ONDA REACIONÁRIA

Portugal: “Papelão” de Ventura e fascistas na rua nos 50 anos da Revolução dos Cravos

Em meio à grande celebração democrática, extrema direita faz baderna infantil no parlamento e radicais ultrarreacionários marcham nas ruas com ar de naturalidade

Ventura em seu show de horrores na sessão solene do 25 de Abril.Créditos: Henrique Rodrigues/Revista Fórum
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De LISBOA | Portugal viu-se envolto numa grande festa nos últimos dias, que teve como ponto máximo esta quinta-feira, 25 de abril, data que marca dos 50 anos da Revolução dos Cravos, o levante militar conduzido por oficiais intermediários do exército que derrubou a ditadura salazarista que perdurou 41 anos, na longínqua primavera de 1974. Dia muito aguardado, de tanto significado acabou mesmo por ter comemorações à altura. Mas o país vive um momento tenso e nem tudo foram flores, ou melhor, cravos.

Também vivendo uma onda de extrema direita, como boa parte das sociedades ocidentais, a nação ibérica viu crescer essa franja radical nos últimos anos e se chocou ao testemunhar a explosão de representação do partido Chega, de perfil autoritário e reacionário, na última eleição legislativa, realizada há menos de dois meses, quando a agremiação saltou de 12 deputados para 50, num universo de 230 parlamentares na Assembleia da República.

E foi lá mesmo, na Assembleia da República, que os ecos da extrema direita se fizeram ouvir. André Ventura, o líder do Chega, protagonizou um show de horrores na sessão solene em comemoração aos 50 anos do 25 de Abril, tradicionalmente realizada no imponente edifício que sedia o poder Legislativo. Mesmo com alguns discursos de líderes partidários contendo críticas e um pouco acima do tom para uma data tão formal, as palavras e a verborragia bufa de Ventura roubaram a cena.

Admirador e entusiasta do fenômeno bolsonarista, assim como fã assumido do líder da extrema direita brasileira, Jair Bolsonaro, o “comandante” da legenda fascista berrava como um gorila. Gesticulando de maneira agressiva, Ventura não respeitou a liturgia exigida num evento tão sóbrio, despejando impropérios e ataques diretamente da tribuna da Assembleia da República para os partidos adversários e, sobretudo, endereçados ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sentado a poucos metros acima dele.

“O senhor presidente da República traiu os portugueses quando diz que temos de ser culpados e responsabilizados pela nossa história, que temos de indenizar outros países pela história que temos conosco”, vociferou aos gritos Ventura, referindo-se a uma declaração do chefe de Estado na qual ele posicionou-se a favor de reparar financeiramente povos e nações que foram explorados e colonizados por Portuga.

As grosserias, no melhor estilo bolsonarista, lembrando os discursos desconexos e deploráveis dos parlamentares radicais da extrema direita brasileira no Congresso Nacional, não pararam por aí.

“[O senhor] tem de respeitar os portugueses antes de tudo, porque o senhor presidente da República foi eleito pelos portugueses, não foi pelos guineenses, pelos brasileiros, pelos timorenses”, disparou, em claro tom xenofóbico.

Sobre o tal “pagamento” citado por Rebelo, o extremista luso, sempre aplaudido de forma incivilizada e esfuziante por seus 49 companheiros de bancada, ainda se vangloriou da exploração imposta pelos portugueses a vários povos de todos os continentes da Terra.

“Pagar o quê? Pagar a quem? Se nós levamos mundos ao mundo inteiro. Se hoje em todo o mundo se elogia a pátria e o mundo da língua portuguesa”, acrescentou o homem que gosta de ser referido como “o Bolsonaro português”. Ainda houve tempo para dizer, reafirmando seu orgulho colonialista, que “ama a história deste país” e que “o senhor presidente também deveria amar a história deste país”.

Fascistas na rua, com toda naturalidade

Por volta das 16h no horário local, dois grupos assumidamente fascistas literalmente marcharam pela Rua do Arsenal em direção ao Terreiro do Paço. O primeiro, mais numeroso, era formado por aproximadamente 120 radicais de ultradireita que gritavam cânticos xenofóbicos e carregavam cartazes com insultos contra estrangeiros, onde podia-se ver símbolos e insígnias inequivocamente em referência ao fascismo.

É de se imaginar que a patota tenha fama de violenta, visto que o contingente de extremistas era acompanhado por 11 furgões da Unidade Especial de Polícia, compostas por agentes do EIR (Equipe de Intervenção Rápida), espécie de Bope da Polícia de Segurança Pública (PSP), fortemente armados e com os rostos cobertos por capuzes. Já o segundo grupo era pequeno, mais caricato, já que seguravam estandartes no estilo medieval, sendo também acompanhado por policiais.

Grupo de extrema direita marcha na Rua do Arsenal, no centro histórico de Lisboa, em pleno 25 de Abril / Henrique Rodrigues

 

Policiais de elite isolam trecho do Terreiro do Paço onde extremistas se manifestavam na tarde do 25 de Abril / Henrique Rodrigues