INCONTINÊNCIA CRÔNICA

Milei insulta de forma ainda mais grave premiê espanhol e acentua crise

Presidente argentino de extrema direita chama Pedro Sánchez de 'covarde' e 'mentiroso'; ele também faz malabarismos para justificar sua viagem privada à Espanha com dinheiro público

Créditos: Getty Images - Presidente ultradireitista da Argentina, Javier Milei, não dá trégua no confronto com premiê espanhol, Pedro Sánchez
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Quem achou que havia uma trégua no confronto com o governo da Espanha, o presidente argentino, Javier Milei, fez questão de frustrar essa possibilidade.

O novo capítulo da controvérsia ocorreu em uma entrevista concedida por Milei ao canal conservador La Nación+ na noite desta quinta-feira (23). Quando questionado sobre Pedro Sánchez, o ultradireitista o chamou de “incompetente, mentiroso e covarde que mandou seus ministros me atacarem, nem sequer teve coragem de fazê-lo”.

Também afirmou que Sánchez “interferiu na política argentina, desempenhando um papel na campanha eleitoral”, referindo-se ao apoio do espanhol a Sergio Massa, o candidato peronista derrotado nas eleições do ano passado.

O presidente argentino ainda acrescentou: “Sánchez covardemente mandou mulheres me atacarem, para me enquadrar em uma questão de misoginia e, como isso não funcionou, ele e [José Luis Rodríguez] Zapatero me atacaram diretamente. Ele me atacou de todas as maneiras possíveis, e quando respondi de forma abstrata, ele se sentiu aludido e utilizou o aparato do Estado para responder, em prejuízo de uma relação maravilhosa entre os povos da Espanha e da Argentina”.

Para Milei, o presidente espanhol “é hoje a piada da Europa em matéria diplomática”.

Acionando mais uma vez sua metralhadora giratória de insultos contra o mandatário espanhol, as declarações do ultradireitista aprofundaram o confronto iniciado no último fim de semana, quando Milei chamou o presidente do governo espanhol de “escória” e sua esposa, Begoña Gómez, de “corrupta”.

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A Espanha exigiu um pedido de desculpas que nunca chegou, iniciando uma crise diplomática sem precedentes, que deixou o país europeu sem embaixador em Buenos Aires.

Outro tema dessa entrevista foi a carta da embaixada argentina em Madri, que informou que a visita de Milei na semana passada à Espanha teve caráter “privado”. Isso alimentou questionamentos sobre o uso de fundos estatais para financiar viagens sem interesse público.

Ele fez malabarismos para justificar o uso de dinheiro público para bancar sua agenda privada. “O que tento fazer é encaixar atividades para economizar recursos”, referindo-se à sua participação na cúpula do partido ultradireitista Vox e à reunião com empresários espanhóis.

Debate sobre gastos polêmicos

A oposição argentina foi para cima do governo de Milei por pagar com dinheiro público sua visita privada à Espanha. Lideranças de vários partidos opositores exigiram a abertura de uma investigação judicial por suposta fraude ao Estado, após a divulgação de uma carta da embaixada argentina em Madri dirigida ao Ministério de Assuntos Exteriores da Espanha, informando o caráter privado da viagem. O debate sobre os gastos polêmicos do Executivo ultradireitista foi reaberto.

O porta-voz presidencial, Manuel Adorni, fez malabarismos para justificar tanto a embaixada em Madri quanto o Executivo durante uma coletiva de imprensa.

“É absolutamente correto que a embaixada tenha definido a visita como privada porque não há audiências oficiais, mas sim encontros com empresários, acadêmicos ou pessoas relevantes da cultura. Também é absolutamente correto que eu ou qualquer um do governo tenha dito que a visita não era privada. Nós não usamos a mesma terminologia que a chancelaria usa porque, caso contrário, não nos entenderíamos, pois se eu digo visita privada, você entende que é de caráter estritamente pessoal e que deveria ser financiada com o patrimônio do presidente”, respondeu Adorni

A declaração do porta-voz desmente a carta da Embaixada da Argentina em Madri. Fontes próximas a Milei classificaram como “erro da embaixada” o fato de que nela se informasse uma “visita privada” do presidente e não uma oficial, como sustenta o governo para evitar a polêmica sobre os elevados gastos das viagens presidenciais ao exterior em meio a um severo corte de gastos públicos.

