Nesta quarta-feira (6) começam as eleições do Parlamento Europeu de 2024, que prosseguem até sábado (9). Esse pleito é realizado a cada cinco anos e permite aos cidadãos dos países membros da União Europeia (UE) eleger diretamente os integrantes do Parlamento Europeu, os chamados eurodeputados.
Um dos temas mais candentes dessas eleições gira em torno dos desdobramentos da Guerra da Ucrânia na vida do povo europeu. A última pesquisa Eurobarômetro do Parlamento Europeu antes dessas eleições revela a conscientização dos cidadãos e a preocupação com o atual contexto geopolítico.
Te podría interesar
De acordo com o levantamento, a importância que os cidadãos da Europa atribuem à defesa e segurança da UE aumentou ao longo do atual mandato parlamentar, particularmente à luz da guerra da Ucrânia. Agora, o conflito é mencionado como a principal prioridade da campanha eleitoral em nove países, com os maiores resultados na Dinamarca (56%), Finlândia (55%) e Lituânia (53%).
Os cidadãos europeus também gostariam de ver a luta contra a pobreza e a exclusão social (33%), bem como o apoio à saúde pública (32%) como as principais questões em discussão durante a campanha eleitoral. Apoio à economia e criação de novos empregos, além da defesa e segurança da UE, estão ambos em terceiro lugar (com 31%).
Te podría interesar
Olhando para o futuro, os cidadãos da UE colocam a defesa e segurança (37%) como as principais prioridades para reforçar a posição do bloco globalmente, com questões de energia e segurança alimentar/agricultura em seguida (ambos com 30%).
Quatro em cada dez cidadãos dizem que o papel da UE se tornou mais importante nos últimos anos, 35% acham que permaneceu o mesmo e 22% que diminuiu. Em nível nacional, maiorias relativas em 15 países acreditam que seu papel no mundo se tornou mais importante ao longo dos anos, com proporções chegando a 67% na Suécia, 63% em Portugal e 60% na Dinamarca. Enquanto isso, os cidadãos eslovenos e checos são os mais propensos a dizer que o papel da UE se tornou menos importante (32% e 30%, respectivamente).
O Eurobarômetro da Primavera de 2024 do Parlamento Europeu foi realizado pela agência de pesquisa Verian entre 7 de fevereiro e 3 de março de 2024 em todos os 27 Estados-Membros da UE. A pesquisa foi realizada face a face, com entrevistas em vídeo usadas adicionalmente na Chéquia, Dinamarca, Finlândia e Malta. Foram conduzidas 26.411 entrevistas no total. Os resultados da UE foram ponderados de acordo com o tamanho da população em cada país.
Fator Ucrânia nas urnas
Os resultados das pesquisas que colocam a Guerra da Ucrânia no topo dos temas que terão impacto nas urnas do Parlamento Europeu encontram eco em análises de especialistas em geopolítica. A guerra tem exacerbado as tensões políticas e econômicas dentro da União Europeia, influenciando a opinião pública e as prioridades políticas dos eleitores.
A guerra causou um aumento nos preços da energia e alimentos, afetando a inflação e a economia em toda a Europa. Este aumento de custos tem pressionado os eleitores a buscarem soluções políticas que possam aliviar essas tensões econômicas.
A invasão da Ucrânia por parte da Rússia intensificou os debates sobre a necessidade de fortalecer a defesa europeia e reduzir a dependência energética da Rússia. Este tema está central nas campanhas eleitorais de diversos partidos, especialmente aqueles com plataformas pró-europeias e de segurança.
A continuidade do apoio à Ucrânia e as sanções contra a Rússia são questões polarizadoras. Partidos de direita e populistas, que tradicionalmente são mais céticos em relação à UE, podem usar a insatisfação com as políticas atuais para ganhar apoio, enquanto os partidos de centro e esquerda tendem a manter uma postura de solidariedade com a Ucrânia.
As eleições europeias são vistas como um teste de resiliência democrática num período de crescentes ameaças autoritárias. O resultado pode influenciar a política externa da UE, incluindo a sua postura em relação à Ucrânia e à Rússia, e moldar a resposta do bloco às crises globais.
