De LISBOA | Os 49 anos da Revolução dos Cravos, em 2023, tiveram um clima de grandessíssima pompa e ansiosas expectativas para a chegada do marco de meio século da redemocratização de Portugal, no ano seguinte, em 2024. É necessário contextualizar que a visita do presidente Lula (PT) naquela oportunidade, há um ano, quando estava recém-empossado em seu terceiro mandato, roubou a cena e potencializou as manifestações e discursos, contra e a favor do brasileiro.
Chegou então 2024 e o grande dia de comemorar os 50 anos da sublevação militar que pôs fim à mais longeva ditadura do ocidente, mas o clima era bem melancólico no centro nervoso da política nacional portuguesa. Na Assembleia da República, sede do Legislativo luso e local sagrado para a moderna democracia europeia da pequena nação ibérica, o ambiente era “diferente”. É lógico que havia muito a se celebrar, entretanto, um sentimento de fraqueza e estranheza parecia pairar no ar.
Te podría interesar
Em 2023, o primeiro-ministro era António Costa, líder do PS (Partido Socialista), um político carismático e “reeleito” pouco mais de um ano antes com maioria folgada, o que fez com que sua legenda de centro-esquerda ocupasse à época 120 assentos dos 230 da Assembleia da República. Astuto homem público e reconhecido em todo o continente como um hábil governante, Costa tinha uma potência só no olhar e na maneira de se pronunciar ao povo e ao parlamento. Só que no fim do ano passado foi vítima de uma presepada protagonizada pela Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, que o acusou de algo inexistem, de forma vaga, fazendo com que o chefe de governo colocasse seu cargo à disposição por não se sentir à vontade em liderar a nação e ser “indiciado”. Não havia nada contra Costa, ele não foi indiciado, mas o plano já tinha dado certo e ele estava fora do Palácio de São Bento.
Quem ocupa agora o posto de primeiro-ministro é Luís Montenegro, do PSD (Partido Social Democrata), de centro-direita, uma espécie de PSDB antes do falecimento e do nascimento do bolsonarismo. Ele chegou ao cargo numa eleição apertadíssima, na qual sua coalizão com dois partidos nanicos obteve 80 cadeiras contra 78 do PS. Montenegro e sua sigla tiveram a dignidade de não se juntar à extrema direita representada pelo Chega, que explodiu em votos e subiu sua representação de 12 para 50 assentos. Não se juntou aos fascistas, ouviu uma apressada admissão de derrota do PS e, num acordo com os socialistas, acabou por ser indigitado pelo presidente da República, formando um governo fragilíssimo e sem brilho. Até a cara do sujeito transparece pouca confiança.
Voltando ao Chega, a conquista de mais do que quadruplicar sua bancada, que totalizou em números absolutos 1.670.000 votos, assustou a todos. No ano do cinquentenário da redemocratização, o grande vitorioso ser um grupelho de destrambelhados agressivos que ninguém levava a sério é no fundo uma baita derrota para o país. Eles estavam nesta quinta-feira (25) na Assembleia da República, em peso, e lá fizeram uma farofada deplorável e incivilizada que constrangeu a todos.
Já Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da República popularíssimo e “boa-praça” em seus oito anos de mandato até aqui (ele está reeleito e cada mandato tem cinco anos de duração) enfrenta uma tormenta. Primeiro por ter sido acusado de relação com um caso embaraçoso envolvendo seu filho, que teria praticado tráfico de influência ao conseguir com dinheiro público um medicamento milionário para duas bebês gêmeas de origem luso-brasileiras. Depois, Rebelo entrou na mira de grupos partidários e de analistas políticos pela pressa como dissolveu o parlamento e aceitou quase sorrindo a demissão de António Costa na “golpada” da PGR. Para muitos, ainda que o socialista insistisse em deixar o cargo por causa da acusação descabida do Ministério Público, como presidente, Rebelo poderia ter determinado que o PS, grande vencedor das eleições legislativas de 2022, apenas indicasse um outro líder para chefiar o governo.
Para terminar de ferrar com o inferno astral do chefe de Estado, suas falas numa roda de imprensa com jornalistas estrangeiros na véspera do 25 de Abril, assim como declarações esdrúxulas sobre figuras políticas, tornaram-no alvo de um oceano de críticas. Para se ter uma ideia, ao falar que “conhecia a personalidade política” de cada um dos primeiros-ministros que passaram recentemente pelo Palácio de São Bento, Rabelo disse que “Costa é lento porque é oriental” (o ex-premiê tem origem indiana pelo lado paterno) e que “Montenegro tem comportamento rural”, por vir de uma cidade pequena. Em síntese, chamou o homem de caipira. Na tal conversa com correspondentes internacionais, o presidente da República ainda se manifestou, por livre e espontânea vontade, de maneira favorável a “pagar os custos” a países e povos colonizados e explorados por Portugal, o que gerou um terremoto de críticas vindas de todos os lados.
Num ambiente perturbado pela recente eleição que não resultou num vencedor explícito, com um primeiro-ministro de cariz morno e pouco confiante e um presidente contestado e atacado pela esquerda e pela direita, e especialmente pela extrema direita, a atmosfera no suntuoso edifício que sedia o poder Legislativo português não foi, decerto, aquela imaginada nos últimos tempos para quando o grande dia dos 50 anos da Revolução dos Cravos chegasse.