De BERLIM | O Portão de Brandemburgo, cartão postal no coração da capital alemã, é palco neste sábado (9) das comemorações pelo aniversário de 35 anos da queda do Muro de Berlim.
Na passagem do dia 9 para o dia 10 de novembro de 1989, o Muro de Berlim vinha abaixo, marcando o fim da Guerra Fria e o início de um processo político que culminou com a reunificação da Alemanha. Construído em 1961, o muro dividia a capital entre as partes ocidental (República Federal da Alemanha, pró-Estados Unidos) e oriental (República Democrática Alemã, pró-União Soviética). A divisão do país começou a ser feita ao final da Segunda Guerra Mundial, quando o regime nazista de Adolf Hitler foi derrotado.
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A queda do muro, à época, foi celebrada com a promessa de união e democracia. Após turbulências políticas e econômicas na Alemanha reunificada durante década de 90 e um longo período de estabilidade a partir dos anos 2000, o país se prepara, agora, para comemorar o marco de 35 anos da destruição daquele que foi o maior símbolo de sua divisão.
No Bundestag, o parlamento alemão, a apenas 500 metros do Portão de Brandemburgo, onde será celebrado o aniversário da queda do Muro de Berlim, entretanto, o clima não é de comemoração. Pelo contrário. Justamente na véspera da data histórica, a Alemanha entrou em uma de suas maiores crises políticas das últimas décadas, sob o risco do atual governo, liderado pelo chanceler Olaf Scholz, entrar em colapso total.
Fim da coalizão governista
Ocorre que, na noite da última quarta-feira (6), Scholz decidiu demitir o ministro das Finanças do país, Christian Lindner, acusando-o de quebra de confiança. Lindner pertence ao FDP, o Partido Liberal Democrático, que até então compunha a coalizão de governo junto ao Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz e com Os Verdes (Die Grüne). A aliança improvável entre as três legendas, apelidada de "semáforo" por conta das cores vermelho (SPD), amarelo (FDP) e verde (Die Grüne), teve início em 2021 e governa a maior economia da Europa desde então.
Scholz demitiu Lindner pelo fato do agora ex-ministro das Finanças se opor à política econômica dos sociais-democratas. Enquanto o chanceler defende um orçamento mais robusto para 2025 e maior intervenção estatal, Lindner segue a cartilha liberal e propõe a intervenção estatal mínima, além de cortes no orçamento e em benefícios sociais.
As propostas de Lindner foram interpretadas por Scholz como uma provocação e o chanceler considerou sua permanência no governo insustentável.
"Por várias vezes, o ministro Lindner bloqueou leis de maneira irrelevante. Por várias vezes, seguiu por táticas partidárias mesquinhas. Por várias vezes, quebrou minha confiança. Ele chegou até a se retirar unilateralmente do acordo orçamentário, depois de já termos chegado a um consenso em longas negociações. Não há qualquer base de confiança para uma futura cooperação. Não é possível trabalhar seriamente com o governo dessa forma", disparou Scholz em discurso no Bundestag.
Lindner, por sua vez, acusou o chanceler de falhar na capacidade de reformular a economia do país e de colocar a Alemanha em um caminho de "incertezas'.
"Olaf Scholz há muito tempo não reconhece a necessidade de um novo impulso econômico para o nosso país. Ele minimiza há tempos as preocupações econômicas dos nossos cidadãos. Mesmo agora, está questionando as decisões necessárias para que os cidadãos possam voltar a se orgulhar da Alemanha. Suas contrapropostas são repetitivas, pouco ambiciosas e não ajudam a superar a fraqueza fundamental do crescimento no nosso país, para que possamos manter nossa prosperidade, nossa segurança social e nossa responsabilidade ecológica", declarou.
Após a demissão de Lindner, os outros ministros do FDP que compunham o governo Scholz renunciaram ao seus cargos e, desta maneira, a coalizão governista ruiu e o chanceler deixou de ter maioria no parlamento, ficando em uma situação extremamente frágil e correndo o risco de ver seu mandato ser interrompido de forma antecipada.
Novas eleições
Após anunciar a demissão de Christian Lindner e ver outros ministros do FDP deixarem o governo, Olaf Scholz anunciou que, logo no início de janeiro, se submeterá a um voto de confiança no Bundestag, o que pode colocar fim ao seu governo e culminar na convocação de eleições antecipadas. A princípio, as eleições gerais na Alemanha estavam marcadas para setembro de 2025, mas podem ocorrer já em março.
