GUERRA DO IRAQUE

Disney vai expor retratos de veteranos pintados por Bush

Ex-presidente dos EUA passou a se dedicar às artes plásticas ao deixar a Casa Branca; mais de 60 pinturas fazem parte de mostra de obras dele; retratos como o de Putin ficam de fora

Créditos: Instituto George W. Bush
Escrito en GLOBAL el

Na noite de 19 para 20 de março de 2003 os Estados Unidos e aliados deram início à Guerra do Iraque. Sob o falso pretexto de que o país árabe mantinha um arsenal de armas de destruição em massa, a invasão feita por uma coalizão multinacional liderada por Washington durou oito anos.

Wikimedia Commons - Soldados dos EUA posam para uma foto sob o "Arco da Vitória" na Praça da Cerimônia, em Bagdá, Iraque, em novembro de 2003.

As estimativas do total de pessoas mortas nesta guerra divergem e variam entre 100 mil a 600 mil mortes. Àquela época, George W. Bush era o presidente dos EUA.

Depois de promover essa matança e sair da presidência, em 2009, Bush começou a pintar. Ele descobriu sua paixão pela pintura enquanto se dedicava a outros hobbies, como a leitura e a prática de esportes.

Ao longo dos anos, Bush aprimorou suas habilidades artísticas e se tornou conhecido por suas pinturas de retratos, paisagens e imagens relacionadas à história dos EUA e aos veteranos militares.

Exposição na Disney

Instituto George W. Bush

A partir do dia 9 de junho, os retratos feitos pelo ex-presidente de veteranos de guerra serão exibidos no Walt Disney World, na Flórida, como parte de uma celebração aos veteranos que foram para essa guerra forjada em mentiras para lutar pelo "mundo livre".

As peças ficarão em exposição durante um ano na mostra "Retratos de Coragem: Uma Homenagem do Comandante aos Guerreiros da América".

A Disney explicou que cada pintura na exposição será acompanhada pela "história inspiradora" daqueles que são retratados.

Instituto George W. Bush

Mais de 60 pinturas, muitas apresentando membros do serviço que o ex-presidente conheceu pessoalmente, farão parte da exposição no pavilhão da Aventura Americana no parque central da Flórida, no parque temático EPCOT.

Veia artística

Bush, 77, ocupava a Casa Branca durante os ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono, evento que desencadeou a chamada "Guerra ao Terror", que inclui a Guerra do Iraque.

Quando uma exposição semelhante foi aberta em 2017, Bush explicou que conhecia pessoalmente cada pessoa que havia pintado.

"Essas são pessoas que não querem ser chamadas de heróis", disse Bush à NBC News. "Elas apenas querem [que os outros] digam obrigado por fazer um bom trabalho e não quero que as pessoas sintam pena delas."

Retrato de Putin no livro de pinturas de Bush

Reprodução

A mostra que a Disney vai exibir foi lançada como livro por Bush em 2017. Chamado Portraits of Courage, apresenta uma série de pinturas, feitas por ele, em tributo a soldados veteranos dos EUA.

Além dos veteranos, o livro traz retratos de líderes. Entre eles está Vladimir Putin, o presidente da Rússia. Mas não vai aparecer na Disney.

Reprodução

Fim com quase 30 mil bombas depois

Ao longo de oito anos de ocupação, entre 2003 e 2011, segundo dados do Pentágono, os EUA e seus aliados haviam lançado 29.166 bombas e mísseis sobre o Iraque. Grande parte da infraestrutura local estava em ruínas.

O país árabe mal pôde resistir à primeira onde de ataques, na campanha de "choque e pavor" conduzida pela "coalizão dos dispostos", composta pelo Reino Unido, Austrália e Polônia, sob liderança dos Estados Unidos.

Em apenas três semanas, Saddam Hussein e sua ditadura brutal foram eliminados. Três semanas depois, do convés do porta-aviões USS Abraham Lincoln, o presidente George W. Bush anunciava triunfante: "missão cumprida".

A ONG britânica Iraq Body Count calcula em 7 mil o número de civis mortos.

Assim se concluíam as operações militares de maior porte, mas ao mesmo tempo iniciava-se uma longa e fatal fase de ocupação, que ao todo custou entre 200 mil a 500 mil vidas (dependendo da estimativa).

