NARCOTRÁFICO

Crise no Equador: jornalista explica contexto da situação do país sul-americano

Estrategista político Amauri Chamorro fala com exclusividade sobre sucessão de fatos que culminou com a guerra civil equatoriana em curso

Créditos: Reprodução TV Fórum
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O Equador atravessa uma grave crise marcada por uma série de episódios que configuram nova escalada de ataques violentos por parte de facções criminosas que colapsaram o país sul-americano.

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O tema foi o assunto principal do programa Fórum Global, da TV Fórum, desta quarta-feira (10). Para explicar o cenário no qual essa crise equatoriana evolui, o jornalista e estrategista político brasileiro-equatoriano Amauri Chamorro concedeu uma entrevista exclusiva.

Confira os destaques e a íntegra da entrevista no canal da Fórum no YouTube.

Invasão de tevê foi golpe comunicacional

Chamorro é filho de mãe brasileira e de pai equatoriano e tem familiares que moram em Guayaquil, a maior cidade do Equador e a capital comercial e industrial do país.

Um dos primos dele trabalha para a TC Televisión e foi uma das pessoas presentes quando um grupo de criminosos armados invadiu a sede do canal televisivo e fez reféns.

A invasão ocorreu durante a transmissão ao vivo de um programa policial de grande audiência. O âncora da atração e outros funcionários do canal, inclusive o primo de Chamorro, foram rendidos. Tudo foi mostrado em tempo real para todos os espectadores.

A Polícia Nacional do Equador já prendeu os invasores armados e o primo e outros funcionários da emissora foram libertados e estão bem.

"A polícia, quando interveio, os deteve de uma maneira muito estranha, porque era evidente que aqueles meninos, que eram praticamente crianças que entraram no canal, eles sabiam que iam ser detidos, eles não reagiram, não houve um enfrentamento. Então, foi muito mais um golpe comunicacional por parte desses grupos, desse grupo armado, do que realmente uma estratégia de enfrentamento, chegar a fazer alguma coisa e fugir. Eles quiseram mostrar, realmente, a capacidade que eles têm de fazer qualquer coisa contra o Estado de Direito."

Medida do governo não vai resolver o problema

Chamorro comenta que o Equador, atualmente, é um país de joelhos para a criminalidade. Ele pontua que há tempos esses grupos de criminosos armados mostram que não há mais Estado de Direito nem democracia e que o país está sendo ameaçado.

O estrategista político ressalta que a decisão do presidente Daniel Noboa de decretar “conflito armado interno” na terça-feira (9), na prática iniciou uma guerra civil no Equador contra esses grupos armados.

"Era o que ele tinha para fazer. Infelizmente, isso não vai solucionar o problema. Na minha leitura, o Equador não tem capacidade jurídica, econômica nem militar de enfrentar esses grupos armados. Então, a situação é muito complexa, realmente."

Covid turbinou crise econômica

Na avaliação de Chamorro, a crise equatoriana é um mix de problemas complexos que envolvem decisões políticas e econômicas de governos, mas também abarca uma questão conjuntural e complexa do consumo de drogas.

Ele aponta que, na leitura dele, um dos principais problemas foi o agravamento da crise econômica gerada a partir da pandemia de Covid-19. 

O jornalista recorda que Guayaquil foi a cidade mais afetada pelo coronavírus em todo o mundo. Em abril de 2020, logo no início da emergência sanitária mundial, imagens chocantes da cidade equatoriana assombram o mundo. 

Circularam pelas redes sociais diversos vídeos e testemunhos sobre pessoas morrendo nas ruas e corpos esperando dias para serem coletados em casa. A partir desse cenário, analisa Chamorro, foi gerada uma crise econômica que afetou todo o país.

Ele elenca ainda que o Equador é um país dependente de exportação de petróleo, cujo preço caiu. Além disso, houve uma série de decisões econômicas que afetaram a realidade social do povo equatoriano.

Esse cenário complexo em um país em vias de desenvolvimento foi um celeiro perfeito para que grupos criminosos cooptassem grandes massas de jovens sem perspectivas de futuro, em situação de fome e sem educação.

"Um celeiro perfeito para que os grupos criminais consigam cooptar grandes massas de jovens que não têm um futuro, não vêm na educação, não vêm o amanhã, e que não é uma oportunidade, que estão passando fome."

Boom do narcotráfico e mudança da rota da cocaína

Outro aspecto crucial para compreender a crise equatorial é observar a conjuntura internacional do narcotráfico.

Chamorro pontua que a Colômbia nunca produziu e exportou tanta cocaína para os Estados Unidos como agora, onde o consumo da droga disparou.

O Equador se transformou num corredor de saída dessa droga, produzida principalmente no sul colombiano, na região que faz fronteira com o território equatoriano.

Essa cocaína entra no Equador pela Colômbia e sai pelo litoral equatoriano, especialmente no litoral norte do país. Cabe destacar que o país sul-americano é pesqueiro, um grande produtor de pesca em alto mar e produtor de camarão.

Os milhares de barcos pesqueiros do Equador são, em grande parte, usados para retirar a droga do país. Para isso é usada uma rota que vai até o arquipélago de Galápagos, localizado a três mil quilômetros da terra firme e praticamente já na fronteira marítima com a Costa Rica, na América Central.

A frota equatoriana, que inclui até mesmo submarinos, leva a droga até o mar territorial equatoriano. Lá, as embarcações são reabastecidas com gasolina muito barata, subsidiada, e seguem até chegar ao México para entrega da mercadoria.