No sistema parlamentar alemão, um voto de confiança é um mecanismo pelo qual o chanceler, que é o chefe de governo, busca o apoio formal do Bundestag para continuar exercendo o cargo. Esse processo ocorre quando o chanceler sente que sua liderança pode estar enfraquecida ou quando precisa reafirmar o apoio da maioria parlamentar, especialmente em momentos de crise ou impasse político. Se o chanceler perde o voto de confiança, significa que a maioria dos parlamentares não apoia mais o governo.
Nesse caso, o presidente alemão, atualmente Frank-Walter Steinmeier, que tem poderes mais limitados, pode dissolver o Bundestag e convocar novas eleições, ou o parlamento pode tentar formar um novo governo com outro chanceler.
A oposição ao governo, representada em sua maior parte pelos conservadores do CDU (União Democrata-Cristã da Alemanha), partido da ex-chanceler Angela Merkel, já está em campanha pela convocação de eleições antecipadas no país.
"A Alemanha precisa de novas eleições – agora. Estamos prontos para assumir a responsabilidade pela Alemanha. Apelamos ao chanceler para que levante um voto de confiança no Bundestag alemão na próxima semana e, assim, abra caminho para novas eleições antecipadas", diz comunicado divulgado pela legenda nesta quinta-feira (7).
Extrema direita à espreita
A crise política na Alemanha é um prato cheio para a extrema direita, representada pelo AfD (Alternativa para a Alemanha), partido com claras aspirações neonazistas e que possui ligações comprovadas com grupos extremistas.
Fundada em 2013, a legenda conseguiu uma cadeira no parlamento alemão, pela primeira vez, em 2017 - hoje, já são 77 deputados.
Trata-se de uma organização ultrarradical que abriga os membros mais extremistas da Alemanha. O AfD defende abertamente ideias xenofóbicas, racistas, segregacionistas e violentas. A principal plataforma política da sigla são os projetos anti-imigração, permeada de retóricas ultranacionalistas que remetem ao nazismo. Diversos membros do partido, inclusive, já tiveram comprovadamente relações com grupos neonazistas e fizeram falas com tal teor.
Desde 2021, o AfD é monitorado pelo serviço de inteligência interno da Alemanha, o BfV, por tentativa de enfraquecer a constituição democrática do país.
Este ano, o partido foi o mais votado na eleição regional da Turíngia – a primeira vez que uma legenda de extrema direita vence um pleito estadual desde o regime nazista – e garantiu a segunda maior bancada no parlamento da Saxônia. Situação parecida se deu em Brandemburgo, onde o AfD também ficou em segundo lugar e, por pouco, não vence o pleito.
O crescimento do AfD está intimamente ligado à atual crise política que abala o governo de Olaf Scholz. Com uma série de impasses internos e a falta de consenso entre os partidos da coalizão, temas como economia, inflação e política migratória vêm gerando insatisfação entre os eleitores, que enxergam na legenda extremista uma resposta à instabilidade governamental. A postura crítica do AfD em relação à União Europeia e ao euro também ganha força em meio às dificuldades econômicas que impactam a população alemã. Enquanto o governo de Scholz enfrenta dificuldades para avançar com reformas, o AfD se aproveita do descontentamento generalizado, apresentando-se como alternativa para eleitores que veem no partido uma maneira de protestar contra o status quo e a paralisia do governo.
Pesquisas apontam que, se as eleições gerais fossem hoje, o partido conservador CDU, liderado por Friedrich Merz, venceria com mais de 30%. Já o AfD vem despontando como a segunda maior força política do país e projeções dão conta de que a sigla somaria, em um eventual pleito antecipado, cerca de 16% dos votos.
O CDU já sinalizou, em outras ocasiões, que não aceitaria formar um governo com o AfD. O fato é que a social-democracia e a esquerda na Alemanha vivem uma crise tão profunda que qualquer cenário aponta para o fortalecimento da direita e extrema direita.
Se em 1989 a queda do Muro de Berlim simbolizou a promessa de uma Alemanha unificada e aberta, hoje o país enfrenta o risco de erguer novos muros invisíveis, impulsionados por uma extrema direita que prega a exclusão de imigrantes e resgata perigosas ambições autoritárias. 35 anos após o fim da divisão, a ameaça de uma Alemanha fragmentada novamente não vem de barreiras físicas, mas da ascensão de um pensamento que busca dividir e reviver fantasmas de um passado sombrio que o país prometeu nunca repetir.