As análises indicam que a resposta dos eleitores europeus pode variar amplamente entre os Estados membros, refletindo as diferentes realidades econômicas e percepções de ameaça. Países mais próximos da Rússia, como os Estados Bálticos e a Polônia, provavelmente continuarão a apoiar fortemente a Ucrânia, enquanto países mais distantes podem ter debates mais intensos sobre o custo das sanções e apoio militar.
A guerra também tem forçado a UE a reconsiderar suas estratégias de longo prazo para segurança energética e defesa. Estas eleições podem acelerar políticas voltadas para maior independência energética e colaboração em defesa, moldando a trajetória da UE nos próximos anos.
O que dizem lideranças europeias
Às vésperas das eleições do Parlamento Europeu, várias lideranças europeias emitiram declarações sobre a guerra na Ucrânia que vão desde o reforço de apoio contínuo à Ucrânia até a cautela sobre o envolvimento direto no conflito.
O presidente da França, Emmanuel Macron, organizou uma conferência sobre a Ucrânia no dia 27 de fevereiro. Na ocasião, ele disse que "tudo o que é necessário" tinha que ser feito para evitar uma vitória russa, dizendo que a derrota de Moscou era "indispensável para a segurança e a estabilidade na Europa".
Ele acrescentou que, embora não haja "consenso" entre os líderes europeus de que seus países deveriam enviar tropas para a Ucrânia, "nada deve ser descartado" em uma situação dinâmica como essa.
Ele também pediu que a Europa assuma mais um papel de liderança na questão, dadas as próximas eleições presidenciais dos EUA em novembro, onde Donald Trump parece o provável candidato republicano e em meio a perguntas sobre o que o resultado pode significar para o apoio dos EUA a Kiev.
O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, em resposta à convocação de Macron, reiterou que a Alemanha e outros países da OTAN não enviarão tropas para combater na Ucrânia. Ele destacou que essa posição foi acordada desde o início do conflito e continua válida. Ele também apoiou o recente acordo da UE para fornecer 50 bilhões de euros em ajuda à Ucrânia, enfatizando a necessidade de um compromisso unânime entre os Estados-Membros.
A atual presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante uma visita a Kiev, também em fevereiro, prometeu que a Europa apoiará a Ucrânia até que o país seja "finalmente livre". Esta declaração foi feita no contexto do segundo aniversário da invasão russa, onde líderes europeus expressaram solidariedade e reafirmaram seu compromisso com a Ucrânia.
A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, na mesma visita a Kieve que von der Leyen, agradeceu aos defensores ucranianos e destacou a importância simbólica da resistência ucraniana contra as forças russas. Ela também se comprometeu a assinar pactos de segurança com a Ucrânia, seguindo exemplos recentes da França e Alemanha.
Embora os líderes europeus sigam unificados em seu apoio à Ucrânia, fornecendo ajuda financeira e militar, permanecem cautelosos sobre o envolvimento direto no conflito para evitar uma escalada que poderia levar a um confronto direto com a Rússia. A ajuda financeira e militar da UE continua a ser uma prioridade, com esforços contínuos para acelerar a entrega de munições e equipamentos necessários para as forças ucranianas.
Expectativa de avanço da extrema direita
Nesse contexto no qual a Guerra a Ucrânia está no centro do debate eleitoral, as expectativas para as eleições do Parlamento Europeu deste ano indicam um possível aumento significativo do apoio à extrema direita. Partidos desse espectro político, agrupados principalmente nas alianças "Identidade e Democracia" (ID) e "Conservadores e Reformistas Europeus" (CRE), podem ver um crescimento substancial em sua representação.
Sondagens indicam que a extrema direita europeia pode se tornar a segunda maior força política no Parlamento Europeu. Partidos como o Reagrupamento Nacional da França e a Liga da Itália, liderados por figuras como Marine Le Pen e Matteo Salvini, estão entre os que mais devem crescer.
Há discussões sobre uma possível fusão das duas principais bancadas de extrema-direita (ID e CRE) para aumentar seu poder de influência. Se isso ocorrer, a extrema direita poderia rivalizar com o Partido Popular Europeu (PPE), atualmente a maior bancada do Parlamento.
Questões como imigração e segurança são os principais fatores que impulsionam o apoio aos partidos de extrema direita. A crise migratória e a percepção de insegurança estão mobilizando eleitores a favor dessas forças políticas.
