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ANÁLISE: “Noboa não tem perspectiva, formação ou interesses adequados para liderar o Equador”

A Fórum entrevistou Gabriela Borja, socióloga da Universidade Central do Equador, em Quito, e colaboradora de movimentos sociais, para analisar a eleição do novo e bilionário presidente em país que sofre com desemprego e escalada sem precedentes de violência

Daniel Noboa, novo presidente do Equador.Créditos: Reprodução/Twitter
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Após um violento processo eleitoral que vitimou um dos presidenciáveis em agosto, o Equador finalmente elegeu o seu novo presidente em 15 de outubro. Será o bilionário Daniel Noboa, da Ação Democrática Nacional, um partido de centro-direita com orientação liberal, que derrotou Luísa González, a candidata progressista do Revolução Cidadã, partido do ex-presidente Rafael Correa.

A principal expectativa dos equatorianos é, teoricamente, que o novo governo que durará apenas um ano e meio comece o trabalho de recuperação do país. Nos últimos anos, durante o mandato do banqueiro Guillermo Lasso, o Equador viveu forte crise econômica, revoltas populares e viu o crescimento desordenado dos carteis de narcotraficantes que fizeram os índices de violência urbana dispararem.

A situação chegou às próprias eleições nacionais, quando o candidato à presidência Fernando Villavicencio foi assassinado a tiros por um desses grupos. Nos dias subsequentes, novos atentados semelhantes vitimaram outras figuras ligadas à política.

Para comentar o resultado das urnas e as expectativas do povo equatoriano com o novo período, a Revista Fórum conversou com Gabriela Borja, socióloga da Universidade Central do Equador, em Quito. Ela é equatoriana, filha de imigrantes chilenos que fugiram da ditadura de Augusto Pinochet e colabora com organizações e comunidades camponesas e indígenas.

“Recebi a notícia, em parte, com profunda tristeza. Não acredito que empresários tenham a melhor formação para governar um país e isso foi historicamente comprovado. E especialmente esse empresário, filho da família Noboa, a mais rica do Equador e uma das mais ricas da América Latina, não acredito que ele tenha a perspectiva, formação ou interesses adequados para liderar um país de verdade," afirmou a socióloga quando questionada como recebia a notícia do novo presidente.

Borja detalha o país que o bilionário Noboa herdará do banqueiro Lasso. Desemprego, falta de acesso à saúde e insegurança são lugar comum. A educação, ainda que não esteja totalmente destruída, vive um momento de claro enfraquecimento na ótica da entrevistada.

"A educação está enfraquecida, a ministra não teve um bom desempenho; nos hospitais não há medicamentos, não há médicos suficientes; em alguns casos, as pessoas precisam até comprar o fio de sutura, sem falar em áreas mais remotas onde os postos de saúde não têm nada. Isso torna o trabalho dos médicos bastante complicado e difícil. Não há profissionais suficientes, médicos suficientes nos sistemas públicos de saúde. E além disso, o desemprego está aumentando ao contrário do que o governo Lasso alardeava," relatou.

Em termos de segurança, ela relata que os chamados “assassinatos por encomenda”, como o que matou Villavicencio, ocorrem diariamente pelo país e que, nos últimos anos, crimes hediondos como decapitações, enforcamentos e mutilações, que eram uma raridade, se tornaram commoditie.

"A província mais afetada, infelizmente, é a província de Esmeraldas, que historicamente sofreu com o despojamento de terras e foi vítima de racismo estrutural, pois é a província com a maior porcentagem de população afrodescendente. Por ser fronteiriça com a Colômbia, também é afetada por questões relacionadas ao tráfico de drogas na fronteira, o que torna a violência ainda mais descontrolada. Todas as noites há tiroteios, todos os dias há assassinatos e casos de assassinato por encomenda. A população vive em constante angústia e é bastante triste," relatou.

Gabriela Borja, socióloga da Universidade Central do Equador, em Quito

“Este é o país que o novo governo vai herdar. Não acreditamos, especialmente aqueles que são mais críticos, que esse governo realmente tenha vontade de fazer algo significativo em relação à segurança, porque isso requer uma análise muito profunda da situação, e também é necessário entender que dentro das instituições militares e policiais existem elementos e redes ligados ao tráfico de drogas, inclusive no próprio governo. Há investigações em andamento que apontam para a presença de pessoas e redes ligadas ao narcotráfico no governo atual [Lasso]. Portanto, sair dessa situação é muito difícil", agregou.

