DIPLOMACIA

No Itamaraty, plano é negociar com os EUA em caso de embate, mas diálogo com a China ganha força

Diplomatas avaliam que, diante de possíveis embates com os EUA, a China ocupa espaço estratégico como principal parceiro comercial do Brasil

Lula e o presidente chinês Xi Jinping.Créditos: Ricardo Stuckert / PR
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No Itamaraty, a estratégia principal do governo brasileiro é manter o diálogo e buscar soluções negociadas em eventuais embates comerciais com os Estados Unidos. O objetivo é preservar uma relação bilateral estável, que historicamente desempenha papel central na política externa brasileira. Essa abordagem busca minimizar impactos negativos em áreas sensíveis, como comércio, investimentos e cooperação em segurança. Contudo, diplomatas ouvidos pela coluna destacam que a China surge como uma alternativa cada vez mais relevante para o Brasil, especialmente em cenários de postura isolacionista dos norte-americanos.

Após a posse de Donald Trump e seu discurso protecionista, cresce a percepção de que o afastamento dos EUA de cenários globais cria oportunidades para outros atores ganharem protagonismo, com a China assumindo um papel de destaque. “O que está passando na cabeça de muita gente é que, com os Estados Unidos se afastando, a China, nosso maior parceiro comercial, ocupa espaços estratégicos que se abrem”, avalia um diplomata. Essa avaliação considera não apenas o comércio de commodities, mas também o aumento da presença chinesa em setores de infraestrutura, tecnologia e investimentos estratégicos no Brasil e na América Latina. Empresas chinesas têm investido em portos, ferrovias e no setor energético, ampliando sua influência em setores críticos da economia brasileira.

Essa dinâmica não se limita apenas à esfera comercial. O distanciamento dos EUA de acordos multilaterais, como o Acordo de Paris, permitiu que a China se consolidasse como um dos principais atores na governança climática global. Apesar de não buscar explicitamente um papel de liderança, o país asiático tem ocupado essa posição de forma pragmática, impulsionado pelo avanço em setores estratégicos como energia renovável, carros elétricos e tecnologia de painéis solares. Diplomatas observam que, enquanto os EUA recuam de compromissos ambientais, a China expande sua influência ao estabelecer acordos bilaterais e liderar iniciativas de financiamento para projetos de energia limpa em países em desenvolvimento, incluindo parcerias na América Latina e na África.

No cenário brasileiro, a visão de parte do corpo diplomático é de que o Brasil pode aproveitar as brechas deixadas pelas contradições entre o discurso e a prática do governo norte-americano. “Existe uma coisa que o Trump fala e outra que o governo dele faz, e é nessas brechas que o Brasil pode também ganhar mais espaço”, aponta outro diplomata. Esse espaço inclui oportunidades para expandir exportações, atrair investimentos e fortalecer a presença do Brasil em fóruns multilaterais, onde o país busca desempenhar um papel de liderança regional e global. O Brasil também tem explorado iniciativas conjuntas com a China no âmbito do BRICS, grupo que oferece uma plataforma para a cooperação em diversas áreas, desde finanças até inovação tecnológica.

Dentro dessa análise, diplomatas destacam o papel crescente da China na arena internacional, especialmente diante da postura mais introspectiva dos Estados Unidos. O avanço da China em diversas frentes comerciais e diplomáticas é visto como uma resposta pragmática ao cenário global em transformação, refletindo o aumento da sua influência em acordos bilaterais e fóruns multilaterais. É unânime o entendimento de que, enquanto os EUA adotam uma postura mais isolacionista, a China avança em sua projeção global, consolidando parcerias estratégicas em diversas regiões do mundo. Esse movimento inclui a Iniciativa do Cinturão e Rota, que amplia a presença chinesa em projetos de infraestrutura globalmente, afetando também a América Latina.

O pragmatismo do governo Lula em relação a esses cenários reflete uma estratégia focada na diversificação de parceiros e na busca por espaços que possam fortalecer a posição brasileira em diferentes frentes, seja no comércio, na diplomacia climática ou em acordos multilaterais. A política externa brasileira busca equilibrar as relações com grandes potências, mantendo a autonomia e defendendo interesses nacionais em negociações internacionais. O Brasil pretende ser um ator relevante na construção de uma ordem multipolar, onde possa dialogar tanto com os Estados Unidos quanto com a China, sem se alinhar exclusivamente a nenhum dos polos.

A coluna também conversou com o analista geopolítico Rogério Anitablian. Ele destacou que o Brasil vive uma grande oportunidade histórica ao adotar uma política externa independente. "Eu entendo que o Brasil tem uma grande oportunidade histórica, ao não se alinhar com nenhum polo com compromissos excludentes podemos aproveitar a brecha das guerras comerciais que se avizinham, com taxações, barreiras não tarifárias e outras penalidades", afirma Anitablian. Ele cita como exemplo o aumento da venda de combustíveis brasileiros para a União Europeia em razão das sanções impostas à Rússia, evidenciando como o Brasil pode se beneficiar de mudanças no cenário geopolítico global.

Por fim, diplomatas ressaltam que o Brasil não busca escolher entre EUA e China, mas sim adotar uma política externa baseada em interesses nacionais, aproveitando as oportunidades oferecidas por ambos os países. Essa abordagem visa garantir a autonomia do Brasil no cenário internacional, permitindo que o país transite com flexibilidade entre diferentes blocos e alianças, sempre em busca de benefícios concretos para sua economia e sua posição geopolítica. O objetivo é construir uma rede de parcerias que fortaleça a resiliência do Brasil frente às incertezas do cenário global, promovendo o desenvolvimento sustentável e a inserção competitiva da economia brasileira nos mercados internacionais.

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