Com um crescimento significativo, a extrema direita pode influenciar substancialmente a formulação de políticas no Parlamento Europeu, especialmente em áreas como migração, segurança e economia.
Apesar do crescimento, há desafios na formação de coligações devido às divergências ideológicas internas entre os partidos de extrema-direita sobre temas como a integração europeia e a guerra na Ucrânia.
Em resumo, as eleições de 2024 têm o potencial de alterar significativamente o equilíbrio de poder no Parlamento Europeu, com um provável aumento da representação da extrema-direita, o que poderá impactar diretamente as políticas e decisões do bloco nos próximos anos.
Como funciona a eleição
Ao longo dos quatro dias de votações são acomodadas as diferentes tradições de votação dos Estados membros. Cada país da UE decide a data exata dentro deste período e a forma de conduzir a eleição, mas todos devem utilizar algum sistema de representação proporcional. Isso significa que os partidos ganham assentos no Parlamento Europeu proporcionalmente ao número de votos que recebem.
O Parlamento Europeu é composto por 705 membros, distribuídos entre os Estados membros com base em sua população. Por exemplo, países maiores como Alemanha e França têm mais assentos do que países menores como Malta e Luxemburgo.
Todos os cidadãos da UE com 18 anos ou mais têm o direito de votar. Eles podem votar em seu país de origem ou em qualquer outro Estado membro onde residam, desde que sigam os procedimentos locais para registro eleitoral.
Os partidos políticos nacionais competem nas eleições, mas muitos são afiliados a grupos políticos europeus maiores que refletem diferentes ideologias, como o Partido Popular Europeu (centro-direita), a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (centro-esquerda), e outros.
Os resultados das eleições determinam a composição do Parlamento Europeu, que desempenha um papel crucial na formulação de leis, orçamento e supervisão das instituições da UE. Os parlamentares eleitos também influenciam a escolha do presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE.
A atual presidenta da Comissão Europeia é Ursula von der Leyen, que assumiu o cargo em 1º de dezembro de 2019. Ela é a primeira mulher a ocupar este posto e foi anteriormente Ministra da Defesa da Alemanha. Como presidente da Comissão Europeia, ela é responsável por definir as diretrizes políticas da União Europeia e por representar a Comissão nas relações internacionais.
Complexo, mas previsto
A invasão da Rússia à Ucrânia iniciada em 24 de fevereiro de 2022 representa um divisor de águas na história das relações internacionais deste século.
Apesar de conflitos no continente europeu não terem sido novidade no pós-Guerra Fria – vide os casos da desintegração da Iugoslávia (1992-1995), da guerra em Kosovo em 1999 e das invasões russas à Geórgia em 2008 e à própria Ucrânia em 2014 (Península da Crimeia e região de Donbass) –, o conflito em curso tem natureza distinta e, logo, implicações também distintas para a segurança internacional.
Não é de hoje que os principais pensadores das relações internacionais alertam que a expansão da OTAN não daria em boa coisa. Ao longo desses mais de dois anos a nova guerra fria do Ocidente com a Rússia ficou quente.
O pesquisador sênior em estudos de defesa e política externa no Cato Institute, Ted Galen Carpenter, autor de 12 livros sobre assuntos internacionais, escreveu um artigo com esse alerta para o jornal britânico The Guardian dias após o início da então chamada "operação especial" por Moscou.
Carpenter avaliou que, embora o presidente russo, Vladimir Putin, tenha a responsabilidade primária pelo último lance do conflito, a política arrogante da OTAN, de tom surdo, em relação à Rússia ao longo do último quarto de século, também merece uma grande parte da responsabilidade.
"Analistas comprometidos com uma política externa dos EUA de realismo e contenção alertaram por mais de um quarto de século que continuar a expandir a aliança militar mais poderosa da história em direção a outra grande potência não acabaria bem. A guerra na Ucrânia fornece uma confirmação definitiva de que não", comentou.
No texto, o analista cita uma reflexão de George Kennan (1904- 2005), diplomata, historiador e pai intelectual da política de contenção dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Em uma entrevista em maio de 1998 ao The New York Times alertou sobre os riscos que a arrogante expansão da OTAN colocaria em movimento.
