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Fascistas ganham, mas não levam após eleições estaduais na Alemanha

A ultradireita alemã, representada pelo AfD, partido com aspirações nazistas, ganhou uma eleição estadual pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial; a boa notícia é que a legenda não conseguirá formar governo

Björn Höcke, líder do partido ultradireitista AfD na Turíngia.Créditos: Reuters/Folhapress
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De BERLIM | A Alemanha amanheceu nesta segunda-feira (2) com a sensação de que pode estar prestes a reviver um pesadelo. Pela primeira vez desde o regime nazista de Adolf Hitler, a ultradireita venceu uma eleição estadual. Com 32,8% dos votos, segundo resultados preliminares divulgados por agências oficiais, o partido Alternativa Para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), associado ao neonazismo, ganhou o pleito no pequeno estado da Turíngia, que fica no leste do país, região que anteriormente compreendia à antiga Alemanha Oriental (República Democrática Alemã - RDA). 

O principal candidato do AfD na Turíngia e que, com a vitória na eleição, garantiu uma cadeira no parlamento estadual para o seu segundo mandato é Björn Höcke, Ex-professor, ele pertence a ala mais radical do AfD que foi dissolvida após ser investigada pelo governo alemão por associação ao neonazismo. Ele prega um nacionalismo extremo que promove a ideia de uma "identidade alemã homogênea" e sua "supremacia", com inspirações mais que evidentes no nazismo. Saiba quem é Björn Höcke mais adiante. 

"Este resultado nos enche de imenso orgulho e satisfação. O povo da Turíngia mostrou que quer uma nova direção, e essa mudança só é possível com a AfD", disse Höcke logo após o anúncio dos primeiros resultados. 

O segundo lugar na eleição ao parlamento da Turíngia ficou com a União Democrata-Cristã da Alemanha (CDU, na sigla em alemão), partido da ex-chanceler Angela Merkel, com 23,6% dos votos. A sigla populista de esquerda anti-imigração Aliança Sahra Wagenknecht (BSW, na sigla em alemão), fundada em janeiro deste ano, foi a terceira colocada no pleito, com 15,8%. 

Já o partido A Esquerda (Die Linke, na sigla em alemão) e a legenda do atual chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, o Partido Social-Democrata (SPD), tiveram perdas significativas: 13,1% e 6,1% dos votos, respectivamente. A agremiação Os Verdes (Grüne), por sua vez, somou apenas 3,2% dos votos, enquanto os liberais do FDP, que compõe a coalizão do governo federal junto ao SPD e Verdes, não chegaram nem a 5% dos votos na Turíngia. 

Veja os números consolidados no gráfico abaixo: 

Já na Saxônia, outro estado do leste alemão que foi as urnas neste domingo, os ultradireitistas do AfD também tiveram votação massiva, mas não ficaram em primeiro. 

O pleito foi vencido pelos cristãos-conservadores do CDU, que obtiveram 31,9% dos votos. O AfD vem logo atrás com 30,6%. Assim como na Turíngia, o terceiro lugar ficou com o novo partido de esquerda BSW, que obteve 11,8% dos votos, enquanto o SPD do chanceler Olaf Scholz somou 7,3%. 

Confira: 

A "boa" notícia 

Apesar do cenário aterrorizante diante da vitória do AfD e seus ideais neonazistas na Turíngia e grande ascensão da legenda na Saxônia, é muito difícil que um governo controlado pelos radicais de extrema direita seja formando

Isso porque na Alemanha o sistema político é parlamentarista. Isto é: para formar um governo, o partido ou coalizão precisa conquistar maioria absoluta dos assentos no parlamento estadual para governar. E ninguém quer se coligar com o AfD. 

O próprio chanceler federal Olaf Scholz fez um apelo nesta segunda-feira (2) para que os partidos na Turíngia e Saxônia não façam coligação com o AfD. 

"Todos os partidos democráticos são chamados agora a formar governos estáveis sem extremistas de direita", declarou o chefe de Estado. 

O chanceler alemão Olaf Scholz (Foto: Reuters/Folhapress)

Na Turíngia, o partido ou coalizão precisa de, no mínimo, 45 cadeiras para formar um governo. Como ninguém quer coligar com o AfD, que conquistou 32 cadeiras, a coalizão que governará deve ser formada pelo segundo colocado, o CDU, e mais dois partidos. Até o momento, a coalizão mais plausível matematicamente, apesar das diferenças substanciais entre as siglas, é uma formada por CDU, BSW e A Esquerda. 

