CARACAS -- Não é a falta de novos líderes de esquerda que facilita o avanço da direita na América Latina, mas o apoio que os politicos neoliberais recebem da mídia hereditária, hegemônica e corporativa.
A opinião é do ex-presidente do Equador, o economista Rafael Correa, que se diz vítima dos jornalões e emissoras de rádio e TV de seu país, nos quais sofre assassinato de caráter quase diário.
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Condenado a dez anos de prisão na Lava Jato equatoriana, que investigou obras locais da Odebrecht, ele afirma que foi alvo de lawfare como o presidente Lula -- preso depois de condenado antecipadamente no tribunal do Jornal Nacional.
Correa vive no exílio faz sete anos, entre a Bélgica e a Venezuela. Em Caracas, recebeu a visita da revista Fórum para uma entrevista.
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Nela, rejeitou a crítica que se faz a lideranças históricas do continente, acusadas de impedir o surgimento de sucessores para se perpetuar no poder.
Segundo Correa, não é isso que favorece a direita, mas a mídia, que promove candidatos de ideias economicamente ultrapassadas que resistem na América Latina, como o neoliberalismo.
Trechos:
Fórum: A mídia é mesmo tão importante para os políticos conservadores?
Correa: Acredito que ela tem o maior poder da história da Humanidade, não há exército que possa invadir o mundo, a desinformação pode. Os meios de comunicação destroem a democracia, temos eleições, mas não democracia. Porque um princípio democrático é que cada poder deve ter o seu contrapoder. Qual é o contrapoder da mídia?
São empresas privadas, com fins lucrativos, estão lá para preservar o status quo, o que interfere completamente no campo do jogo democrático.
Nos culpamos de que não formamos lideranças? A de [Hugo] Chávez não é que tenha sido formada, é natural, como as de Evo Morales, Cristina Fernández.
São lideranças fundacionais, que são muito difíceis de substituir. A culpa é dos dirigentes políticos? Não, é como se Messi não tivesse treinado um sucessor, pudesse ter financiado escolas de futebol. É muito difícil que surja imediatamente outro Messi. Temos que compreender essas coisas.
Não creio que seja correto e não é uma crítica verdadeira. A Revolução Cidadã [do Equador] tem muitos líderes. Acredito que o kirchnerismo também formou muitos líderes, acho que o Partido dos Trabalhadores no Brasil tem muitos líderes, mas é muito difícil substituir um Lula, uma Cristina Fernández, o que não é feito por decreto.
Fórum: Por que os conservadores destruiram a Unasul, que seria o embrião de algo parecido com a União Europeia?
Correa: Precisamente por causa dessa polarização, a polarização na América Latina foi aquela em que a direita veio com a fome retardada.
Lembre-se dos anos 90, do Consenso de Washington, do fim da História.
Nas três eleições presidenciais que tivemos durante os anos 90, no Equador, em todos os segundos turnos era direita contra direita.
A esquerda não existia no início do século 21, mas em seguida ela varre todo o continente e com governos extremamente bem sucedidos. Uma direita atordoada não sabia como reagir, até que passou o torpor. De 2014 em diante se formou o que chamei de restauração conservadora.
A direita veio com um desejo de vingança e destruiu tudo o que era supostamente produto de governos progressistas. A integração regional vai além das ideologias, mas destruíram também a Unasul.
Foi fácil destruir a Unasul por causa de erros cometidos na sua formação, como a regra do consenso, que exige unanimidade para decidir. Vieram governos traidores como o de [Lenin] Moreno [que retirou o Equador da Unasul e pediu de volta o prédio sede da entidade, em Quito].
Precisamos de um esforço grande para retomar a Unasul. É necessário, mas não vejo muita vontade nesses esforços, é uma pena em todo caso [o presidente Lula quer recriar a entidade, que hoje sobrevive no papel]. Por que a Unasul foi destruída? Pela miopia de uma direita que veio com a fome atrasada, pela rendição de governos de direita -- porque não é conveniente para os Estados Unidos uma América Latina unida -- e pela vulnerabilidade da Unasul, devido aos erros cometidos na sua formação. Por exemplo, a regra do consenso, que dá poder de veto. Basta um querer para destruir tudo.
Abaixo, outros trechos da entrevista: