DEMOCRACIA

Evento internacional em Lisboa aborda frutos da Revolução dos Cravos para o mundo

“Herança Universal de Abril”, idealizado pelo Instituto Novos Paradigmas, presidido pelo ex-governador gaúcho Tarso Genro (PT), ocorre na Fundação José Saramago

Tarso Genro discursa na abertura do colóquio internacional.Créditos: Henrique Rodrigues/Revista Fórum
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De LISBOA | Os ecos da Revolução dos Cravos, que tomou as ruas de Portugal há 50 anos, ainda se fazem ouvir. E foi justamente com essa temática, sobre a influência de um acontecimento histórico que marcou o século XX, que um evento em Lisboa está sendo realizado. É o Colóquio Internacional “Herança Universal de Abril”, que nesta quinta-feira (20) e na sexta (21) repercutirá os impactos do levante que reestabeleceu a democracia no pequeno país ibérico depois da ditadura de António de Oliveira Salazar, a mais longeva do Ocidente nos últimos 100 anos.

Organizado pelo Instituto Novos Paradigmas, dirigido pelo ex-governador gaúcho Tarso Genro (PT), e pela Fundação José Saramago, presidida pela jornalista espanhola Pilar Del Río, viúva do mítico escritor luso vencedor do Nobel de Literatura de 1998, o evento trouxe gente de peso do cenário político ibero-americano e europeu já na cerimônia de abertura e em seu primeiro painel, realizada na icônica “Casa dos Bicos”, na Baixa Pombalina de Lisboa, como o deputado da Assembleia Nacional de Portugal Carlos César, que é presidente do Partido Socialista (PS), o militar Vasco Lourenço, dirigente do Movimento das Forças Armadas, que liderou a derrubada do regime salazarista, o economista português Francisco Louçã, professor da Universidade de Lisboa, Monica Xavier, ex-senadora e ex-secretária Geral do Partido Socialista do Uruguai e Silvia Capanema, professora franco-brasileira na Universidade de Sorbonne Paris Nord, na França.

Nas primeiras palavras do pronunciamento de abertura do colóquio, Pilar Del Río lembrou como chegou ao fim a tirania em Portugal, país de seu célebre marido e onde ela vive há décadas. “Foram seres humanos que terminaram com essa ditadura. Eles acordaram e disseram “fascismo não, fascismo nunca mais”, disse à plateia, sob aplausos.

Pilar Del Río discursa ao lado de Tarso Genro na abertura do "Herança Universal de Abril".

Na sequência, Tarso Genro trouxe um resumido cenário dos últimos tempos na América Latina e na Europa no que diz respeito à onda ultrarreacionária, fazendo um contraponto com a libertação de Portugal do jugo fascista há 50 anos, e retomando o golpe malogrado do bolsonarismo no Brasil.

“A Argentina tem hoje um regime protofascista e a eleição num pequeno país da região, o Uruguai, que está próxima, pode ser fundamental para que se forme no Cone Sul uma aliança da extrema direita”, comentou, salientando que, no caso brasileiro, o golpe de Estado levado a cabo pelos bolsonaristas só não vingou por conta da rejeição ao levante por parte dos comandantes das Forças Armadas [apenas o chefe da Marinha teria topado a ruptura proposta por Bolsonaro, segundo o inquérito que tramita no STF], mas com maior destaque para o Supremo Tribunal Federal, que foi, de fato, o fiel da balança para a manutenção do regime democrático no país.

“Os comandantes das Três Armas e o Supremo Tribunal Federal foram os responsáveis, no estamento nacional, por evitar esse golpe, que seria muito mal-recebido na sociedade se se concretizasse”, afirmou Tarso, para lembrar que hoje “já não há uma facilidade extrema como havia nos anos 60 e 70 para esses golpes”.

Quem também fez um raio-x do atual momento de seu país foi o deputado português Carlos César, do PS, assumindo que o cenário contemporâneo é de um parlamento com maioria de direita, não toda ela autoritária, mas quebrando uma lógica que até pouco tempo seria impensável na nação europeia.

“Esse entusiasmo nos últimos meses [com os 50 anos da revolução] de alguma forma serviu já para conter o entusiasmo que a extrema direita vem provando”, começou discursando, ainda que admitindo que as mudanças mais recentes na composição política da Assembleia da República tenham resultado numa maioria conservadora incômoda num Portugal sempre progressista no imaginário popular pós-25 de Abril.

“O saldo eleitoral não foi muito positivo para a esquerda, mas há sim lá um parlamento com forte presença da direita e lá está a extrema direita também... Não há receita milagreira para acabar com essa maioria de direita que agora vemos cá”, conjecturou.