De BERLIM | Centenas de pessoas tomaram as ruas de Berlim na última segunda-feira (7) para protestar contra a decisão das autoridades de imigração da capital alemã de deportar quatro jovens ativistas estrangeiros. Eles vivem legalmente na cidade e são alvo do departamento estadual de imigração por participaram de manifestações em apoio à Palestina. Novos atos em defesa dos ativistas já estão marcados para os próximos dias.
O grupo, que vem sendo chamado de "Berlin4", ou "Os quatro de Berlim", é composto por Shane O’Brien, irlandês de 29 anos; Roberta Murray, também da Irlanda, de 31 anos; Kasia Wlaszczyk, artista e cidadã polonesa de 35 anos; e Cooper Longbottom, estudante de direitos humanos, dos Estados Unidos, de 27 anos. Nenhum deles possui antecedentes criminais ou foi condenado por qualquer delito, mas todos receberam notificações para deixar a Alemanha até 21 de abril – ou poderão ser deportados à força.
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“Você não pode deportar um movimento”
A manifestação realizada na última segunda-feira foi convocada por diversas organizações, como a Rede Judaica Internacional Antissionista, o Bloco Irlandês de Berlim e o grupo Socialismo de Baixo. Com cartazes, panelas e palavras de ordem como “você não pode deportar um movimento”, os manifestantes denunciaram a crescente repressão a ativistas pró-Palestina na Alemanha. Em Berlim, atos em apoio à causa palestina ocorrem praticamente todas as semanas — e em todos eles há registro de violência policial.
Um dos ameaçados de deportação, Shane O’Brien, discursou e acusou o governo alemão de cumplicidade com a violência em Gaza: “Desde que Israel rompeu o cessar-fogo em 18 de março, mais de 500 crianças foram assassinadas – com total apoio do governo alemão”. Para ele, o processo de deportação é um “intento patético de intimidar aqueles que se opõem ao genocídio”.
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A ativista judia Rachel Shapiro, descendente de sobreviventes do Holocausto, lembrou a história de perseguição e violência estatal no mesmo local do protesto.
“As ações do governo alemão me lembram assustadoramente do que minha família enfrentou nos anos 30 e 40”.
A repressão e o uso político do direito migratório
A justificativa para a deportação tem origem em um protesto ocorrido na Universidade Livre de Berlim (FU Berlin), em outubro de 2024, quando ativistas ocuparam um prédio e picharam frases como “From the river to the sea, Palestine will be free (Do rio ao mar, a Palestina será livre)”. Embora os ativistas tenham sido acusados de participarem do protesto, eles não foram condenados – e Shane foi absolvido da única acusação formal, por insultar um policial.
Os ativistas também estão sendo acusados de envolvimento em protestos violentos e de fazerem propaganda ou apoiarem o Hamas, grupo classificado como organização terrorista pela União Europeia e pela Alemanha – acusações que eles negam veementemente.
Mesmo assim, as autoridades revogaram os vistos e o direito de residência com base em uma doutrina chamada “razão de Estado alemã”, que defende apoio incondicional à existência de Israel. Documentos oficiais afirmam que seria de “interesse estatal vital” impedir questionamentos a esse princípio – embora especialistas alertem que ele não tem valor jurídico e vem sendo usado como ferramenta política para silenciar dissidências.
A Anistia Internacional se posicionou contra a repressão às manifestações e símbolos pró-Palestina na Alemanha. A entidade considera um exagero a criminalização do slogan “Do rio ao mar” e do triângulo vermelho invertido, e defende que ambos expressam solidariedade ao povo palestino, sem ligação direta com o Hamas. Segundo a ONG, a resposta das autoridades alemãs tem sido desproporcional e ameaça o direito fundamental à liberdade de expressão.
O advogado Alexander Gorski, que representa dois dos ativistas, considera a medida uma afronta ao estado de direito: “Essas pessoas têm ficha limpa. Estão sendo usadas como cobaias para uma nova onda de repressão contra migrantes e ativistas”, afirmou.
"Meu lar é aqui"
A deportação teria consequências pessoais e políticas graves. Cooper Longbottom, cidadão dos Estados Unidos e estudante de direitos humanos, é uma pessoa trans e afirmou que retornar ao seu país de origem representa uma ameaça direta à sua segurança. Atualmente, estuda em Berlim e está a seis meses de concluir seu mestrado. “Como pessoa trans, voltar aos EUA é uma ameaça à minha segurança”, declarou.
Kasia Wlaszczyk, artista e cidadã polonesa, também é uma pessoa trans. Ela vive na Alemanha desde os 10 anos de idade e afirmou que uma deportação a arrancaria da comunidade que construiu ao longo de décadas. “Esse governo quer decidir quem é criminoso sem passar pela justiça. Isso é autoritarismo”, afirmou.
Roberta Murray, da Irlanda, resumiu o sentimento coletivo.
“Meu lar é aqui. Não estou fazendo planos para voltar à Irlanda. Acredito que vamos vencer – e permanecer”.