Já na Saxônia, em que é necessário um mínimo de 60 cadeiras no parlamento para formar governo, o CDU, que venceu o pleito, pode formar coalizão o BSW e SPD. 

Quem é Björn Höcke

Björn Höcke, principal liderança do AfD na Turíngia, pertence a ala mais radical do partido que foi dissolvida após ser investigada pelo governo alemão por associação ao neonazismo. Ele prega um nacionalismo extremo que promove a ideia de uma "identidade alemã homogênea" e sua "supremacia", com inspirações mais que evidentes no nazismo. 

Tal como a extrema direita global, Höcke encampa discurso anti-imigração, especialmente contra muçulmanos, e defende a expulsão em massa desses imigrantes da Alemanha – política perversa conhecida como "remigração". 

No ano passado, ele foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha).

Em um discurso de 2017 na cidade de Dresden, Björn Höcke chegou a se referir ao Memorial do Holocausto em Berlim como um "monumento da vergonha", argumentando que a Alemanha deveria se concentrar "mais em suas glórias" do que em suas "falhas históricas". Ele é adorado por grupos neonazistas. 

O líder do AfD Björn Höcke (Foto: Reuters/Folhapress)

Na eleições de 2019, deputados do AfD foram confrontados com citações e questionados: Elas foram escritas por Björn Höcke, o mais notório radical de direita do partido, ou por Hitler?, conta The New York Times daquele ano.

"Não consigo distinguir", disse um.

"Realmente não sei", respondeu outro.

"Mais provavelmente de 'Mein Kampf'", um terceiro adivinhou.

Na verdade, todos os trechos eram do livro de Höcke, descrevendo, por exemplo, um "desejo do povo alemão por uma figura histórica que curará as feridas do Volk, superará a divisão e trará de volta a ordem."

AfD e neonazismo 

Governada atualmente pelo chanceler Olaf Scholz, do SPD (Partido Social-Democrata), em uma coalizão com liberais e democratas, a chamada Die Ampel (Semáforo, por conta as cores das legendas: vermelho, amarelo e verde), a Alemanha vem observando um crescimento assustador da popularidade da ultradireita, representada pelo AfD.  

A legenda foi fundada em 2013 e conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados, sendo a quarta maior força política local. 

Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política são projetos antimigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e já fizeram falas com tal teor. 

Björn Höcke, uma das principais lideranças do AfD, por exemplo, foi denunciado pelo Ministério Público alemão em 2023 por utilizar linguajar nazista ao dizer que a política migratória do país "nada mais é que a eliminação do povo alemão", usando o slogan nazista "Alles für Deutschland" (tudo pela Alemanha). Mais recentemente houve o caso de Maximilian Krah – líder do partido que relativizou o nazismo ao afirmar, em entrevista, que os membros da Schutzstaffel (SS), a força paramilitar do regime nazista, “não eram todos criminosos”. 

Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.

Pesquisas recentes revelam que o AfD já tem o apoio de cerca de 24% dos alemães, o que o torna o segundo partido mais popular do país, atrás apenas do CDU, legenda da ex-chanceler Angela Merkel.

Crescimento do AfD 

Em junho deste ano, o Alternativa para a Alemanha (AfD), partido que tem entre seus quadros figuras associadas ao neonazismo, obteve 15,9% dos votos dos alemães nas eleições europeias e se consolidou como a segunda força política do país, superando os sociais-democratas do SPD, legenda do atual chanceler Olaf Scholz, que obteve 13,9%, e ficando atrás apenas dos conservadores da União Democrata-Cristã (CDU/CSU), partido da ex-chanceler Angela Merkel. 

Com a votação expressiva, os radicais do AfD conseguiram emplacar, ao todo, 15 eurodeputados no Parlamento Europeu - 6 a mais que na última legislatura. Por outro lado, os sociais-democratas tiveram seu pior resultado da história em eleições europeias e perderam 6 cadeiras, ficando com 14 assentos. Já os Verdes (Grüne) foram os que mais perderam eurodeputados: 9 a menos, totalizando apenas 12 cadeiras. Os conservadores do CDU/CSU, vencedores das eleições europeias na Alemanha, permaneceram com 29 eurodeputados.