EXTREMA DIREITA DERROTADA

Alemanha: fascistas do AfD levam virada da centro-esquerda, que vence em Brandemburgo

Partido que abriga entusiastas do nazismo liderava as pesquisas para o governo do estado no leste alemão, mas Partido Social-Democrata teve crescimento súbito e liquidou o pleito; pequeno alívio para Olaf Scholz

Dietmar Woidke, governador reeleito de Brandemburgo.Créditos: Wikimedia Commons
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De BERLIM | O chanceler alemão Olaf Scholz, que enfrenta uma crise de popularidade e já vê sua candidatura à reeleição em 2025 ser questionada por aliados, respira um pouco mais aliviado. Seu partido, o SPD (Partido Social-Democrata), conseguiu uma recuperação surpreendente e impediu a vitória do AfD (Alternativa para a Alemanha), legenda associada ao neonazismo, no estado de Brandemburgo, no leste da Alemanha.

A população de Brandemburgo foi às urnas neste domingo (22) para a eleição regional que definiu seu parlamento estadual e ministro-presidente (equivalente ao cargo de governador). Segundo o balanço oficial da autoridade eleitoral, o SPD, de centro-esquerda, obteve 30,9% dos votos, superando os 29,2% do AfD. Durante a campanha, o partido de extrema-direita liderava as pesquisas, mas o SPD apresentou forte crescimento nas sondagens feitas na reta final.

O novo partido de esquerda populista Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) obteve 13,5%, superando a União Democrata Cristã (CDU), sigla da ex-chanceler Angela Merkel, que ficou com 12,1%. Já o partido Os Verdes (Die Grüne) alcançou 4,1%, enquanto A Esquerda (Die Linke) registrou 3% dos votos.

Veja os números divulgados pela rede Deutsche Welle: 

Dietmar Woidke reeleito

Brandemburgo é considerado um dos últimos bastiões dos sociais-democratas alemães em meio ao crescimento da extrema-direita. O SPD governa o estado desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, e Dietmar Woidke ocupa o cargo de governador desde 2013.

Com a vitória de seu partido, Woidke garantiu a reeleição para mais um mandato. Nas últimas semanas de campanha, o político procurou desassociar sua imagem da do chanceler Olaf Scholz, que enfrenta uma forte crise de popularidade — fator que pode ter influenciado a virada contra o AfD.

Em entrevistas recentes, Woidke adotou uma postura de tudo ou nada, afirmando que, se o SPD não vencesse, ele deixaria o posto de líder do partido no estado e renunciaria ao seu cargo no parlamento.

Agora reeleito, o SPD deve iniciar conversas com os partidos BSW e CDU para formar o governo de Brandemburgo. Qualquer aliança com o AfD está totalmente descartada.

Woidke comemorou a vitória, mas alertou sobre a necessidade de "colocar freios" à euforia, devido ao forte apoio à extrema-direita, especialmente entre os eleitores mais jovens. Ele destacou que, apesar do resultado positivo, é essencial que o partido aprenda com as eleições e se aproxime mais das pessoas: “Especialmente no que diz respeito ao nível federal, há muito a ser feito nos próximos meses e anos”.

Pequeno alívio para Scholz

A vitória do SPD em Brandemburgo traz um alívio momentâneo para Olaf Scholz, que viu seu partido ser derrotado pela extrema-direita em outras regiões recentemente — como Turíngia e Saxônia — em parte devido à associação de seu nome, em baixa popularidade, à legenda. Potsdam, capital de Brandemburgo, é o berço político de Scholz.

O chanceler alemão Olaf Scholz (Foto: Bundestag/Divulgação)

Em Nova York, onde participa da Assembleia Geral da ONU, o chanceler limitou-se a um comentário breve sobre a vitória do SPD no estado ao ser questionado pela imprensa: "É bom, claro! É ótimo termos vencido", afirmou.

AfD quase vence mais um estado

A possível vitória do AfD em Brandemburgo gerava grande preocupação, já que seria o segundo triunfo da legenda em menos de um mês. No dia 1º de setembro, o partido conquistou uma vitória assustadoramente histórica na Turíngia — a primeira vez que uma legenda de extrema-direita vence um pleito estadual desde o regime nazista. No mesmo dia, o AfD também garantiu a segunda maior bancada no parlamento da Saxônia.

Desde 2021, o AfD está sob vigilância do serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentar enfraquecer a constituição democrática do país. A principal plataforma política do partido é o discurso anti-imigração, especialmente contra muçulmanos, defendendo a expulsão em massa desses imigrantes — uma política perversa conhecida como "remigração".

Em Brandemburgo, o candidato do AfD ao governo era Hans-Christoph Berndt, que tem vínculos claros com grupos de extrema-direita e neonazistas, como o Identitäre Bewegung, a agência Ein Prozent e a revista Compact. Todos são classificados pelo serviço de inteligência alemão como organizações extremistas. Esses grupos promovem ideias ultranacionalistas, xenofóbicas e racistas, com o Identitäre Bewegung frequentemente associado a ideologias nazistas.

Berndt defende abertamente essas conexões, alegando que são parte essencial de sua visão para o futuro da Alemanha. Ele não apenas se recusa a se distanciar desses grupos, mas os apresenta como parceiros na "luta pela Alemanha". Entre suas principais propostas estão o combate à imigração e a promoção de um "Pacto para Remigração", que prevê deportações em massa e a criação de centros de asilo fora da Europa. Berndt também se opõe fortemente à transição energética, prometendo eliminar o uso de energias renováveis, como eólica e solar, e defende o desmantelamento de políticas de diversidade e tolerância.

Hans-Christoph Berndt, do AfD (Foto: Wikimedia Commons)

Mesmo que o AfD tivesse vencido a eleição, seria praticamente impossível formar um governo em Brandemburgo, já que o sistema político da Alemanha é parlamentarista. Para governar, um partido ou coalizão precisa conquistar a maioria absoluta dos assentos no parlamento estadual, e nenhum outro partido está disposto a se aliar aos extremistas do AfD — situação semelhante à observada na Turíngia.

AfD e neonazismo 

A Alemanha vem observando um crescimento assustador da popularidade da extrema-direita, representada pelo AfD. A legenda foi fundada em 2013 e conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados, sendo a quarta maior força política local. 

Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política são projetos antimigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e já fizeram falas com tal teor. 

Björn Höcke, uma das principais lideranças do AfD, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista Alles für Deutschland ("tudo pela Alemanha"). Mais recentemente houve o caso de Maximilian Krah – líder do partido que relativizou o nazismo ao afirmar, em entrevista, que os membros da Schutzstaffel (SS), a força paramilitar do regime nazista, “não eram todos criminosos”. 

Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.

Pesquisas recentes revelam que o AfD já tem o apoio de cerca de 24% dos alemães, o que o torna o segundo partido mais popular do país, atrás apenas do CDU, legenda da ex-chanceler Angela Merkel.