O presidente ultradireitista ensaiou outra justificativa e disse que é possível fazer uma visita de chefe de Estado e não necessariamente se encontrar com outro chefe de Estado e deixou claro que sua viagem foi planejada para participar do lançamento da campanha às eleições europeias do Vox.

“Quando tenho uma atividade, claro, originalmente tinha um formato, mas depois fizemos uma agenda para resolver problemas da Argentina. E a Espanha é um dos países com mais investimentos na Argentina, então fui e me sentei para falar com empresários espanhóis. Parte da minha agenda internacional tem a ver com encontrar o melhor cenário para fomentar o investimento no país”, disse.

Milei aproveitou para atacar os dirigentes opositores que o criticam. “Eu entendo que a maioria dos políticos argentinos seja de escala liliputiana, ou seja, insignificantes, desconhecidos e sem brilho internacional... Não é o que acontece comigo, onde vou é uma sensação. De fato, sou, digamos, o político mais popular do mundo”, assegurou.

“Eu entendo que isso os enche de inveja, ódio, ressentimento e, então, vão querer me sujar. Eu sou convidado para muitos lugares, recebo muitos prêmios.” Disse que aproveita essas atividades para desenvolver “uma ação de marketing da Argentina no mundo”.

Desculpas esfarrapadas não aceitas

As explicações oficiais não foram suficientes para a oposição, que denunciou o presidente argentino nos tribunais. “Apresentamos denúncia contra o presidente Milei e Francisco Sanchez (secretário de Culto) para que sejam investigados por peculato e fraude ao Estado”, informou nesta sexta-feira (24) o deputado Fernando Carbajal, do União Cívica Radical (UCR), signatário da acusação junto com seus colegas Pedro Galimberti e Manuel Aguirre.

Na Argentina, o Secretário de Culto é um cargo do governo nacional responsável por supervisionar e coordenar as relações entre o Estado e as diversas comunidades religiosas do país. Este cargo geralmente está dentro do Ministério das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto

“O presidente viajou à Espanha por questões estritamente pessoais. Participou de uma atividade de caráter partidário e foi apresentar um livro de sua aparente autoria. O caráter privado da viagem resulta da natureza de ambos os eventos, nenhum dos quais tem qualquer relação com a gestão dos interesses nacionais. Além disso, está juridicamente respaldado pelo próprio Estado argentino, que, através de seu embaixador, assim informou oficialmente ao Reino da Espanha, conforme divulgado recentemente por publicações do jornal El País da Espanha”, diz a denúncia.

Gastos exorbitantes

Os principais meios de comunicação da Argentina citaram a carta diplomática na qual se informou o caráter “privado” da visita de Milei a Madri. A comunicação incomoda o governo argentino devido ao debate gerado sobre quem deve arcar com os custos de uma viagem centrada na promoção da figura do líder ultradireitista.

O Executivo ainda não oficializou o custo da viagem, mas segundo cálculo do jornal La Nación, só o uso do avião presidencial rondou os 200 mil dólares. (cerca de 50 milhões de pesos argentinos, aproximadamente 1 milhão de reais).

Milei chegou ao poder com a promessa de reduzir os gastos da política e eliminar os privilégios da casta, mas os meios de comunicação questionam se ele não começa a se parecer com aqueles que criticava durante a campanha eleitoral.

“Não, não somos kirchneristas”, respondeu na semana passada o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, quando um jornalista comparou sua forma de agir com a do governo anterior.

Avanços com kirchneristas

De fato, não há nem como comparar o governo de um presidente que se aconselha com um cachorro morto e os governos kirchneristas, liderados por Néstor Kirchner (2003-2007) e sua esposa Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015), que trouxeram vários avanços e mudanças significativas para a Argentina.

