DEPOIS DA INVASÃO NA TV

Equador: Presidente declara “conflito armado interno”, praticamente uma guerra civil, contra facções criminosas

Medida autoriza Forças Armadas e polícias a executarem operações militares em todo o país a fim de “neutralizar” 22 facções; Entenda os antecedentes da crise

Foto do grupo Los Lobos, um dos pivôs da situação de violência endêmica no Equador.Créditos: Reprodução/Twitter
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Após uma série de episódios que configuram nova escalada de ataques violentos por parte de facções criminosas, o presidente do Equador, Daniel Noboa, decretou “conflito armado interno” nesta terça-feira (9). Ele já havia decretado estado de exceção na última segunda (8) após a fuga de um membro do alto escalão de uma das facções. Uma nova fuga e a posterior invasão de um canal de televisão por outra facção motivaram o novo decreto.

Com a medida, Exército e Polícia Nacional estão autorizados a intervir em todo o território do Equador para conduzir operações militares com a finalidade de “neutralizar” esses grupos. Na prática, e ainda que o respeito aos direitos humanos tenha sido expresso no decreto, o presidente está declarando uma espécie de ‘estado de guerra civil’ no país.

Além do crime organizado, o Equador também tem movimentos sociais extremamento organizados, como a poderosa Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que protagonizou as revoltas de 2022 contra o ajuste neoliberal do então presidente Guillermo Lasso. Existe a preocupação de que o novo decreto também atinja movimentos como a Conaie e as próprias comunidades por tabela.

O decreto ainda identifica como os inimigos internos 22 organizações apontadas como facções criminosas. Entre elas estão os grupos Los Lobos e Los Choneros, protagonistas das recentes fugas e do quadro de violência endêmica que vive o país.

Entenda a escalada de violência

Nos últimos anos, durante o mandato do banqueiro Guillermo Lasso, o Equador viveu forte crise econômica, revoltas populares e viu o crescimento desordenado dos carteis de narcotraficantes que fizeram os índices de violência urbana dispararem. O ano de 2023 bateu recordes nesse sentido com mais de 7,8 mil homicídios e 220 toneladas de drogas apreendidas no pequeno país de 17 milhões de habitantes, situado entre a Colômbia e o Peru.

A situação chegou às próprias eleições nacionais, quando o candidato à presidência Fernando Villavicencio foi assassinado a tiros por um desses grupos em 9 de agosto de 2023. Ele saía de uma reunião política com seus correligionários na capital Quito e entrava em um carro quando foi atingido pelos disparos.

Villavicencio, que era filiado ao Movimento Construye, chegou a ser resgatado para receber atendimento médico, mas sem sinais vitais ao dar entrada na unidade de saúde. Correligionários do político relataram que ao menos 7 pessoas ficaram feridas no ataque. Ele tinha 59 anos e, na última pesquisa de intenções de voto divulgada antes do atentado, apareceu na 5ª posição para o pleito presidencial.

“Villavicencio não foi o único candidato assassinado, parece-me que foram cinco ou seis candidatos assassinados em todo o país, de diferentes cargos, diferentes posições, para deputados, foi realmente algo bastante terrível, em geral, ver os candidatos, independentemente de sua posição política, fazendo campanha com coletes à prova de balas, sempre é um pouco impressionante. Acho que o caso de Fernando Villavicencio realmente chocou toda a sociedade, talvez tenha sacudido um pouco o tabuleiro,” explicou a socióloga Gabriela Borja em entrevista à Fórum que analisa os resultados eleitorais em outubro.

No dia seguinte (10/08/23) foi a vez de Estefany Puente, candidata à Assembleia Nacional, ser vítima de uma tentativa de assassinato, também por arma de fogo. O ataque ocorreu enquanto Estefany Puente estava presente no El Club de Leones, uma organização de serviços sociais localizada na cidade de Quevedo, na província de Los Ríos. A candidata, que é membro da Alianza Claro Que Se Puede, estava em seu veículo acompanhada pelo pai e um funcionário quando foi surpreendida por dois homens desconhecidos.

Dias depois, em 14 de agosto, Pedro Briones, político progressista ligado a Rafael Correa, foi morto. A informação foi dada em primeira mão por Paola Cabezas, candidata a deputada e ex-governadora do departamento de Esmeraldas, onde Briones também vivia e exercia sua atividade política.

Passadas as eleições e com o novo presidente, o bilionário Daniel Noboa, empossado, os episódios de violência envolvendo essas poderosas e numerosas facções locais escalou.

Na última segunda-feira (8) já havia foi decretado estado de exceção quando Fito, o chefe do grupo Los Choneros, fugiu da prisão. O decreto em questão prevê toque de recolher entre 23h e 5h.

Já com o decreto em vigor, sete policiais foram sequestrados em Machala e Quito. Paralelamente, vídeos viralizam nas redes sociais equatorianas com imagens de supostas execuções de agentes penitenciários e policiais feitos reféns pelas facções.

Na província de Esmeralda, apontada pela socióloga Gabriela Borja como a que historicamente tem sido a mais afetada pelos problemas estruturais do país, foram registrados ataques a delegacias e veículos incendiados.

"A província mais afetada, infelizmente, é a província de Esmeraldas, que historicamente sofreu com o despojo de terras e foi vítima de racismo estrutural, pois é a província com a maior porcentagem de população afrodescendente. Por ser fronteiriça com a Colômbia, também é afetada por questões relacionadas ao tráfico de drogas na fronteira, o que torna a violência ainda mais descontrolada. Todas as noites há tiroteios, todos os dias há assassinatos e casos de assassinato por encomenda. A população vive em constante angústia e é bastante triste," declarou Gabriela Borja.

Nesta terça-feira (9), Fabricio Colón Pico, um dos líderes do grupo Los Lobos – que assumiu o atentado contra Villavicencio – também escapou da prisão. Ele havia sido responsabilizado por um plano para assassinar a procuradora-geral do país e preso na última sexta-feira (5).

Horas depois, um bando armado e encapuzado invadiu a sede da emissora TC Televisión, em Guayaquil, durante uma transmissão ao vivo de um programa policial e rendeu o âncora. A ação foi mostrada ao vivo na televisão. Horas depois o grupo foi preso pela Polícia Nacional.

De acordo com um oficial graduado da Polícia Nacional, em entrevista a uma outra emissora equatoriana, a Tele Amazonas, a horda de criminosos era formada por 13 homens, que não reagiram e foram detidos.

Nas imagens que viralizaram nas redes é possível ver os bandidos mostrando armas, explosivos e ameaçando os jornalistas, obrigando o apresentador a pedir que a polícia se mantivesse longe do perímetro da emissora. A transmissão durou vários minutos, mas depois apenas o áudio do canal, com uma trilha sonora, permaneceu no ar, sem imagens.