CRISE POLÍTICA

Parlamento alemão vota o fim do governo Scholz, que abre caminho para eleições antecipadas

Governo do social-democrata colapsou após demissão do ministro das Finanças; crise beneficia a direita, favorita para vencer o novo pleito, e a extrema direita, que deve aumentar bancada

Olaf Scholz submete-se ao voto de confiança no parlamento alemão.O chanceler alemão Olaf Scholz em discurso no parlamentoCréditos: DBT/Thomas Köhler/photothe
Escrito en GLOBAL el

De BERLIM | A Alemanha enfrenta uma de suas maiores crises políticas em décadas. Nesta segunda-feira (16), o chanceler Olaf Scholz – equivalente a um primeiro-ministro – enfrenta um voto de confiança no Bundestag, o parlamento alemão. O desfecho poderá levar à convocação de eleições antecipadas, previstas para 23 de fevereiro de 2025, e o consequente fim do atual governo alemão. 

Ao abrir a sessão parlamentar desta segunda, Scholz deixou claro seu objetivo: forçar a convocação de novas eleições para que que os alemães decidam o futuro político do país.

"Nestas eleições, os cidadãos podem definir o rumo político deste país. É disso que se trata. É por isso que peço hoje aos eleitores um voto de confiança", declarou o chanceler, que deverá ser o candidato do Partido Social-Democrata (SPD) no pleito de fevereiro mesmo que perca o mandato após a provável derrota no voto de confiança do parlamento. 

Em novembro, o governo alemão colapsou. O ponto alto da crise foi quando Scholz demitiu Christian Lindner, ministro das Finanças, acusando-o de quebra de confiança. Lindner é membro do Partido Liberal Democrático (FDP), que fazia parte da coalizão de governo ao lado do SPD e dos Verdes (Die Grüne). Formada em 2021, a aliança "semáforo" – em referência às cores dos partidos: vermelho, amarelo e verde – governava a maior economia da Europa desde então. 

A demissão de Lindner ocorreu devido a divergências sobre a política econômica. Enquanto Scholz defende um orçamento robusto e maior intervenção estatal, Lindner segue princípios liberais, propondo cortes de gastos e redução do papel do Estado. Após sua saída, os demais ministros do FDP também renunciaram, resultando na perda da maioria parlamentar pelo governo.

Sem apoio suficiente, Scholz optou por se submeter ao voto de confiança. Caso seja derrotado, o presidente Frank-Walter Steinmeier terá até 21 dias para dissolver o parlamento, iniciando o prazo de 60 dias para convocação de novas eleições – já programadas para ocorrerem em 23 de fevereiro após um acordo entre SPD de Scholz e o opositor CDU, liderado por Friedrich Merz.

Contexto da crise política

A demissão de Lindner foi marcada por acusações mútuas. Scholz justificou sua decisão acusando o ministro de bloquear leis importantes e romper acordos.

"Por várias vezes, o ministro Lindner bloqueou leis de maneira irrelevante. Por várias vezes, seguiu por táticas partidárias mesquinhas. Ele chegou até a se retirar unilateralmente do acordo orçamentário, depois de já termos chegado a um consenso em longas negociações. Não há qualquer base de confiança para uma futura cooperação", afirmou Scholz no Bundestag.

Por outro lado, Lindner acusou Scholz de falhar na gestão econômica.

"Olaf Scholz há muito tempo não reconhece a necessidade de um novo impulso econômico para o nosso país. Ele minimiza há tempos as preocupações econômicas dos nossos cidadãos. Suas contrapropostas são repetitivas, pouco ambiciosas e não ajudam a superar a fraqueza fundamental do crescimento no nosso país", rebateu Lindner.

Após o rompimento da coalizão, o CDU, principal força de oposição, pressionou pela convocação de novas eleições.

"A Alemanha precisa de novas eleições – agora. Estamos prontos para assumir a responsabilidade pela Alemanha", declarou o partido em comunicado oficial.

Extrema direita vem com força

A crise política na Alemanha é um prato cheio para a extrema direita, representada pelo AfD (Alternativa para a Alemanha), partido com claras aspirações neonazistas e que possui ligações comprovadas com grupos extremistas. 

Fundada em 2013, a legenda conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados. 

Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política da sigla são os projetos anti-imigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e fizeram falas com tal teor. 

Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.

Este ano, o partido foi o mais votado na eleição regional da Turíngia – a primeira vez que uma legenda de extrema direita vence um pleito estadual desde o regime nazista – e garantiu a segunda maior bancada no parlamento da Saxônia. Situação parecida se deu em Brandemburgo, onde o AfD também ficou em segundo lugar e, por pouco, não vence o pleito. 

O crescimento do AfD está intimamente ligado à atual crise política que abala o governo de Olaf Scholz. Com uma série de impasses internos e a falta de consenso entre os partidos da coalizão, temas como economia, inflação e política migratória vêm gerando insatisfação entre os eleitores, que enxergam na legenda extremista uma resposta à instabilidade governamental.

A postura crítica do AfD em relação à União Europeia e ao euro também ganha força em meio às dificuldades econômicas que impactam a população alemã. Enquanto o governo de Scholz enfrenta dificuldades para avançar com reformas, o AfD se aproveita do descontentamento generalizado, apresentando-se como alternativa para eleitores que veem no partido uma maneira de protestar contra o status quo e a paralisia do governo.

CDU lidera pesquisas

Pesquisas apontam que, se as eleições gerais fossem hoje, o partido conservador CDU, liderado por Friedrich Merz, venceria com mais de 30%. Já o AfD vem disputando o posto de segunda maior força política do país com o SPD. Projeções dão conta de que a sigla de extrema direita somaria, em um eventual pleito antecipado, cerca de 20% dos votos, pouco à frente dos sociais-democratas, que têm 17%.

O CDU já sinalizou, em outras ocasiões, que não aceitaria formar um governo com o AfD. Na Alemanha, é preciso formar coalizões para governar, o que torna o jogo político ainda mais desafiador em um cenário de fragmentação. O fato é que a social-democracia e a esquerda na Alemanha vivem uma crise tão profunda que qualquer cenário aponta para o fortalecimento da direita e extrema direita.

Confira os números, segundo as pesquisas oficiais mais recentes:

  • CDU/CSU: 31%
  • AfD: 20%
  • SPD: 17%
  • Partido Verde: 11%
  • Aliança Sahra Wagenknecht (BSW): 8%
  • FDP: 5%
Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar