TIKTOK

TikTok não foi banido nos EUA só por sua ligação com a China, mas também com os palestinos

Pressão por banimento da rede social aumentou depois de 7 de outubro e deputados ligados a Israel fizeram defesa vocal do projeto

Para atender pressões de diversos grupos políticos, Biden joga fora eleitorado crucial para eleiçõesCréditos: Gage Skidmore
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Nesta quarta-feira (24), o presidente dos EUA Joe Biden sancionou o projeto de lei que proíbe o TikTok no país ou força sua venda para uma empresa estadunidense.

A rede seguirá operando até o fim do ano e, caso não haja mudança de controladora, será proibida no país.

Enquanto a leitura mais ortodoxa do fato pode ser atribuí-lo ao conflito comercial entre China e Estados Unidos, com supostas alegações de que a ByteDance seria ligada ao Partido Comunista Chinês, existe uma outra interpretação da radical censura de Biden.

Geopolítica digital

Os interesses dos EUA sobre o TikTok já existe desde 2020, afinal, é a única grande rede social do país que não está sob controle do Vale do Silício.

Conseguir transferí-la para posse estadunidense seria importante para ter o controle sobre os dados dos usuários e por questões puramente financeiras.

Mas existe algo subjacente ao interesse econômico puro.

Meta e Twitter possuem um largo histórico de colaboração com serviços de inteligência dos EUA, inclusive em suas regras de moderação.

A ByteDance, dona do TikTok, nem tanto. Claro, colaborou com as entidades estadunidenses sob ordens judiciais e pressão política, mas não faz parte do jogo do lobby de Washington, coisa que Alphabet - controladora do Google -, Facebook, Apple e X têm feito de maneira forte nos últimos anos.

7 de outubro acelerou a questão

Mesmo que a questão do TikTok já fosse tema de consenso bipartidário em 2021 e 2022, foi a partir do dia 7 de outubro que a questão ganhou velocidade no Congresso americano.

Dados do Axios mostram que a hashtag #StandwithPalestine (Apoie a Palestina) alcançou 210 mil posts entre 16 e 31 de outubro de 2022. Já a hashtag #StandwithIsrael (Apoie Israel) teve apenas 17 mil postagens.

Milhares de pessoas passaram a defender a Palestina, criar conteúdo denunciando os crimes de Israel e exigindo justiça pela população de Gaza.

O dado é simbólico: Israel havia perdido o controle da narrativa dentro da plataforma.

A Liga-Antidifamação (ADL), grupo de lideranças sionistas judaicas que equipara antissionismo a antissemitismo, afirmou que uma das questões de Israel era o "problema do Tiktok e da geração Z".

A entidade afirma que não apoiou formalmente a lei sancionada por Biden, mas que "incentiva legislação e ações para ajudar a conter o ódio no TikTok".

Em nota, a Federação Judaica da América do Norte, organização sionista, formalizou em carta seu apoio ao banimento da rede.

“A questão mais importante para as nossas comunidades judaicas hoje é o aumento dramático do antissemitismo”, escreveu a JFNA numa carta oficial ao Congresso. “Nossa comunidade entende que a mídia social é um dos principais impulsionadores do anti-semitismo e que o TikTok é, de longe, o pior criminoso".

O deputado Josh Gottheimer (Democrata de New Jersey),um dos autores do projeto de lei do TikTok, postou nas redes sociais que “o TikTok, de propriedade da China, tem promovido conteúdo anti-semita, anti-Israel, antiamericano e pró-Hamas” e “é um máquina de propaganda para influenciar os americanos.”

Os mais ávidos defensores da proibição do TikTok – como Gottheimer e o deputado Mike Gallagher (Republicano de Wisconsin) – estão entre os que mais recebem fundos de campanha do Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel (AIPAC), maior lobby sionista do país. 

Sim, o TikTok tem problemas, mas Biden tem mais

É possível afirmar que existe discurso antissemita no TikTok, porque ele existe em literalmente todas as redes sociais em que há a presença de extremistas de direita.

Mas não existe um projeto de lei para banir o X de Elon Musk, onde o negacionismo do 7 de outubro correu solto, conforme mostra relatório de outra entidade sionista, a Cyberwell.

O processo de moderação da ByteDance é criticável, mas a empresa alega remover conteúdo antissemita da plataforma - ao contrário do X, que aposta apenas nas 'Notas da Comunidade'.

Mas o X é do Vale do Silício e tem Elon Musk como financiador. O Facebook tem forte influência na política. A Alphabet também. E todos eles concorrem na guerra por atenção contra a rede chinesa.

Some o sentimento anti-China com pressão o lobby Vale do Silício e os grupos de influência política pró-Israel e se bane uma rede social com mais de 170 milhões de usuários.

A lei não foi bem recebido por nenhum setor da população americana. Mais velhos, mais jovens, minorias, direita, esquerda ou trumpistas. Nenhuma demografia foi atraída pelo projeto de banimento.

A grande quantidade de jovens da geração Z descontentes com Biden por sua política pró-Israel e anti-Gaza e não caem na baboseira de China malvadona.

Biden conscientemente deu um tiro no pé.

Vetar a lei seria entregar a Trump uma propaganda de fraqueza pró-China, contrariar o lobby sionista (afinal, vale lembrar, Biden é o político que mais recebeu dinheiro de organizações pró-Israel na história dos EUA) e desagradar os concorrentes do TikTok no Vale do Silício.

Então, que se bana o TikTok. Mas o estrago já está feito. E a democracia do mundo perde cada vez mais o verniz de liberdade que quer exportar mundo afora.