Gabriela claramente não tem boas expectativas para este governo, mas, mesmo assim, espera que não saia mal. “Eu vejo o sofrimento das pessoas, e espero que, pelo menos, as condições não piorem. O que esperamos é que possam controlar um pouco a violência, que é o problema mais complicado agora," disse.

Quem é Daniel Noboa?

Filho do ex-candidato à Presidência da República e multimilionário Álvaro Noboa Pontón, Daniel Noboa é ex-deputado representante da província de Santa Helena, próxima de Guayaquil, sua cidade-natal. Ele tem 35 anos, é empresário e membro da elite econômica do país. Se graduou em Administração de Empresas pela Universidade de Nova Iorque (EUA) e possui três mestrados.

Noboa seguiu os passos de seu pai e abriu sua primeira empresa aos 18 anos, voltada para a organização de eventos. Entre 2010 e 2018, compôs a Corporação Noboa, empresa familiar, onde ocupou os cargos de diretor de expedição e diretor comercial e de logística. O magnata também possui empresas em paraísos fiscais, o que é proibido no país.

Não estava cotado para chegar ao segundo turno, conforme as primeiras pesquisas eleitorais de intenção de voto. Antes do assassinato de Fernando Villavivencio, ele sequer aparecia entre os cinco representantes com maior intenção de voto da Numma e Click Report, ambas qualificadas pelo CNE, órgão equivalente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para analistas, Noboa ganhou destaque durante o debate presidencial de 13 de agosto. Ele teria conquistado votos de indecisos com falas sobre segurança pública – tema debatido com intensidade diante do assassinato de Villavivencio e os atentados – e geração de empregos, os pontos centrais de sua campanha.

Plano de governo de Noboa não convence

No entanto, para Gabriela Borja, o plano de governo apresentado pelo bilionário presidente eleito não trará grandes benefícios para o conjunto da população. Ela explica que embora não contenha propostas de privatização direta, inclui propostas privatizadoras em setores estratégicos, como na saúde, educação e segurança, sem deixar claro quais seriam essas propostas.

“É um plano que não possui estrutura, diagnóstico ou dados. É evidente que não foi escrito com conhecimento sobre como o Estado está atualmente organizado, em relação à Constituição e às funções que ela estabelece, bem como às normas e leis. É muito evidente que o plano não diferencia os conceitos de governo e Estado, confundindo esses termos várias vezes. Ele está repleto de lugares-comuns," critica a socióloga.

Além disso, o projeto do novo presidente não identifica os problemas sociais e econômicos que pararam o país no último período, como o desemprego, a alta nos combustíveis e o crescimento desordenado das facções criminosas.

“São apenas promessas vazias, sem mecanismos claros de implementação. Todo o plano é permeado por uma abordagem empreendedora e focada na criação de empregos. Diferentes problemas são abordados com a solução de emprego, empreendedorismo e investimento. Isso representa uma visão empresarial do Estado," critica a socióloga.

Na parte econômica, aponta a entrevistada, também falta substância. Ela chama a atenção para a ênfase na necessidade de formar trabalhadores qualificados, e aponta que nesse sentido o plano de governo não enfatiza o desenvolvimento científico e tecnológico, que é o que o país realmente precisa na sua opinião.

"Em relação à dolarização, há muita ênfase na proteção, mas não são fornecidos mecanismos claros. Parece mais uma questão de argumento político. Eles também mencionam a promoção de investimentos estrangeiros, mas não estabelecem mecanismos específicos para atrair investimentos que beneficiem o país. É apenas retórica. No setor de mineração e petróleo, eles propõem investimentos público-privados e promovem o investimento privado. Vemos que há uma intenção de aumentar a participação do setor privado nos setores estratégicos. Isso é uma preocupação para os setores sociais, pois suspeitamos que será um governo que continuará o que Lasso está fazendo, tentando gerar negócios com seus grupos econômicos e processos de privatização sempre que possível," explica.

Mandato de um ano e meio

Geralmente os mandatos presidenciais no Equador duram quatro anos, assim como no Brasil. No entanto, as eleições deste ano ocorrem em um momento incomum. González e Noboa disputaram um mandato mais curto, que durará apenas um ano e meio.

