O Chifre da África, localizado a nordeste do continente africano, abriga a Somália, a Etiópia, a Eritreia e o Djibuti. Com uma área de cerca de dois milhões de quilômetros quadrados e mais de 110 milhões de habitantes, a Península Somali, como também é chamada, tem avistado um aumento das tensões geopolíticas na região, e pode estar à beira de um conflito armado "indireto" entre a Etiópia, segunda nação mais populosa da África, e o Egito, o maior país do Norte africano.
Desde janeiro deste ano, Etiópia e Egito passaram a integrar o Brics (bloco originalmente composto por Brasil, Rússia, China e África do Sul). A adesão dos países ao bloco foi vista como positiva para conter problemas geopolíticos e econômicos das nações, que enfrentavam cenários de elevada dívida externa, aumento da pobreza no contexto pós-pandêmico e escalada de conflitos regionais e internos.
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Um desses conflitos está cada vez mais próximo de colocar as nações em rota de guerra no continente africano.
Desde o começo dos anos 2000, a Etiópia, um país sem saída para o litoral, tem recorrido ao porto de Djibuti (pequeno país portuário localizado a leste do golfo de Adem, o que lhe permite acessar o oceano Índico e o Mediterrâneo), mas suas demandas portuárias crescentes o levaram a buscar por alternativas na região do Chifre africano.
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Uma dessas alternativas se deu a partir de um acordo para a utilização do porto da Somalilândia, região oficialmente pertencente à Somália, mas que, desde 1991, se autodeclarou independente e tem operado como Estado sem reconhecimento internacional.
O acordo, anunciado no começo do ano, fez com que, em troca do acesso ao porto da região, a Etiópia reconhecesse de maneira oficial a república separatista da Somalilândia — e instalasse ali uma base naval etíope.
As tensões entre a região separatista, agora com um novo aliado, e a Somália, que ainda a considera parte oficial de seu território, causaram uma fissão diplomática entre as nações do Chifre africano; e essa foi acirrada, ainda, por um movimento estratégico da Somália, que partiu em busca de uma aliança regional com o Egito, um rival de longa data da Etiópia, a fim de conter o que considerou uma ameaça às suas fronteiras.
Os conflitos entre Egito e Etiópia envolvem outra tensão a respeito do controle de um corpo d'água, e estão centrados na construção, por parte da Etiópia, da Barragem do Renascimento, um reservatório "colossal" que, de acordo com o governo do Egito, utiliza uma "parcela legítima" do Nilo pertencente a este país.
Para a Etiópia, a barragem tem um papel imprescindível: fornecer eletricidade para até 60% de sua população, que hoje não conta com abastecimento, e trazer o investimento de empresas privadas de energia ao país.
A barragem, situada no rio Nilo Azul, a noroeste da Etiópia, tem cerca de 1,8 quilômetros de comprimento e capacidade de gerar até cinco mil megawatts de energia, o que dobraria a produção elétrica da Etiópia.
Em setembro deste ano, numa carta às Nações Unidas, o governo do Cairo revisitou sua posição de longa data a respeito da disputa sobre a Barragem do Renascimento — cuja construção já avançou, em 2024, para a quinta etapa —, e prometeu agir "em defesa dos interesses de seu povo".
O Egito teme que a operação dessa barragem reduza significativamente a quantidade de água que flui do Nilo para o país, impactando agricultura e disponibilidade hídrica. Isso porque o Nilo Azul é um dos principais afluentes do rio Nilo, do qual o Egito extrai pelo menos 97% de toda a sua água potável.
Por isso, o Egito tem buscado, ao longo dos últimos meses, uma parceria diplomática e militar com a Somália. Em agosto, o país cedeu cerca de cinco mil militares àquele país, como parte da Missão de Apoio e Estabilização da União Africana na Somália.
Para tornar a situação ainda mais complicada, a Eritreia, país da região do Chifre africano que costumava ser um aliado da Etiópia, recentemente concordou em estabelecer vínculos mais próximos com o Egito e a Somália, o que levou à criação de um front unido contra o país.
O cerco geopolítico à Etiópia se completou com o aumento das tensões entre o Djibuti e a Somalilândia, já que o acordo travado entre a região separatista e a Etiópia para a utilização de sua via portuária deve ser prejudicial à economia do Djibuti, que costumava intermediar as movimentações portuárias da Etiópia e ainda depende delas para boa parte de sua receita.
O acordo, portanto, tem sido visto como um inconveniente pela maior parte dos players da região, embora tenha servido à Somalilândia como simbolismo político que reforça sua posição como Estado independente.
Riscos de conflito armado
Os riscos de um conflito armado entre esses dois países membros do Brics tornam-se maiores com os desenvolvimentos recentes na região africana.
Com o reforço da cooperação entre Egito e Sudão, que estabeleceu o apoio do Egito às Forças Armadas Sudanesas, existe mais um ponto de inflexão em relação à Etiópia, que também tem disputas com esse país.
Além disso, há uma instabilidade política crônica no interior da Etiópia, em que forças regionais não estatais disputam com a liderança oficial. Isso aumenta o risco de "conflitos indiretos" financiados pelo Egito na região.
A Barragem do Renascimento continua a ser uma das maiores problemáticas entre os países, e a forte presença do Egito na Somália deve tornar o equilíbrio regional ainda mais desfalcado para a Etiópia, que se vê "encurralada" entre seus inimigos e menos favorecida nas disputas geopolíticas no Chifre africano.