DE VOLTA AO PASSADO

Milei é assombrado por um pacto do século 19 que pode esvaziar os cofres federais

Em resposta ao corte de repasses para províncias depois da derrota do pacote liberal no Congresso Argentino, três governadores querem recorrer a um pacto de 1859 que pode deixar o presidente de extrema direita em apuros

Créditos: Fotomontagem Iara Vidal - Javier Milei no Fórum de Davos (WEF / Benedikt von Loebell) e Ilustração do local de assinatura do Pacto San José de Flores
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O presidente de extrema direita da Argentina Javier Milei, como todo político com inclinações fascistas, vive para defender um glorioso passado que sequer existiu. Ele fez isso no discurso insano que proferiu durante o Fórum Econômico Mundial de Davos.

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O desejo de Milei de reviver a "era de ouro" do país vizinho pode estar prestes a ser realizado. E não é nada bom para a sanha privatista e autoritária do autointitulado "anarcocapitalista".

Trata-se do Pacto San José de Flores, também conhecido como Pacto União San José de Flores ou Pacto de União Nacional, um acordo assinado entre a Confederação Argentina e o Estado de Buenos Aires em 11 de novembro de 1859.

Esse acordo foi um marco importante na história da Argentina, pois permitiu a unificação do país após anos de divisões e guerras civis. Marcou o início da organização nacional definitiva.

Mas o que um pacto firmado no século 19 tem a ver com a Argentina do século 21? A ideia de usar esse documento antigo veio do ex-amigo de Milei, o advogado Carlos Maslatón, um ativista do liberalismo argentino.

Ele defende que o Pacto San José Flores seja "o caminho legal, pacífico, civilizado e liberal para deter o totalitarismo antiliberal do Estado federal".

Resposta aos cortes de Milei

Os governadores argentinos podem invocar o pacto preexistente e incluído na Constituição Nacional para enfrentar o corte que está sendo imposto pelo Governo Milei após o fracasso da Lei Ômnibus.

Pelo menos três governadores abraçaram a ideia do libertário, informa o jornalista Rogério Tomaz Jr, que acompanha de perto a política da Argentina, em um post no seu perfil no X (antigo Twitter).

"Duríssima jogada de três governadores (de três grupos políticos diferentes) contra Javier Milei, que vinha ameaçando (publicamente) suspender o repasse de fundos às províncias. Axel Kicillof (Buenos Aires), Maximiliano Pullaro (Santa Fé) e Martín Llaryora (Córdoba) decidiram comercializar em conjunto - e pelo Banco Província de Buenos Aires - toda a soja destas províncias, que somam nada menos que 75% da produção desse grão na Argentina", escreveu Tomaz.

Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires, é do Partido Justicialista (PJ), também conhecido como o Partido Peronista, e é associado à corrente kirchnerista, que é uma expressão do peronismo de esquerda na Argentina.

Martín Llaryora, governador de Córdoba, também é do Partido Peronista, mas de um grupo diferente de Kicillof e que oscila entre centro-esquerda e centro-direita.

Maximiliano Pullaro, governador de Santa Fé, é filiado à União Cívica Radical (UCR), um dos partidos políticos mais tradicionais da Argentina, de centro-direita, que integra a coalizão Juntos pela Mudança (anteriormente conhecida como Cambiemos), que inclui o Proposta Republicana (PRO) e a Coalizão Cívica ARI, entre outros.

Tomaz observa que a decisão dos três governadores de aplicar o Pacto de San José de Flores, caso prospere, será um duro golpe contra Milei.

"Entre outras coisas, o pacto determinou que o Banco Província de Buenos Aires ficaria isento de pagar impostos ao governo nacional, em função de o banco ter sido fundado (1822) antes da própria independência do país. Ao deixar de usar o Banco de La Nación para realizar a liquidação da soja, o governo nacional simplesmente vai deixar de receber o tributo sobre o grão. A confusão vai ser grande se isso se concretizar", comenta o jornalista.

O acordo implicaria que os distritos não paguem os impostos de exportação como uma prerrogativa constitucional, a partir dos famosos pactos preexistentes, neste caso, a província de Buenos Aires, através de seu banco público.

O assunto tomou conta das redes sociais da Argentina. Neste sábado (10), a hashtag "Pacto San José de Flores" tornou-se tendência nas redes sociais.

O curioso desse fato político da Argentina é que os temores de Milei para o "espectro comunista" que ronda, na cabeça dele, a América Latina, não é nada diante do espectro lançado sobre o governo dele justamente por um libertário.