Sob Néstor Kirchner, a Argentina experimentou uma recuperação econômica significativa após a crise de 2001. O país registrou altos índices de crescimento econômico durante seus anos no poder.Houve uma redução considerável da pobreza e da desigualdade social, impulsionada por programas sociais e políticas de redistribuição de renda.

O salário mínimo foi aumentado várias vezes, melhorando a renda dos trabalhadores de baixa renda. A Implementação de programas sociais como a Asignación Universal por Hijo (AUH), que oferece subsídios às famílias de baixa renda com crianças, e o Progresar, destinado a jovens estudantes melhorou a vida da população.

Houve investimentos significativos em infraestrutura, incluindo a construção de estradas, pontes e habitações populares. Além da expansão do setor energético, com a construção de novas usinas hidrelétricas e nucleares.

O governo de Néstor Kirchner reabriu os julgamentos de crimes cometidos durante a ditadura militar (1976-1983), resultando em várias condenações de oficiais militares e de segurança envolvidos em violações de direitos humanos. Também foram fortalecidas políticas de memória, verdade e justiça, incluindo a criação de espaços de memória e a promoção de atividades educativas sobre os direitos humanos.

No período dos governos kirchneristas houve fortalecimento dos laços com outros países da América Latina, promovendo a integração regional através de organismos como a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Assim como a renegociação da dívida externa e confrontos com instituições financeiras internacionais, buscando maior autonomia econômica para a Argentina.

A população argentina experimentou a ampliação do acesso à educação com a construção de novas escolas e universidades, além de aumento nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento científico. Houve ainda a promoção de políticas de inovação e tecnologia, incluindo investimentos em ciência e tecnologia e a criação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva.

Em 2010, durante o governo de Cristina Kirchner, a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi aprovada a Lei de Identidade de Gênero, que permite que pessoas transgênero mudem seu nome e gênero nos documentos oficiais sem a necessidade de cirurgia ou aprovação judicial.

Esses avanços marcaram os governos kirchneristas como um período de profundas transformações sociais, econômicas e políticas na Argentina, apesar das controvérsias e desafios enfrentados durante esses anos.

A catástrofe do governo Milei

Desde que Javier Milei assumiu a presidência da Argentina, em dezembro de 2023, a situação da população tem sido marcada por contrastes significativos entre suas políticas econômicas e o impacto social resultante.

Apesar de uma redução na inflação, que caiu de aproximadamente 25% em dezembro para cerca de 13,2% em fevereiro de 2024, a pobreza na Argentina aumentou consideravelmente. A pobreza subiu de 45% para 57%, com a UNICEF prevendo que a taxa de pobreza infantil suba de 62% para 70%. A perda de poder de compra dos salários e pensões tem levado a um aumento significativo na desigualdade social e ao agravamento das condições de vida para muitos argentinos.

As políticas de austeridade de Milei, que incluem cortes drásticos nos gastos públicos e privatizações, têm gerado críticas severas. Essas medidas levaram ao fechamento de várias instituições públicas e à redução de benefícios sociais, afetando diretamente os mais vulneráveis. Além disso, a diminuição de recursos para cozinhas comunitárias e outras formas de assistência social tem aumentado a insegurança alimentar e a dependência de ajudas externas em muitas regiões do país.

Milei propôs reformas econômicas radicais, incluindo a desastrosa ideia de dolarizar a economia argentina, o que gerou debates intensos entre economistas e a população. Embora alguns vejam isso como uma solução para a hiperinflação, outros alertam que essa medida pode limitar ainda mais a capacidade do governo de gerenciar a política monetária e econômica.

Há um crescente descontentamento entre os trabalhadores e sindicatos, resultando em protestos e greves contra as políticas de austeridade. A agenda de Milei enfrenta resistência significativa no Congresso, onde ele não tem a maioria necessária para aprovar muitas de suas reformas. Isso tem levado o presidente a buscar apoio através de decretos executivos e negociações diretas com governadores provinciais.

Com Milei, a população argentina está passando por um inferno, com uma combinação de austeridade econômica e reformas radicais que buscam estabilizar agradar o mercado e punir a população com o aumento exacerbado da pobreza e de tensões sociais.

Com informações do El País