Donald Trump não é o primeiro presidente dos EUA a adotar medidas para proteger a indústria nacional por meio da aplicação de tarifas sobre importações. O também republicano George W. Bush recorreu a um expediente semelhante em 2002.
A diferença é que o mundo mudou significativamente ao longo dessas duas décadas. À época de Bush, a Organização Mundial do Comércio (OMC) desempenhou um papel central na mediação de disputas comerciais.
Te podría interesar
Agora, 23 anos depois, sob a administração do segundo governo Trump, a capacidade da OMC de atuar de forma eficaz foi esvaziada devido a desafios institucionais e à crescente crise no sistema multilateral de comércio.
O "Tarifaço" de Bush
Em 2002, o então presidente George W. Bush implementou tarifas sobre o aço importado, variando de 8% a 30%. Conhecidas como "Seção 201", as tarifas tinham o objetivo de proteger a indústria siderúrgica dos EUA. A medida, aplicada por um período de três anos, enfrentou forte oposição internacional.
Te podría interesar
Vários países, incluindo União Europeia, Japão, China, Brasil e Coreia do Sul, contestaram as tarifas na OMC, alegando que violavam as regras do comércio internacional. Além disso, parceiros comerciais ameaçaram impor sanções aos EUA, incluindo tarifas sobre produtos americanos icônicos, como laranjas da Flórida e motocicletas Harley-Davidson.
Em novembro de 2003, a OMC decidiu que as tarifas eram ilegais, levando Bush a revogá-las em dezembro de 2003, antes do prazo original, para evitar uma guerra comercial e sanções retaliatórias.
A decisão de aplicar e depois remover as tarifas sobre o aço gerou debates sobre protecionismo econômico e os efeitos das barreiras comerciais na economia global. A experiência de 2002 é frequentemente citada como um exemplo das dificuldades de equilibrar protecionismo e comércio internacional.
O "Tarifaço" de Trump
Nesta segunda-feira (10), Donald Trump anunciou a imposição de uma tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio, sem exceções para países aliados. A medida visa proteger as indústrias domésticas e reduzir o déficit comercial dos EUA.
LEIA TAMBÉM: Tarifas de Trump: entenda a medida dos EUA contra o aço brasileiro
O anúncio gerou preocupações internacionais, com a União Europeia alertando para possíveis retaliações "firmes e proporcionais". Além disso, países como Canadá e México, principais fornecedores desses metais para os EUA, manifestaram descontentamento e consideram medidas de resposta.
Comparação entre as Tarifas de 2002 e 2025
Motivação: Tanto Bush quanto Trump justificaram a aplicação de tarifas sobre produtos importados como uma forma de proteger a indústria nacional e garantir a segurança econômica dos EUA.
Abrangência: Enquanto as tarifas de 2002 focavam principalmente no aço, as de 2025 incluem tanto o aço quanto o alumínio, afetando uma gama mais ampla de produtos e países.
Reação internacional: Em ambos os casos, houve ameaças de retaliação por parte de parceiros comerciais. Em 2002, a pressão internacional levou à revogação das tarifas. Já em 2025, a comunidade internacional, incluindo a União Europeia, já sinalizou a possibilidade de medidas retaliatórias, mas o desfecho ainda é incerto.
Impacto econômico: As tarifas de 2002 resultaram em aumentos de preços para consumidores e tensões comerciais. As tarifas de 2025 têm o potencial de desencadear efeitos semelhantes, com riscos de aumento de custos para fabricantes e consumidores, além de possíveis impactos negativos na economia global.
Embora separadas por mais de duas décadas, as tarifas impostas em 2002 e 2025 compartilham motivações e desafios semelhantes, evidenciando as complexidades do protecionismo em uma economia global interconectada.
O Papel da OMC
Diferente de 2002, quando a OMC teve sucesso em moderar a disputa, em 2025, a organização enfrenta desafios estruturais que limitam sua capacidade de resolver o impasse.
A postura protecionista de Trump e o enfraquecimento do sistema de arbitragem comercial colocam a OMC em uma posição muito mais frágil, aumentando os riscos de uma escalada nas tensões comerciais globais.
A OMC, que teve sua autoridade reconhecida em 2002, enfrenta dificuldades em 2025, principalmente porque os EUA, durante o primeiro governo Trump (2017-2021), bloquearam a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação, paralisando o sistema de resolução de disputas.
