Em pronunciamento na noite desta terça-feira (8), o presidente da Colômbia, o progressista Gustavo Petro, denunciou que há um golpe em curso que está sendo articulado por setores conservadores da política do país junto ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
"Hoje, a jurisdição integral do Presidente da República da Colômbia, que defende a Constituição, foi quebrada. Hoje foi dado o primeiro passo de um golpe de Estado contra mim como presidente constitucional, eleito democraticamente por voto popular por mais de 11 milhões de cidadãos. Se concretizado, este ato representaria a maior afronta à nossa democracia na história do país", afirmou no início do pronunciamento, transmitido em rádio e TV.
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Horas antes, o CNE anunciou a abertura de uma investigação contra Petro por supostamente extrapolar o limite de financiamento de sua campanha presidencial, em 2022.
Além do mandatário, foram citados o gerente de campanha e atual presidente da Ecopetrol, Ricardo Roa; a tesoureira, Lucy Aydée Mogollón; os auditores María Lucy Soto e Juan Carlos Lemus; e os partidos Colômbia Humana e Unión Patriótica (UP).
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Segundo o CNE, Petro e a aliança em torno de sua candidatura extrapolaram em mais de 5,3 bilhões de pesos (R$ 7 milhões aproximadamente). O órgão afirma também que a Federação Colombiana de Educadores (Fecode) fez doações para a campanha, algo que é proibido pela lei eleitoral do país.
"As supostas contribuições da Fecode NÃO foram para a minha campanha, mas para o partido Colômbia Humana. Tal como fizeram contribuintes e empresários ao partido Centro Democrático na campanha de Iván Duque em 2018, e que esta mesma organização, a CNE, absolveu em 28 de outubro de 2021", rebateu Petro.
O presidente colombiano ainda denunciou que o CNE estaria aparelhado por opositores, que buscam o golpe desde o início de seu mandato.
"O Conselho Nacional Eleitoral, órgão administrativo infiltrado pelos mesmos políticos que governam o nosso país há décadas, apresentou queixa contra mim. Isto viola claramente a nossa Constituição e a minha jurisdição. O que aconteceu hoje põe em perigo as instituições que represento", afirmou - leia a íntegra da nota ao final da reportagem.
Golpe à lá Dilma Rousseff
À Fórum, o jornalista Amauri Chamorro, especialista em América Latina, afirmou que a tentativa de golpe contra Petro é semelhante ao que foi colocado em marcha e derrubou a presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, quando foi acusada de "pedaladas fiscais".
Dois dias após consumado o golpe contra Dilma pelo Congresso, em 31 de agosto de 2016, o sucessor, Michel Temer (MDB) representado por seu interino e presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), sancionou e publicou no Diário Oficial da União a Lei 13.332/2016, que flexibiliza as regras para abertura de créditos suplementares sem a necessidade de autorização do Congresso. Ou seja, legalizou as pedaladas - que nunca foram consideradas crime.
"O Presidente Petro vai sofrer um golpe de estado, muito parecido ao da Presidente Dilma. O Conselho Nacional Eleitoral (parecido ao TSE) abriu uma investigação ao Presidente o que é inconstitucional, e pediu a “Comisión de Acusaciones” do Congresso, comissão encarregada de casos penais e disciplinarios contra o presidente, iniciar o processo de destituição do presidente. A acusação indica que durante a campanha eleitoral, a gerencia da campanha gastou mais do que o declarado ao CNE. Isso é falso. E caso isso tivesse acontecido, jamais o CNE poderia investigar e pedir a destituição do presidente ao Congresso", disse Chamorro à Fórum.
Segundo Chamorro, o trâmite do golpe na Colômbia, assim como no Brasil, deve passar pelo Senado, que é dominado por opositores do governo Petro.
"A Comisión, que é em sua maioria absoluta composta pela oposição muito provavelmente vai votar favorável a destituição, tanto o presidente como a vice, entregando a presidencia do país ao atual presidente do Senado, que é da ultra-direita opositora. Neste momento a situação no país é muito tensa", explica.
Em seu pronunciamento, Petro diz ainda que "as acusações do Conselho Nacional Eleitoral são infundadas e, se as minhas garantias tivessem sido respeitadas, os cidadãos saberiam que as minhas ações não só foram totalmente honestas, mas que estou perante uma autoridade administrativa capturada pela oposição, que procura a todo o custo colocar em dúvida minha integridade".