Em 2006, a revista de medicina The Lancet computava 650 mil "mortes adicionais".

21 anos depois

Em 2023, nos 20 anos da Guerra do Iraque, vários estudiosos fizeram análises sobre o significado daquele conflito.

O diretor do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), Dan Smith, falou com o DW e comentou:

"O aventurismo militar foi uma das últimas expressões da crença do Ocidente de que fosse capaz de reconfigurar um país e uma ordem regional, para se adequar às suas preferências."

A tarefa de transformar o Iraque em uma democracia ocidental enfrentou desafios muito maiores do que inicialmente previsto por Washington. As intricadas questões étnicas e religiosas no país provaram ser mais complexas do que a administração ocupante estava preparada para lidar.

As tropas dos Estados Unidos se retiraram do Iraque em 2011, apenas para retornarem mais tarde para combater o chamado "Estado Islâmico", que surgiu após a queda do regime de Sadam Hussein. De acordo com o Ministério da Defesa da Alemanha, atualmente 120 soldados da Bundeswehr estão estacionados no Iraque.

Resistência à ocupação

Um atentado com carro-bomba ao complexo das Nações Unidas em Bagdá, em 19 de agosto de 2003, que fez 22 vítimas, deu a partida a uma insurgência implacável e fatal.

"Se a missão era libertar o Iraque do terror, reerguê-lo e fortalecer a segurança em todos os níveis, ela foi um fracasso total", resumiu em 2018 o ex-secretário-geral da ONU Javier Solana, num comentário para a plataforma Project Syndicate.

Na época da invasão, em artigo para o jornal FAZ, o destacado filósofo alemão Jürgen Habermas afirmou que uma consequência da decisão de Washington de infringir as leis internacionais, indo adiante com a guerra, fora "dar superpoderes e um exemplo desastroso" a ser seguido.

Crimes de guerra e torturas

A reputação global dos Estados Unidos caiu ainda mais com a revelação de crimes de guerra e tortura. O mais tardar no começo de 2004, todo o mundo conhecia o nome Abu Ghraib, a infame prisão do regime de Saddam, que não mudou muito quando os militares dos EUA a assumiram: fotos vazadas revelaram cruéis torturas físicas e psicológicas contra os detentos.

Além disso, houve incidentes de violência estadunidense contra civis. Em 2005, integrantes da Marinha mataram 24 cidadãos desarmados em Haditha, no centro-oeste iraquiano.

Dois anos mais tarde, em Bagdá, funcionários da firma de segurança Blackwater abriram fogo contra uma multidão, matando 17. Num vídeo vazado pela Wikileaks, um helicóptero militar atirava contra civis, matando 12, entre os quais um jornalista da agência de notícias Reuters.

Guerra forjada em mentiras

As duas razões alegadas pela gestão de Bush para justificar a guerra eram mentiras: não se encontrou nenhuma arma de destruição em massa após a invasão; e o Iraque não participou dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 em solo americano, Saddam sequer tinha conexões com Osama bin Laden e os terroristas da Al Qaeda.

As informações secretas em que tais alegações se basearam, ou eram falsas, ou exageradas."O caso é que eles tinham decidido o que queriam fazer, e aí tentaram encontrar razões para tal", explica Stephen Walt, professor da Kennedy School de Harvard.

"Não é que a inteligência estivesse informando a decisão: eles a manipularan ou 'esculpiram' para justificar o que já tinham decidido fazer."

"Provas" de Colin Powell

O papelão de Colin Powell na ONU
O então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell com uma amostra de antrax durante uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O governo Bush alegava que o Iraque de Saddam tinha vários estoques deste componente químico, além de outros.
5/2/2003

O ápice dessa campanha de influência pública foi em 5 de fevereiro de 2003, quando o secretário de Estado Colin Powell foi à Organização das Nações Unidas (ONU) apresentar "provas" dos programas iraquianos de armas de destruição em massa, incluindo tentativas de adquirir armamento nuclear.

Após deixar o governo Bush, Powell foi um dos poucos altos funcionários dos EUA a lamentarem seu papel no caminho do país até a guerra, classificando o discurso na ONU como "uma mancha" em seu currículo.