“Acho que é o começo de uma nova guerra fria. Eu acho que os russos reagirão gradualmente de forma bastante adversa e isso afetará suas políticas. Acho que é um erro trágico. Não havia razão para isso. Ninguém estava ameaçando ninguém”, antecipou Kennan.
Esse comentário foi feito por Kennan imediatamente após o Senado dos EUA ter ratificado a expansão da OTAN, durante o segundo mandato do democrata Bill Clinton, em 1998.
Kennan ingressou no Departamento de Estado dos EUA em 1926 e serviu como embaixador dos EUA em Moscou em 1952. Ele era, àquela época, o maior especialista estadunidense em matéria de Rússia.
"As pessoas não entendem? Nossas diferenças na Guerra Fria foram com o regime comunista soviético. E agora estamos virando as costas para as mesmas pessoas que montaram a maior revolução sem derramamento de sangue da história para remover esse regime soviético. E a democracia da Rússia está tão avançada, se não mais longe, como qualquer um desses países que acabamos de assinar para defender da Rússia. É claro que haverá uma reação negativa da Rússia, e então [os expansores da OTAN] dirão que sempre lhes dissemos que é assim que os russos são - mas isso é simplesmente errado", avaliou.
Outra figura proeminente da diplomacia dos EUA que também advertiu para os perigos de expansão da OTAN foi Henry Kissinger (1923-2023), figura central na diplomacia dos Estados Unidos durante as décadas de 1960 e 1970. Ele desempenhou um papel crucial como Conselheiro de Segurança Nacional e, posteriormente, como Secretário de Estado durante as administrações republicanas dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford.
Em um artigo publicado no The Washington Post em março de 2014 ele comentava que para início de conversa o Ocidente deveria compreender que, para a Rússia, a Ucrânia nunca poderá ser apenas um país estrangeiro.
"A história russa começou no que foi chamado de Rus de Kiev. A religião russa se espalhou a partir daí. A Ucrânia fez parte da Rússia por séculos e suas histórias estavam interligadas antes disso. Algumas das batalhas mais importantes pela liberdade russa, começando com a Batalha de Poltava em 1709, foram travadas em solo ucraniano. A Frota do Mar Negro – o meio russo de projetar poder no Mediterrâneo – está baseada, através de arrendamento a longo prazo, em Sebastopol, na Crimeia. Mesmo dissidentes famosos como Aleksandr Solzhenitsyn e Joseph Brodsky insistiram que a Ucrânia era parte integrante da história russa e, na verdade, da Rússia", escreveu.
Maior erro desde o fim da Guerra Fria
Alertas semelhantes também foram feitos por John Mearsheimer, renomado cientista político e professor de Relações Internacionais na Universidade de Chicago, considerado um dos principais estudiosos geopolíticos nos EUA da atualidade. Nas análises dele sobre a guerra na Ucrânia e a expansão da OTAN, argumenta que as políticas do Ocidente provocaram a invasão russa.
Em 2015, ele ponderou que a expansão da OTAN foi o erro estratégico mais profundo cometido desde o fim da Guerra Fria e relembrou que, em 1997, foi convidado a falar ao Senado dos EUA à luz da iminente aprovação dos senadores para expandir a aliança militar.
"Considero que a recomendação da administração de aceitar novos membros para a OTAN neste momento é equivocada. Se for aprovada pelo Senado dos Estados Unidos, poderá muito bem ficar na história como o erro estratégico mais profundo cometido desde o fim da Guerra Fria. Longe de melhorar a situação da segurança dos Estados Unidos, dos seus Aliados e das nações que desejam aderir à Aliança, poderia muito bem encorajar uma cadeia de eventos que poderia produzir a mais grave ameaça à segurança desta nação desde o colapso da União Soviética."
Cúpula da Paz sem a Rússia
Em seguida às eleições do Parlamento Europeu será realizada a Cúpula da Paz na Ucrânia, nos dias 15 e 16 de junho, no resort Bürgenstock, na Suíça. O evento foi organizado em resposta a um pedido do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy e pretende desenvolver uma posição de negociação unificada baseada na "Fórmula de Paz" de Zelenskyy, com o objetivo de apresentar essas propostas à Rússia como um primeiro passo para alcançar uma paz justa e duradoura. A Rússia não foi convidada.