender a expulsão em massa de imigrantes – e relativização de crimes do regime nazista.
Neonazismo e discurso de ódio: o histórico do AfD
O AfD tem sido denunciado por suas conexões com grupos neonazistas e pela retórica xenófoba e antidemocrática de suas principais lideranças. Em 2024, figuras centrais do partido participaram de uma reunião secreta que discutia a expulsão em massa de estrangeiros e cidadãos alemães com histórico migratório.
O deputado Björn Höcke, um dos principais nomes da legenda, já utilizou em público slogans associados ao Terceiro Reich. A ala jovem do partido, por sua vez, foi oficialmente reconhecida como uma organização extremista. Casos como o de Maximilian Krah, que relativizou os crimes da SS, e de Hannes Gnauck, que empregou linguagem de cunho nazista, acentuaram a imagem de um partido cada vez mais identificado com o autoritarismo racial.
Manifestações tomam mais de 60 cidades alemãs
Diante desse cenário, a sociedade civil reagiu. No dia 11 de maio, manifestações exigindo a proibição do AfD tomaram as ruas de mais de 60 cidades alemãs. A mobilização, organizada por coletivos como Zusammen gegen Rechts (“Juntos contra a Direita”) e a campanha Menschenwürde verteidigen – AfD-Verbot Jetzt! (“Defender a dignidade humana – Proibição do AfD já!”), levou milhares às ruas.
Em Berlim, o protesto reuniu cerca de 7.500 pessoas segundo os organizadores. Em Hamburgo, Munique, Essen, Hannover e até em pequenos municípios como Celle e Quedlinburg, o grito foi o mesmo: o AfD não pode continuar operando legalmente.
Conservadores resistem à proibição do partido
Apesar da crescente pressão social, o governo do chanceler conservador Friedrich Merz adota cautela. O secretário-geral da CDU, Carsten Linnemann, afirmou que um processo de dissolução poderia ser difícil de vencer juridicamente e gerar instabilidade.
A líder do Partido Verde, Britta Haßelmann, respondeu de forma contundente: “Negar os perigos da AfD é uma forma de normalizar um ataque à Constituição”.
Democracia sob teste
A Constituição alemã, por meio do artigo 21, permite a proibição de partidos que atentem contra a ordem democrática. Juristas, parlamentares e movimentos sociais intensificam a cobrança para que essa ferramenta seja acionada. Para eles, o avanço eleitoral da extrema direita – o AfD foi o segundo partido mais votado nas eleições gerais de fevereiro – só reforça a urgência da medida. A fragilidade do chamado Brandmauer, o cordão sanitário político contra a extrema direita, e a crescente crise de confiança nas instituições democráticas, tornam o momento especialmente delicado.
A Alemanha vive hoje uma encruzilhada histórica. Entre a legalidade institucional e o clamor popular, entre a memória do passado e o medo do futuro, o país debate se deve ou não dar um passo definitivo para barrar o avanço do neofascismo. O AfD, com seu discurso revisionista e racista, já não é apenas uma ameaça abstrata – é um teste concreto à resiliência da democracia alemã.
*Com informações da AFP