"Por isso, solicitamos à Comissão de Investigação e Acusação da Câmara que divulgue o processo, para que os cidadãos conheçam as mais de 25 provas testemunhais, 34 documentais e 3 fiscalizações judiciais realizadas. É através das provas que afirmo a minha inocência e censuro o procedimento ilegal e inconstitucional do Conselho Nacional Eleitoral", afirmou o presidente colombiano.
"A decisão de hoje é o início de um golpe contra a ampla imunidade do presidente, contra os 11 milhões de pessoas que votaram neste projeto progressista. Esta é uma fratura grosseira e incontestável da própria Constituição", concluiu.
Leia o pronunciamento na íntegra
Bogotá, 8 de outubro de 2024
Colombianos e colombianos:
Hoje, a jurisdição integral do Presidente da República da Colômbia, que defende a Constituição, foi quebrada. Hoje foi dado o primeiro passo de um golpe de Estado contra mim como presidente constitucional, eleito democraticamente por voto popular por mais de 11 milhões de cidadãos. Se concretizado, este ato representaria a maior afronta à nossa democracia na história do país.
O Conselho Nacional Eleitoral, órgão administrativo infiltrado pelos mesmos políticos que governam o nosso país há décadas, apresentou queixa contra mim. Isto viola claramente a nossa Constituição e a minha jurisdição. O que aconteceu hoje põe em perigo as instituições que represento.
Quero negar as cinco principais acusações que a CNE, à margem da lei, apresentou contra mim.
1. As supostas contribuições da USO e da Fecode NÃO foram para a minha campanha, mas para o partido Colômbia Humana. Tal como fizeram contribuintes e empresários ao partido Centro Democrático na campanha de Iván Duque em 2018, e que esta mesma organização, a CNE, absolveu em 28 de outubro de 2021.
2. Os alegados pagamentos a testemunhas eleitorais não correspondem a despesas de campanha. O primeiro turno presidencial foi até a abertura das urnas em 29 de maio de 2022. E o segundo turno presidencial foi até a abertura das urnas em 19 de junho de 2022. A contagem dos votos ocorre após o encerramento das eleições.
3. Todas as despesas de campanha com propaganda eleitoral foram reportadas atempadamente e nos termos do respetivo regulamento. Isto foi atestado pela auditoria externa contratada pela própria CNE, que certificou a veracidade de TODAS as contas que apresentámos 30 dias após a campanha.
4. Os magistrados da CNE confundem e interpretam mal as autorizações de voo, que não foram necessariamente utilizadas pela campanha, com os voos efetivamente realizados. Todas as faturas apresentadas pela campanha à DIAN correspondem aos serviços prestados pela empresa de transporte aéreo SADI, mas eram desconhecidas.
5. O acontecimento da nossa vitória eleitoral realizado no dia 19 de junho na Movistar Arena após as eleições teve de facto algumas despesas, só que este acontecimento já não fazia parte do período de campanha, conforme previsto na lei.
As acusações do Conselho Nacional Eleitoral são infundadas e, se as minhas garantias tivessem sido respeitadas, os cidadãos saberiam que as minhas ações não só foram totalmente honestas, mas que estou perante uma autoridade administrativa capturada pela oposição, que procura a todo o custo colocar em dúvida minha integridade.
Por isso, solicitamos à Comissão de Investigação e Acusação da Câmara que divulgue o processo, para que os cidadãos conheçam as mais de 25 provas testemunhais, 34 documentais e 3 fiscalizações judiciais realizadas. É através das provas que afirmo a minha inocência e censuro o procedimento ilegal e inconstitucional do Conselho Nacional Eleitoral.
A auditoria independente contratada pelo próprio Conselho Nacional Eleitoral, Nexia International, multinacional das mais altas e comprovadas qualidades, determinou no dia 19 de setembro que as contas da campanha, juntamente com suas observações iniciais, fossem devidamente explicadas pela equipe administrativa da campanha.
Apelo à mobilização generalizada do povo colombiano para a defesa irrestrita da democracia. Peço ao mundo que preste atenção à Colômbia e nos ajude a defender a nossa democracia. Peço a todas as organizações populares da Colômbia que se reúnam e se declarem em assembleia permanente. É a hora do Povo. Como Presidente da República eleito constitucionalmente, ordeno a toda a Força Pública que não levante uma única arma contra o povo.
Os tempos de desigualdade e violência devem acabar na Colômbia.
A decisão de hoje é o início de um golpe contra a ampla imunidade do presidente, contra os 11 milhões de pessoas que votaram neste projeto progressista. Esta é uma fratura grosseira e incontestável da própria Constituição.
Boa noite colombianos e colombianas.