Burkina Faso é um país pouco conhecido pelos brasileiros. Considerada uma das nações mais pobres do mundo, com IDH de 0,438, o 8º pior do planeta, o país tenta tomar um novo rumo sob a liderança de um novo governo.
Herdeiro do legado de Thomas Sankara, revolucionário assassinado em 1987, o atual presidente interino, Ibrahim Traoré, lidera um projeto de autossuficiência que desafia antigas estruturas de dominação colonial e neocolonial.
Te podría interesar
O legado de Sankara
Na década de 1980, Thomas Sankara, então presidente, transformou o país - inclusive no nome, que mudou de Alto Volta para Burkina Faso - em um laboratório de soberania. Em quatro anos, imunizou 2,5 milhões de crianças contra doenças como meningite e sarampo, elevou a taxa de alfabetização de 13% para 73% e plantou 10 milhões de árvores para combater a desertificação.
Suas políticas, focadas em justiça social e independência econômica, renderam-lhe o epíteto de "Che Guevara africano".
Te podría interesar
Sankara foi assassinado em um golpe comandado por Blaise Compaoré, um apoiador que o traiu em favor dos interesses da França, que colonizou o "Alto Volta".
Depois de matar Sankara, Compaoré alinhou-se a potências como França e Estados Unidos, permitindo a instalação de bases militares e aprofundando laços que críticos classificam como neocoloniais.
Ele governou o país em um regime que durou de 1987 até 2014. Em 2015, um de seus apoiadores, Roch Kaboré, assumiu o cargo e geriu o país até 2022, quando foi derrubado por um golpe de estado.
E agora, Ibrahim Traoré
Quase 40 anos depois, o capitão Ibrahim Traoré, no poder desde setembro de 2022, resgata bandeiras sankaristas, mas com algumas complexidades.
Sua gestão prioriza infraestrutura crítica: uma usina hidrelétrica de milhões de dólares foi concluída para impulsionar a economia, enquanto 400 tratores foram distribuídos a agricultores, aumentando a produtividade do país.
Uma fábrica de processamento de alimentos e a primeira refinaria de ouro do país buscam reduzir a dependência de importações e garantir que recursos naturais beneficiem a população local.
Na saúde, clínicas móveis atendem regiões remotas, replicando o modelo de Sankara, que construiu 7.460 postos de saúde primária.
A virada mais radical ocorre na política externa. Traoré expulsou tropas francesas do território e rompeu acordos militares com Paris, acusada de fomentar instabilidade no país para manter suas garras neocoloniais.
Em contrapartida, Burkina Faso aproximou-se da Rússia, Turquia, Irã e China, buscando parcerias em segurança e desenvolvimento, projetando até a criação de uma usina nuclear no país, para reduzir sua dependência energética do estrangeiro.
A formação da Federação da Aliança dos Estados do Sahel (AES), com Mali e Níger, reforça uma estratégia regional de defesa contra o terrorismo e a ingerência externa.
Críticos apontam riscos autoritários: Traoré adiou eleições prometidas, estendendo o governo militar por cinco anos sob alegação de ameaças jihadistas.
Ataques extremistas, no entanto, persistem, com grupos ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico ampliando atividades.
Simultaneamente, Burkina Faso aprovou uma das leis mais LGBTfóbicas quando, em julho de 2024, o país baniu "atividades homossexuais", mas não definiu penas para a prática.
O projeto de Traoré reflete uma geração que rejeita a "Françafrique" – sistema de dominação pós-colonial francês – e busca alternativas multipolares.
Contudo, os desafios pelo Ocidente e questões institucionais - como a própria militarização da política burkinabé - tornam o processo político do país ainda mais complexo, mas que tem se tornado cada vez mais popular na África, impulsionando movimentos similares no Niger, Senegal, Costa do Marfim e outros países do continente.