Diferentemente de Bush em 2002, Trump desprezou a OMC, argumentando que o órgão não tem mais legitimidade para decidir sobre as tarifas americanas.
Sem um mecanismo efetivo de mediação, a disputa tarifária de 2025 pode evoluir para uma guerra comercial, já que os países afetados estão mais inclinados a retaliar diretamente do que esperar uma decisão da OMC.
Como funciona a OMC?
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é a principal instituição internacional responsável por regular e supervisionar o comércio global. Criada em 1995, substituindo o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), a OMC tem como objetivo principal garantir que o comércio entre países ocorra de forma justa e previsível, evitando barreiras protecionistas e promovendo a abertura dos mercados.
A OMC conta com 164 países membros, que tomam decisões de forma consensual. Suas principais funções incluem:
- Negociação de acordos comerciais para facilitar o comércio internacional.
- Resolução de disputas comerciais entre os países membros.
- Monitoramento de políticas comerciais para garantir conformidade com as regras acordadas.
- Assistência técnica e capacitação para países em desenvolvimento.
O papel do Órgão de Apelação da OMC
O Órgão de Apelação é o tribunal superior da OMC, responsável por revisar decisões de disputas comerciais. Ele é composto por sete juízes, sendo três deles responsáveis por cada caso de apelação.
Desde 2019, o Órgão de Apelação está paralisado, pois os EUA bloquearam a nomeação de novos juízes, impedindo a OMC de concluir processos de apelação. Isso compromete sua capacidade de resolver disputas comerciais, deixando países sem uma alternativa eficaz para contestar medidas protecionistas.
A OMC desempenha um papel fundamental na estabilidade do comércio global, evitando guerras comerciais e garantindo previsibilidade para empresas e governos. No entanto, a organização enfrenta desafios como:
- Paralisação do Órgão de Apelação, reduzindo sua eficácia na resolução de disputas.
- Aumento do protecionismo, com países impondo tarifas unilaterais sem seguir as regras da OMC.
- Dificuldade em modernizar regras, especialmente em áreas como comércio digital e subsídios industriais.
Sem um Órgão de Apelação funcional, países podem ignorar decisões da OMC, aumentando o risco de tensões comerciais e medidas protecionistas, como visto nas tarifas sobre aço e alumínio em 2025, sob Donald Trump.
Posicionamento do Brasil nos tarifaços de Bush e Trump
Em 2002, diante das tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre o aço importado, o Brasil adotou uma postura ativa em defesa de seus interesses comerciais. O governo brasileiro, juntamente com outros países afetados, recorreu à OMC para contestar as medidas protecionistas de Washington. Além disso, o Brasil participou de negociações bilaterais de alto nível, buscando a exclusão de seus produtos das restrições impostas pela Seção 201.
Em 2025, com o anúncio de Trump de uma tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio, o Brasil novamente se vê diretamente impactado, sendo um dos principais fornecedores desses produtos para o mercado estadunidense.
O governo brasileiro, sob a liderança do presidente Lula, adotou uma postura cautelosa, aguardando a oficialização da medida pelos EUA antes de tomar uma posição definitiva. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que o governo aguardaria a confirmação oficial para se manifestar.
O presidente Lula enfatizou a importância da reciprocidade nas relações comerciais e sugeriu que o Brasil poderia adotar medidas correspondentes caso as tarifas fossem implementadas. Ele afirmou que "o mínimo de decência que merece um governo é utilizar a lei da reciprocidade". A declaração foi feita durante entrevista a emissoras de rádio de Minas Gerais no último dia 5 de fevereiro.
Além das possíveis ações governamentais, entidades representativas do setor, como a Associação Brasileira do Alumínio (Abal), manifestaram preocupação com os impactos das tarifas nas exportações brasileiras.
A Abal destacou que os Estados Unidos são o segundo principal destino do alumínio produzido no Brasil e que a nova sobretaxa tornaria os produtos brasileiros menos competitivos no mercado norte-americano.
Em ambas as situações, o Brasil buscou defender seus interesses comerciais, seja por meio de mecanismos multilaterais, como a OMC, ou por meio de negociações bilaterais e medidas de reciprocidade.
A postura brasileira reflete a importância do mercado dos EUA para as exportações de aço e alumínio do país e a necessidade de estratégias diplomáticas e comerciais para mitigar os impactos de medidas protecionistas.