Isso ocorre porque o pleito foi convocado por antecipação pelo atual presidente, o direitista Guillermo Lasso, para evitar um processo de impeachment. O banqueiro tem uma das piores avaliações da história e precisou decretar, no último mês de maio, a chamada “morte cruzada” – um dispositivo previsto na Constituição equatoriana que justamente permite antecipar o fim de um governo desastroso.

Durante seu mandato o Equador viveu uma terrível crise econômica, com forte desabastecimento de itens básicos como alimentos e combustível. A situação desdobrou a uma enorme revolta popular em 2022, em que povos indígenas marcharam sobre a capital Quito e foram brutalmente reprimidos.

Além disso, o país que até o último período era considerado seguro em suas principais cidades, passou a conviver com intensa violência urbana derivada da escalada da atuação de carteis de narcotraficantes. Um desses grupos, o Los Lobos, assumiu o atentado contra Fernando Villavicencio, o candidato assassinado em plena campanha eleitoral.

Gabriela Borja projeta um novo governo bastante desanimador, ainda que curto. Na sua leitura, o mais provável é que o avanço do crime organizado seja combatido com mais violência, ao invés de inteligência e direitos sociais, e, em termos de política institucional, ela prevê “ajustes privatizantes”.

"Considerando que tem pouco tempo, acredito que provavelmente vão tentar fazer ajustes pontuais necessários para flexibilizar certos setores que são estratégicos para eles como grupo econômico de poder. Isso pode talvez encontrar alguma resposta por parte da sociedade em termos de mobilização, veremos, especialmente se estivermos falando de privatização de setores estratégicos, aumento de tarifas ou coisas do tipo. Talvez, com uma visão ou perspectiva de serem eleitos, também possam tentar enfrentar de alguma forma a questão da segurança, que, na minha opinião, não lhes deixará muita escolha senão recorrer à repressão, à presença da polícia e dos militares nas ruas," diagnosticou.

“No entanto”, pondera a socióloga, “também é improvável que possam fazer muito, principalmente porque uma das coisas que observamos ao longo dos últimos anos é que a direita não possui técnicos altamente qualificados, ou seja, funcionários de alto nível com qualificações adequadas para tomar decisões corretas - costumam ser muito erráticos."

Violência política

O político Fernando Villavicencio, candidato à presidência do Equador, foi assassinado com três tiros na cabeça no final da tarde de 9 de agosto. Ele saía de uma reunião política com seus correligionários na capital Quito e entrava em um carro quando foi atingido pelos disparos.

Villavicencio, que era filiado ao Movimento Construye, chegou a ser resgatado para receber atendimento médico, mas sem sinais vitais ao dar entrada na unidade de saúde. Correligionários do político relataram que ao menos 7 pessoas ficaram feridas no ataque. Ele tinha 59 anos e, na última pesquisa de intenções de voto divulgada antes do atentado, apareceu na 5ª posição para o pleito presidencial.

“Villavicencio não foi o único candidato assassinado, parece-me que foram cinco ou seis candidatos assassinados em todo o país, de diferentes cargos, diferentes posições, para deputados, foi realmente algo bastante terrível, em geral, ver os candidatos, independentemente de sua posição política, fazendo campanha com coletes à prova de balas, sempre é um pouco impressionante. Acho que o caso de Fernando Villavicencio realmente chocou toda a sociedade, talvez tenha sacudido um pouco o tabuleiro,” avalia Gabriela Borja.

No dia seguinte (10) foi a vez de Estefany Puente, candidata à Assembleia Nacional, ser vítima de uma tentativa de assassinato, também por arma de fogo. O ataque ocorreu enquanto Estefany Puente estava presente no El Club de Leones, uma organização de serviços sociais localizada na cidade de Quevedo, na província de Los Ríos. A candidata, que é membro da Alianza Claro Que Se Puede, estava em seu veículo acompanhada pelo pai e um funcionário quando foi surpreendida por dois homens desconhecidos.

Dias depois, em 14 de agosto, foi a vez de Pedro Briones, político progressista ligado a Rafael Correa, ser morto. A informação foi dada em primeira mão por Paola Cabezes, candidata a deputada e ex-governadora do departamento de Esmeraldas, onde Briones também vivia e exercia sua atividade política.