De LISBOA | Este 25 de abril começou no Terreiro do Paço de Lisboa com uma manhã de primavera parcialmente nublada, mas com frestas de um céu azul que insistiam em aparecer. Há exatos 50 anos, um grupo de oficiais intermediários do Exército Português, composto sobretudo capitães (além de alguns majores e dois tenentes-coronéis), se insurgiu contra seus superiores e uma ditadura que se alongava por intermináveis 41 anos. Muitos fatores pesaram para o surgimento do MFA (Movimento das Forças Armadas), como ficou conhecida a conspiração dos sublevados, naturalmente decorrentes do esgarçado estado de exceção, em especial devido à sangrenta Guerra Colonial. Era o fim do regime e a retomada da democracia.
Portugal foi governada com mão de ferro por António de Oliveira Salazar de 1933 a 1968, quando o tirano morreu, sendo substituído por Marcelo Caetano, que deu sequência à ditadura. Aliás, cabe frisar que o salazarismo não foi uma ditadura militar, mas sim um regime com militares. Salazar era um acadêmico de Direito formado na prestigiada Universidade de Coimbra, onde foi professor de Economia Política e Finanças. Ele congregou setores reacionários diversos, como ultracatólicos, fascistas, monarquistas saudosistas, militaristas e toda sorte de gente autoritária, e não chegou ao poder com um golpe, mas sim como uma aposta dos militares que deram um golpe em 1926 e viram suas expectativas de êxito se frustrarem e a insatisfação crescer entre o povo.
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A multidão que se reuniu esta manhã na Baixa Pombalina para celebrar meio século de volta à democracia vibrava com cada unidade das Forças Armadas que passava marchando de armas em punho. Uma salva de palmas brindava o estrondo dos caças supersônicos F-16 da Força Aérea Portuguesa que rasgavam o céu em baixa altitude e em simétrica formação. Quando os antigos blindados que levaram a cabo o 25 de abril de 1974 chegaram ao local, para ficarem expostos ao fim da cerimônia de Estado, o povo os cercou, subiu em cima dos tanques e posou para fotos agitando bandeiras do país ibérico. Eles têm a absoluta consciência que os militares os libertaram de uma ditadura, fizeram uma transição que permitiu que a nação se tornasse uma democracia moderna e até hoje seguem como um braço forte a garantir que tudo esteja dentro da Constituição da República, espantando qualquer investida autoritária.
O 25 de Abril levou também a uma mudança na mentalidade das novas gerações de militares. A legalidade, a democracia e a obediência ao poder civil estão consolidadas. Os quartéis e seus ocupantes têm uma função, estão conformados e em concordância com isso e não se intrometem em assuntos alheios. As armas são para proteger o país, sua soberania e as instituições, legando ao povo a tarefa de decidir quem governa, quem entra e quem sai do poder. O que os portugueses festejam ao ver suas tropas nas ruas a desfilarem é exatamente isso.
No Brasil, os militares apearam do poder um presidente constitucional e democraticamente eleito em 1964. Impuseram um despotismo mórbido e funesto em seguida, banindo cidadãos, prendendo outros, torturando gente e cometendo assassinatos. Como resposta a essa indigência civilizacional e à traição à pátria, que deveria confiar nesses servidores para protegê-la e assegurar sua democracia, ainda nos dias atuais uma massa cada vez maior de cidadãos brasileiros aplaude essa patuscada vergonhosa, que mesmo mofada pelas décadas decorridas voltou à moda com o avanço explosivo da extrema direita e do revisionismo histórico bizarro freestyle.
Deve ser por isso que seguimos tutelados pela caserna, porque ela se sente confortável em dar golpes e esmagar a democracia, uma vez que, mesmo vilipendiando o que há de mais sagrado num país, permanece sendo venerada por uma horda de celerados que fingem não entender o que é certo e o que é errado.