"A droga sai do Equador, em navios equatorianos, param em Galápagos, se reabastecem ou encontram lanchas rápidas em alto mar, e aí eles transferem a droga, se abastecem de gasolina e vão até o México. E aí, essa realidade logística do Equador é uma vantagem em relação à Colômbia, que também tem muito mais estrutura de policiamento do que tem o Equador em si."

Presença dos EUA

Chamorro observou ainda a situação do Equador no contexto geopolítico e a partir da presença dos EUA. Ele recorda que o país, antes sem presença militar estrangeira sob a administração do progressista de Rafael Correa, que governou o país de 2007 a 2017, agora hospeda bases militares dos EUA, incluindo na região das Galápagos, com operações do FBI, DEA  - agência de repressão às drogas - e militares estadunidenses.

Esse braço de Washington foi oficializado durante a administração neoliberal de Lenin Moreno, que governou o Equador de 2017 a 2021, apesar de não ter reduzido o tráfico de drogas no país.

"Com o Lenin Moreno a droga só aumentou e não houve nenhuma melhora no país em relação ao volume de droga transportada."

Dolarização da economia

Outro aspecto destacado pelo estrategista política é que o Equador, uma nação dolarizada, se tornou um ponto chave na lavagem de dinheiro do narcotráfico, já que a droga é comprada com dinheiro vivo em dólares, facilitando a lavagem. Grupos armados locais, ligados a cartéis mexicanos, disputam o controle do território para o tráfico e a lavagem de dinheiro.

"A droga não é paga com transferência monetária via banco, a droga é comprada com dinheiro em efetivo, então, esse dinheiro em efetivo é pago em dólar, fica na economia equatoriana, e é mais fácil e mais rapidamente para ser lavado esse dinheiro do que é na Colômbia, que é, na verdade, o grande produtor."

A crise econômica e a ausência do Estado permitiram que o narcotráfico cooptasse a justiça, a polícia e as forças armadas equatorianas, criando uma situação comparável à Colômbia dos anos 80.

Economia do narcotráfico

Chamorro destaca também que o narcotráfico na América Latina está intrinsecamente ligado à economia dos Estados Unidos. A realidade é que o dinheiro do narcotráfico, substancialmente maior do que o PIB do Estado de São Paulo, financia eleições e está entrelaçado com o setor político, especialmente através de igrejas evangélicas não fiscalizadas, que se tornaram grandes máquinas de lavagem de dinheiro.

Ele pontua que essa influência não se limita a um país, mas se estende por toda a América Latina, incluindo Brasil, Equador, México, e nações da América Central, onde o narcotráfico também financia o comércio e a lavagem de dinheiro.

O paradoxo, avalia o estrategista político, é que enquanto a América Latina sofre com a violência e as mortes ligadas ao narcotráfico, os EUA se beneficiam duplamente, tanto do lucro da venda de drogas quanto do comércio de armas utilizadas no combate ao narcotráfico.

Para Chamorro, a solução proposta para enfrentar essa realidade complexa e entrelaçada é a legalização das drogas, já que as abordagens atuais não conseguiram resolver o problema. O debate sobre essa questão é urgente, dada a disparidade entre os que sofrem as consequências na América Latina e os que se beneficiam economicamente nos Estados Unidos.

"Essa droga não fica no Equador. Não tem nem população para cheirar tanta cocaína lá. Então, isso daí vai para os Estados Unidos. Só que os Estados Unidos não querem discutir o assunto, porque eles também ganham muito dinheiro com isso. Onde fica esse lucro da droga que custa um quilo, mil dólares, e em Nova Iorque custa 250 mil dólares o mesmo quilo?

Saída é pela política

Chamorro defende que a saída para essa crise que não se restringe ao Equador, mas ressoa pela América Latina, é a política. Ele cita como exemplo o encontro entre o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Andrés Manuel López Obrador, em setembro de 2023 durante a Conferência Latinoamericana e do Caribe sobre Droga, na cidade colombiana de Cali.

Nessa reunião, os líderes latino-americanos discutiram soluções políticas unificadas para o problema do narcotráfico. O objetivo foi propor uma nova abordagem, envolvendo diálogos com grandes consumidores de drogas, como os Estados Unidos e a Europa.

Essa iniciativa busca substituir a estratégia militar falha, que se baseia em comprar armas e treinamento dos EUA, por uma solução política. A guerra contra as drogas mostrou-se ineficaz, com a América Latina sofrendo o alto custo humano diário e os Estados Unidos experimentando um influxo sem precedentes de drogas.

Os líderes enfatizam a necessidade de discussões internacionais, inclusive na ONU, para abordar a tragédia que o narcotráfico representa para a América Latina. Eles reconhecem que a solução não está nas armas, mas em políticas que enfrentem a realidade complexa do narcotráfico, incluindo o fato de que os traficantes muitas vezes vivem próximos às forças de segurança, criando um ambiente de medo e retaliação.

A ineficiência do Estado em fornecer recursos e capacidade militar adequados também é um obstáculo significativo para o combate efetivo ao narcotráfico, conforme evidenciado pela situação contínua no México, Colômbia e Equador.

"A gente tem uma tragédia na América Latina, a gente tem milhares de mortos diariamente pela questão do narcotráfico, e também há um volume de transporte nunca antes visto dessa droga entrando para os Estados Unidos, então a solução tem que ser política mesmo".

Assista a entrevista