O anúncio do governo francês de construir uma prisão de segurança máxima para traficantes e condenados por radicalismo islâmico em plena selva amazônica da Guiana Francesa reacendeu uma antiga ferida: o tratamento dado pela França a seus territórios ultramarinos, em especial sua postura colonialista disfarçada de política de segurança pública.
O novo presídio, orçado em US$ 450 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões), será erguido no município de Saint-Laurent-du-Maroni, próximo ao local onde funcionava uma notória colônia penal francesa. A inauguração está prevista para 2028 e incluirá 60 vagas de segurança máxima, das quais 15 serão destinadas a presos por radicalismo islâmico — todos oriundos da França continental.
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Segundo o ministro da Justiça francês, Gérald Darmanin, a localização isolada na floresta amazônica foi proposital. "Minha estratégia é simples — atingir o crime organizado em todos os níveis", afirmou. Para ele, o local “servirá para isolar permanentemente os chefes das redes de tráfico de drogas” de suas conexões no continente europeu.
Do passado penal ao presente punitivo
O município escolhido, Saint-Laurent-du-Maroni, não é qualquer local. Foi ali que, entre os séculos XIX e XX, funcionou uma das mais brutais colônias penais do império francês. O campo penal recebia prisioneiros políticos e comuns, incluindo os enviados para a temida Ilha do Diabo — símbolo internacional da repressão colonial. Essa mesma cidade, agora, será palco de um novo capítulo punitivo, com ecos sombrios do passado.
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A escolha do local e a decisão de transferir detentos da França continental para a Guiana — sem consulta prévia às autoridades locais — foram duramente criticadas por representantes guianenses, que acusam o governo francês de reviver práticas coloniais sob o pretexto de segurança nacional.
"Depósito de criminosos": reações locais
Jean-Paul Fereira, presidente interino da Coletividade Territorial da Guiana Francesa, expressou revolta com o anúncio. Em comunicado publicado nas redes sociais, afirmou que a população e os parlamentares locais foram pegos de surpresa. “É com espanto e indignação que descobrimos, junto com toda a população da Guiana, as informações veiculadas no Journal du Dimanche”, escreveu.
Fereira lembrou que o acordo de 2017 previa a construção de uma prisão para aliviar a superlotação do sistema prisional local, e não para importar criminosos de alta periculosidade do território europeu. “A Guiana não deve se tornar um depósito de criminosos e pessoas radicalizadas vindas da França continental.”
Já o deputado franco-guianense Jean-Victor Castor foi ainda mais incisivo: “É um insulto à nossa história, uma provocação política e um retrocesso colonial.” Para ele, o projeto mostra que a França continua tratando seus territórios ultramarinos como espaços de descarte, sem respeito à autodeterminação ou às necessidades locais.
Colonialismo moderno sob nova roupagem
A decisão de Paris acende um alerta sobre o papel dos territórios ultramarinos como extensão punitiva do Estado francês. A Guiana Francesa, apesar de fazer parte formalmente da República Francesa, ainda convive com altos índices de pobreza, criminalidade e abandono institucional. Em 2023, o território registrou 20,6 homicídios por 100 mil habitantes — quase 14 vezes a média nacional.
Ao invés de investir em políticas estruturais e de combate ao crime com participação local, a resposta do governo foi importar problemas do continente e isolá-los em uma região marcada historicamente pela exploração e pelo sofrimento. A narrativa oficial — de que a prisão representa um avanço no combate ao narcotráfico — não convence muitos na Guiana, que veem na medida mais um ato de imposição e desprezo colonial.
Nunca deixou de ser colonial
O caso expõe o abismo entre Paris e seus territórios ultramarinos. Ao retomar práticas que ecoam os tempos da colonização, o governo francês arrisca não apenas agravar tensões históricas, mas também reafirmar um modelo de governança centralizado e autoritário — que, para muitos, nunca deixou de ser colonial.
Com informações da Deutsche Welle